“Meus cumprimentos e congratulações, Wojek Weslyn,” diz o meu chefe, literalmente queimando de orgulho. Servi sob o comando do Sargento Skormak, diretor associado do desenvolvimento de guerra, nos últimos treze anos em que trabalhei no Anexo IV da Morada do Sol. Quase nunca nos falamos diretamente. Ele estende a mão, e eu luto contra a vontade de sair correndo. Dizem que há dois tipos de pessoas dentro da Legião Boros: quem se aproxima do Clã das Chamas, e quem foge deles. Eu com certeza estou na segunda categoria, mas aperto a mão do meu chefe ainda assim. Mesmo através da proteção de suas luvas encantadas, eu consigo sentir suas chamas.

“Sua adulação foi bem notada,” digo eu. “Não há dúvida alguma que sua recomendação brilhante foi um fator enorme na minha promoção.”

O Sargento Skormak sorri e meneia a cabeça, e pequenas chamas se erguem do topo de sua cabeça em um tom vermelho-dourado. “Minhas palavras não fugiram da verdade. Você fez o serviço. Você passou nos testes. É você quem mereceu essa honra.”

Ele coloca uma pequena caixa e um envelope na minha mesa. “Sentirei falta das suas eficiências quando você se mudar para o Anexo dos Wojeks,” diz ele. Sua voz sem fôlego tremula como uma chama. “Mas eu sei que você vai deixar a todos nós orgulhosos.”

E agora sou eu quem está em chamas, pelo menos no sentido figurado. Sou a primeira entre meus colegas a conseguir uma promoção para o cargo de Wojek em oito anos. É claro que todos nós fingimos que tudo é justo e igualitário, e que se você trabalhar com integridade e decência eventualmente vão te dar o reconhecimento esperado... mas na verdade o Anexo IV é para onde a Legião Boros manda seu refugo — espadas velozes que bombardearam os acampamentos errados, cavaleiros celestes que criaram medo de altura, Clã das Chamas com cabeça quente demais para dissipar depois de completarem missões, e minotauras como eu, que simplesmente tiveram o azar de nascer na linhagem errada. Faz até algum sentido que esse edifício fosse usado como depósito antigamente. É um excelente lugar para deixar todas as pessoas que a Legião gostaria de esquecer.

Meus dedos trêmulos abrem a caixa. Mal consigo olhar para o que eu penso, para o que eu espero que esteja ali dentro. Quando a tampa se abre, consigo discernir uma nesga de tom vermelho. Meu coração se prende, e toda a minha pelagem se arrepia; de repente estou lá olhando para ela, mordendo o lábio para evitar começar a chorar aos soluços abraçada no Sargento Skormak com lágrimas enormes que possam apagar suas chamas. Eu controlo minhas emoções, estufo o peito com orgulho, e puxo o cordão vermelho da caixa, vestindo-o pelo pescoço e um dos braços. Minha primeira honraria. Uma insígnia pendurada diz “Boros - Wojek” nas beiradas de cobre. Eles confiam em mim para manter a paz nas nossas terras, para lutar contra injustiças, e para buscar tudo o que é honrado e correto.

“Fica bem em você,” diz o Sargento Skormak. “Talvez o sol brilhe mesmo para a sua linhagem.”

“Talvez,” digo eu, fazendo menção para abrir o envelope.

O Sargento Skormak pigarreia. “É para ser lida em privacidade. Boa sorte, Wojek Weslyn.”

O título me dá um arrepio. Ou talvez seja a queda de temperatura agora que meu chefe saiu. Eu olho para a carta com mais atenção. Meu nome está impresso no envelope em ouro folheado. Eu passo uma unha sob a aba do envelope e o abro cuidadosamente. Tem um cartão dentro — um convite.

 
Este recado informa a você que
sua presença é necessária no pôr-do-sol de hoje
no Solário da Morada do Sol
para uma recepção em honra dos novos Wojek.
 
Comes e bebes leves serão servidos.
O traje consiste em robes e cintos formais.
 
“Uma guerra travada com uma mente injusta morre nas trincheiras. Uma guerra travada com um coração valente vive para sempre nos escombros dos ossos de seus inimigos.”
—— Klattic, legionário Boros

Eu olho para o envelope. Olho mesmo. A primeira coisa que me chama atenção é o símbolo da Legião Boros impresso no papel. . .a silhueta do punho contra o sol, mas tem algo errado. E então eu noto que o punho é de uma mão direita, e não de uma mão esquerda como deveria ser. E tem dez raios no sol, ao invés de nove. Minha mente pula para o exame de contrainteligência que fiz há alguns meses atrás. Tinha uma tarefa igual a esta, de encontrar mensagens escondidas entre coisas mundanas. Estávamos em busca de códigos Dimir — um padrão de sombras desenhadas nas janelas de uma torre de apartamentos, grades de esgoto retorcidas para dar instruções, essas coisas. Detectei oito, mais do que todos os demais no teste de coorte. E de agora em diante, eu vou precisar estar sempre alerta, em busca de sinais como este que estou segurando nas mãos.

Não é um convite. É uma descrição da minha primeira missão como agente de contrainteligência Wojek. Agora eu preciso decodificá-la.

Examino cada letra, cada palavra, com minúcia. Eu viro o papel de lado e avalio o espaço em branco entre as palavras. A história começa a tomar forma — um local para encontrar um informante. . .É como se fosse um jogo. Eu brinco com as palavras: Comes e bebes leves serão servidos. Comida. Os soldados chamam a comida de grude. Gruul. E se essa frase do Klattic é real, eu nunca ouvi. Trincheiras. Escombros. O local tem que ser um paiol perto da Faixa de Escombros Gruul.

Tudo está começando a se encaixar—

“Opa, festinha no Solário. Posso ser sua acompanhante?” Diz a Aresaan, olhando por cima do meu ombro. Eu amasso o convite e o escondo dentro do meu punho fechado, e logo antes de me virar para ver o rosto da minha inimiga de trabalho, eu esvazio os pulmões. Não importa quantas vezes você viu uma cópia de Razia, elas sempre tiram seu fôlego. Eu não quero lhe dar esse luxo.

“Não sei ao certo do que você está falando,” digo eu, atrapalhada com minhas palavras, fingindo que os cabelos em vermelho radiante dela não estão me deslumbrando. Aquela mensagem era apenas para os meus olhos. Primeiro dia na contrainteligência Wojek e eu já estou com uma missão em risco. “Não tem festa nenhuma.”

Ela ergue uma sobrancelha. “Ah, tá, Ossett. Enfim, eu só queria te dar os parabéns pela sua promoção. É um feito muito grande para alguém com convicções tão fracas.”

Minhas narinas se expandem. Ela é a pior dos fiascos, uma antiga Líder de Guerra que tomou uma decisão ruim no campo de batalha e levou à morte de quinze mil soldados Boros uns trinta anos atrás. Como penitência, ela teve as asas amarradas e quase toda sua magia foi revogada, a não ser por alguns feitiços de reunir para ajudar nos esforços de recrutamento. Mesmo após décadas em exílio, ela ainda pavoneia a arrogância e intrusão sem pedir desculpas que é tão típica dos anjos, mas ela não é melhor do que nenhum de nós desajustados.

“Minhas convicções estão ótimas,” digo eu com a cabeça inclinada para a frente, apontando os chifres para ela. “Eu fiz por merecer. Se você tem algum problema com a minha promoção, melhor encontrar sua paz.”


Quando criança, eu não sabia o que era a paz. Meu pai entrava e saía do campo de batalha, e a nossa família passava a maior parte do tempo preocupada com a segurança dele nas linhas de frente, e depois preocupada com a nossa própria segurança quando ele voltava. Ele assistiu seus compatriotas Ordruun ganharem promoções na frente dele, ano após ano. Talvez aqueles minotauros merecessem mais do que ele; eu não sei. O que eu me lembro é que o temperamento dele ficava mais explosivo a cada vez que ele voltava, e eu perdi a conta das vezes em que ele e minha mãe bateram de frente, com chifres raspando e cascos raivosos abrindo fendas no chão de madeira, e às vezes nas paredes. Assim que eles começavam a gritar eu me enfiava no quarto, com os laçarotes vermelhos dos cabelos da minha irmã espalhados pelo meu peito, e eu fingia ser oficial Wojek, encarregada de manter a paz. A contrainteligência Wojek precisava ser astuta e alerta. Eu me concentraria em encontrar mensagens escondidas nas manchas de umidade do teto, nos padrões de poeira amontoados nas tábuas do piso, e nos momentos silenciosos em que meus pais finalmente paravam de brigar. Eu fiquei boa em notar coisas que não deviam ser notadas.

E agora cá estou eu na minha primeira missão, nos limites do Décimo Distrito, em busca de informações que nos ajudem a manter a paz. Um acampamento Gruul se assentou firmemente neste bairro excêntrico e a tensão no lugar está alta. Ouvi rumores de que esta área era o local onde dragões eram exterminados há uns dez milênios, e que a poeira daqui era basicamente osso de dragão desintegrado. Eles também dizem que os ossos não estão inteira e completamente mortos, não totalmente.

Trabalhar em um lugar desse requer minha armadura Boros para proteção, mas é importante também permanecer na furtiva. Tenho uma capa vermelho-acinzentada sobre mim, da mesma cor da poeira do lugar. Osso de dragão ou não, ela entra em tudo, me deixando uma sensação de areia, mas a poeira não é a única coisa que me deixa desconfortável. É impossível não notar a presença Gruul, louca para derrubar tudo o que construímos com tanto esforço. As crianças são ferais, couros e ossos amarrados em uma tentativa de indumentária. Um ogro bêbado cambaleia por mim, e depois cai, e o impacto acaba obliterando um carrinho que vendia incensos. Tento encontrar alguma qualidade redentora entre eles, mas não consigo. Minha mão chega a coçar para entregar avisos de violações, mas mantenho meu foco para encontrar o informante.

No mercado, testemunho uma criança Gruul roubando um melão de um carrinho. O mercador grita, um velho e frágil Viashino que não conseguiria perseguir a criança mesmo se quisesse. Ela corre bem na minha frente, e eu acabo segurando-a pelo braço. Ela olha para mim como um javali preso, enquanto eu a mantenho firmemente no lugar.

“Você não devia estar roubando,” ralho com ela. “Você desonra sua cidade. Sua família. E você mesma.” Tento parecer estar brava com ela, mas o braço dela é tão fino que parece que vai quebrar. Eu a seguro com menos firmeza. Ela rosna para mim, mostrando dentes. E, nossa, o cheiro que vem dela... Mas algo afunda na minha mente, e eu não consigo separá-la da fruta.

Com um suspiro, deixo-a ir. Ela funga na minha direção e sai correndo, agarrada em seu prêmio, com olhos rápidos olhando para todos os lados. Eu puxo alguns zigs da minha bolsa e pago o mercador.

Ele sorri para mim, e sua língua umedece um de seus olhos. “Sabe o que dizem,” diz ele, rouco: “lutar com Gruul, é problema pra um dia inteiro. Alimentar Gruul, é problema pra vida toda.”

Eu assinto. Felizmente, só estou neste canto da cidade nesta noite, e ela não será meu problema por mais tempo. Eu continuo minha missão. Não leva muito tempo para que eu encontre o paiol, escondido sob ervas daninhas e cipó-brasa selvagens, encantados para lentamente transformar a fachada em escombros. O lugar parece quase esquecido, exceto pela infestação de hidras, cada filhote quase do tamanho de um palmo meu. Algumas das cabeças cospem em mim. Eu saio do caminho, mas parte da saliva me atinge na bota. O ácido não é forte o suficiente para abrir um buraco, mas criam manchas pálidas no couro marrom-escuro. O protocolo dita que eu devo relatar as hidras imediatamente, mas elas não vão sair dali agora, apesar de que meu informante talvez saia.

Gleba Gruul | Ilustração: John Avon

Eu entro no paiol. A porta de metal pesado range ao se fechar atrás de mim, e eu respiro um ar frio e parado. Está escuro aqui, e eu levo muito tempo para ajustar meus olhos. Enfim eu vejo um lance de escadas na minha frente, e desço segurando em um corrimão frouxo. A escada chega em um cômodo amplo, com chão batido. Várias cadeiras e mesas industriais estão pelo lugar, há camas improvisadas e empilhadas nos cantos, e armários outrora bem estocados estão abertos e vazios.

Um homem encovado que parece mais velho do que sua idade está em uma cadeira, com um tabuleiro de Clãs & Legiões à sua frente. Minha garganta fecha instantaneamente. Meu pai me ensinara a jogar, na primeira vez que ele voltou da batalha. A luta o tinha endurecido, mas na época ele ainda cuidava de mim. Era um jeito de passarmos tempos juntos, sem ter que falar muito.

“Tem informação para mim?” Eu digo como se tivesse minha vida inteira de prática. Nem acredito que este cara está sentado aqui. Isso significa que eu decodifiquei a mensagem e o encontrei, que não era uma conspiração que eu tinha criado na minha cabeça.

“Tenho,” diz ele, com voz rouca e obviamente cansada. “Mas antes, vamos jogar.”

“Estou um pouco enferrujada.” Eu me aproximo, mantendo a calma. Não posso assustá-lo agora. Eu me sento na frente dele e leio sua face. Está escuro aqui embaixo, mas eu consigo discernir a descoloração no pescoço e nas têmporas como cicatrizes finas. Que interessante. Boticários Wojek fazem um dinheiro extra removendo tatuagens de desertores Gruul, e as mágicas para desencantar a tinta eram ainda mais abrasivas do que as mágicas que fizeram as tatuagens. Agora, tenho uma ideia melhor da pessoa com quem estou lidando.

As peças pretas estão na minha frente neste tabuleiro de seis lados, e eu faço o primeiro movimento.

Ele rodopia um dedo, e um de seus soldados desliza pelo tabuleiro. Um mago, então? Além de observações típicas, você também aprende muito sobre alguém pelo jeito que jogam Clãs & Legiões. A primeira vez que ganhei do meu pai — de verdade, sem ele me deixar vencer — ele ficou tão orgulhoso... Na segunda vez que eu ganhei dele, ele virou o tabuleiro. Minha mão trêmula pega a peça do clérigo. Um movimento sólido, mas previsível.

“Tem um nome que eu posso usar para chamar você?” Pergunto eu.

“Brazer, se for o caso, Wojek Weslyn.”

“Pode me chamar de Ossett.” Eu diminuo a distância para criar confiança entre nós. Eu vejo ele mover o dedo e mover a peça do anjo, deixando-a completamente exposta. Seria uma isca? Eu quero tanto pedir informações, mas é cedo demais. Eu ignoro a ousadia dele e sigo com um cavaleiro celeste. Um movimento completamente sem graça. “Você joga Clãs & Legiões sempre?” Pergunto eu. “Eu competia na liga quando era mais jovem.”

“Não tínhamos ligas dessas onde eu cresci.”

“É uma pena. Todas as crianças podem ganhar com a disciplina que se aprende no jogo.” Eu noto que disse a coisa errada porque o lábio dele se torce. Eu volto um pouco. “Mas sabe, também há uma certa beleza no caos. Meu pai me disse uma vez que há mais combinações de quarenta e um movimentos do que pelos em cada ser vivo de Ravnica.”

“Sério?” Diz Brazer com a sobrancelha erguida. “Nunca pensei nesses termos.”

Eu movo meu anjo para um sacrifício. Eu ainda conseguiria jogar sem ela, mas seria apenas questão de tempo antes de ele nulificar meu exército inteiro. Brazer derruba meu anjo com um de seus soldados, mas ele não puxa minha peça para a necrópole. Ao invés disso, ele olha para mim, e a dor em seus olhos cansados me faz sentir dor, também. Ele está pronto para conversar.

“O que você quer me contar, Brazer?” Pergunto eu. “Estou ouvindo, e vou tratar o que você me disser com toda a confidencialidade.”

“Tem um espião na Legião Boros.”

“Certo. Pode me dizer quem é?”

Ele assente com a cabeça. “Mas primeiro, quero que uma prisioneira do Portão da Guerra seja solta. Liberte-a e eu farei com que entreguem a informação para você no mercado, amanhã, ao pôr-do-sol.” Ele me passa um bilhete com um nome. Baas Solvar. Nunca ouvi falar dela, certamente não está entre nossos presos políticos renomados.

“Quero ajudar você, Brazer, mas essas coisas levam tempo. Tem todo um processo formal. Pedidos precisam ser enviados e revisados.”

“Você sabe quantos jogos de três movimentos existem no Clãs & Legiões?” Indaga Brazer.

Eu assinto. Todo mundo sabe. “Um. A Insensatez de Razia. Mas o oponente tem que estar praticamente em conluio com você para conseguir.”

“Aham. Suborno. Extorsão. Favores. Você é a jogadora, Ossett, mas isso com certeza não é um jogo.”

Eu seguro minha cabeça no lugar, mas tudo o que eu quero é assentir agora. Não há nada honrado em corromper a justiça. Mas um traidor dentro da Legião Boros seria pior, especialmente agora que as tensões estão cada vez maiores. Na Legião Boros nós vemos as coisas em alto contraste. Não existe opção de vermos tons de cinza: tiraremos a liberdade de alguém por crimes a cometer, daremos a vida de um soldado para manter o ideal de paz em Ravnica, puniremos uma criança faminta por roubar comida. É a força pela qual juramos, mas também é uma de nossas maiores fraquezas.

“Vou ver o que posso fazer.”


Eu trabalho até tarde da noite, preparando os formulários de soltura. Baas Solvar, presa em um levante Gruul. Sem queixas anteriores. Provavelmente ela estava no lugar errado na hora errada. Um caso simples, até. Só precisei de um pequeno suborno para a assistente do Sargento Skormak, e ela colocou o formulário de soltura da prisioneira no meio da pilha de assinaturas dele. Tenho certeza de que meu antigo chefe não se importaria. Ele disse o quanto quer me ver fazer sucesso, o quanto quer ter orgulho de mim. Ele está preso no Anexo IV por tanto tempo quanto eu, e ele sabe a conquista que é conseguir sair. Na primeira luz da manhã eu levo o caso pessoalmente para o Portão da Guerra, economizando dois dias de burocracia, e amanhã na hora do almoço Baas Solvar será uma mulher livre—

Meus olhos grudam no formulário de soltura. Algo salta aos meus olhos, algo ruim. Eu tento ignorar. Tento deixar passar, como quem processou a prisão deve ter feito. Mas parece que as coisas que eu tento não notar, também gritam para serem notadas. Baas Solvar não é o nome completo dela. Baas Solvar Radley. Provavelmente parente do Govan Radley, saqueador da Faixa de Escombros que jogou um feitiço de caos em massa no Mercado da Rua do Estanho. Lojistas foram tomados por tanta ira e confusão que se viraram uns contra os outros, usando suas mercadorias como armas. Vinte e quatro mortos. Cento e setenta e seis feridos. Eu enfio o papel na pilha com os outros, mas não consigo desver. Meu coração batia forte. Qual seria a ameaça maior à paz? Alguém conhecido tentando nos atacar em plenas ruas, ou alguém desconhecido que está aqui dentro para desmantelar a Legião por dentro?

“Trabalhando até tarde, Wojek?” Aresaan diz, pousando a mão em meu ombro. “Sempre se pode contar com minotauros para trabalhar o dobro do tempo com metade do esforço, não é mesmo?”

“Pelo amor de Tajic,” digo eu, com um olhar ameaçador e um sacudir de ombros. “Não tem nenhum recruta em potencial para você impingir seus ‘poderes’, não?” Eu esvazio meus pulmões como por instinto, e olho para ela. É como olhar para o sol, sem se importar que seus olhos estejam queimando. Ela parece agressiva, de braços cruzados. Boca apertada. Pena que não vai permanecer fechada.

“Só pra você saber, eu alistei vinte e sete tolos hoje, cheios de vontade de espalhar sangue pelo campo de batalha.”

“Impressionante. Então quando você está lá recrutando, você decorou um discurso ou só vai de asa aberta?” Com um sorriso convencido eu vejo a arrogância cair do rosto da Aresaan, e de repente ela remexe suas asas, presas com arame farpado. Não deve ser confortável. Eu suspiro. Ela não merecia isto. Ou talvez merecesse, mas eu tenho que ser a pessoa correta aqui. “Vá embora, por favor. Estou ocupada.”

“Com algo importante?”

“Algo que não é da sua conta. Estou começando a entender por que baniram você do Parélio.”

“Calma aí,” diz ela, de mãos erguidas. “Banida, não. . .só realocada. E cinquenta anos passam em um piscar de olhos para um anjo. Estou só girando os polegares, esperando que alguém faça uma bagunça pior que a minha, e é só questão de tempo do jeito que Aurélia está gerindo este lugar. Você, vai marcar território com os Wojeks, tentando criar um nome para si, mas eventualmente todo mundo vai ver a impostora que você é e começar a se perguntar por que te promoveram, afinal. Eu garanto, não dou cinco anos para estar aqui de volta.”

“Você não sabe bosta nenhuma das minhas habilidades.”

“Olha a língua, Wojek!” Ralhou ela, com um sorriso fino nos lábios. “Qual é a honra em uma boca suja?”

“Fala com o meu casco, Aresaan.” Eu me viro e eventualmente ela desiste e vai embora. Eu olho para o arquivo. Parece tão pesado, agora. O que significaria para minha carreira se eu não conseguir completar minha primeira missão? Não seria difícil. Eu nem tenho que mentir. Eu só preciso continuar a ignorar a verdade.


Baas Solvar está livre. Eu a vi sair pelos portões da prisão com meus próprios olhos, e um buraco no meu primeiro estômago. Agora, espero calmamente no mercado. O sol ainda não vai se pôr em algumas horas, mas eu cheguei cedo, para garantir. Brazer vai aparecer. Não posso deixar a dúvida tomar meu coração. Ainda não. Assim como leva alguns minutos para os olhos se acostumarem ao escuro, leva algum tempo para a mente se ajustar a enxergar em tons de cinza.

Eu noto a mesma criança de ontem, de olho em um pão na beirada de um balcão. Eu me aproximo rápido antes que ela decida roubar, abro minha bolsa, e coloco cinco zigs firmemente na palma de sua mão. Eu me abaixo para falar com ela. “Essa vida não é digna, você sabe, não é? Tem pessoas que querem ter orgulho de você. Mas você tem que tomar as decisões certas, mesmo que seja difícil, tá bom? Peça ajuda quando precisar. Tem tanta bondade dentro de você.”

A menina se ilumina e algo se acende atrás dos olhos dela. “Kahti, boazinha,” diz ela,

com a mão no coração. A voz dela é tão rouca que parece um rosnado.

“Sim. É sim. Kahti é boazinha.” Ela estende os braços e eu a abraço.

“Kahti boazinha,” diz ela no meu ouvido. “Muito boazinha.” Ela sorri mais uma vez, depois se afasta e sai correndo.

O sentimento é de afeto para mim, também. Até eu notar que minha bolsa de moedas sumiu.

Envergonhada e com raiva, espero meu informante, e a cada momento minha dúvida

aumenta. Será que eu libertei uma saqueadora violenta. . .por nada?

Duas horas depois do pôr-do-sol, eu enfrento a realidade. Eu volto até o paiol, esperando nem encontrá-lo, esperando que tenha sido um sonho estranho que tive, mas não... Ele está lá, com hidras e tudo. Meus olhos se ajustam mais rapidamente desta vez, e eu corro escada abaixo, com o concreto pegajoso sob meus cascos, esperando encontrar uma pista ou mensagem oculta.

Só que o que eu encontro é o corpo do Brazer, sentado bem onde eu o deixei, com a garganta cortada. O tabuleiro está vermelho e inchado por ter absorvido sangue. Pegadas vermelho-escuro saem do paiol. As peças do jogo estão exatamente como eu as deixei, então ele deve ter sido assassinado logo depois que eu saí. Procuro por mais pistas, mas estou trêmula demais para me concentrar. Preciso relatar isto para a Legião, não me importo se estiver em apuros ou não.

Eu me viro para sair, mas. . .

eu volto para examinar o tabuleiro de perto. Tem uma peça faltando. Meu anjo. Ela devia estar onde eu a deixei. Eu crio coragem para erguer o corpo caído de Brazer. Não tem peça nenhuma sob o corpo dele, nada no chão. Eu procuro por tudo. Quem o matou levou a peça junto.

Estou correndo o mais rápido que posso para a Morada do Sol, mas antes que eu consiga passar pelos portões, me interceptam.

“Ooopa, calma lá, Wojek,” diz Aresaan como se estivesse tentando acalmar uma montaria selvagem. Ela me agarra pelos ombros, me olha de cima a baixo, vê o estado de pânico em que estou. “O que aconteceu com você?”

“Não tenho tempo para palhaçada, Aresaan. Houve um assassinato.”

“É mesmo?”

“Eu pareço estar brincando?” Ergo as mãos, com sangue já opaco na minha pelagem.

“Uau, Ossett. Eu não sabia. . .” ela me empurra pelos portões, e eu quase tropeço nos meus cascos. “Você precisa relatar isso. Eu sei que nunca fomos colegas muito cordiais, mas se quiser, eu vou junto. . .”

Eu resmungo. Não quero ela comigo, mas também não quero entrar lá sozinha. “Certo,” digo eu. “Mas não fique toda. . .” gesticulo para ela inteira, “. . . .assim.”

Eu sempre me senti pequena na frente da Morada do Sol, com suas torres de pedra em blocos como punhos enormes que tocam o céu, mas agora me sinto menor ainda. As chamas da justiça queimam em suas piras altas, iluminando a falsidade e outras ameaças à ordem e a união. Elas podem iluminar as ruas, mas não são fortes o suficiente para afastar as sombras dentro do meu coração. Somos recebidas pela Guarda da Morada do Sol, um batalhão na frente dos portões prateados. Muitos dos guardas são gigantes — fortes e sem armadura, a não ser por algumas fivelas estratégicas. Todo dinheiro economizado na armadura dos brutos fora claramente redirecionado para as maças enormes que eles carregam. Eu me esforço para ignorar minha necessidade de sair correndo. E então dois guardas se aproximam e estou congelada demais para correr, mesmo se quisesse.

“Ossett Weslyn? Você é procurada para interrogatório,” diz um dos guardas, um gigante que consegue segurar meu bíceps apenas com o polegar e o indicador.

“Espera, o quê? É a questão do caso Baas Solvar? Eu achei que seria problemático, mas não tinha certeza, e não tinha tempo para realmente, é. . .”

“Você é suspeita do envenenamento agudo do Sargento Embrel Skormak, da Segundo-Tenente Devin Sidian, e da Maga de Guilda Rook Atalay.”

Meu chefe, a chefe dele, e a chefe dos dois. Eu sacudo a cabeça. “Não, não fui eu. Eu nunca faria isso! Diga a eles, Aresaan, que eu nunca—” eu me viro procurando Aresaan, mas não a vejo em lugar algum. Que coisa. “Aresaan!” Eu grito. Ela é um anjo, então sei que ela pode me ouvir chamá-la onde estiver. A não ser que tenham tirado dela esse poder também.

A outra guarda, uma minotaura usando o próprio peso em armadura de beiradas douradas, me revista e esvazia meus bolsos. Lá está minha bolsa de moedas. Ela a abre, e puxa meu convite para o jantar e a peça do anjo que tinha sumido. Ela cheira a peça, a torce, e o topo se separa do fundo. Tem algum líquido dentro. “Algum tipo de veneno Golgari, com certeza. Algumas gotas dessas derrubam um gigante, fácil.” Ela segura a peça bem longe dela, e fecha a tampa de volta.

“Não é minha, eu juro!”

“Quer dizer que não vou encontrar suas digitais nela?” Ela me pergunta.

“Não! Mas, sim. Eu peguei nela. Eu joguei Clãs & Legiões. Mas eu não tinha ideia de que tinha veneno dentro!”

“Diz a novilha com sangue nas mãos,” grita o gigante, me empurrando. A minotaura lança um olhar desgostoso para ele, mas ele não nota. “Duas boas líderes morreram por sua causa. Suponho que você tenha um álibi de onde estava durante a cerimônia de ontem? Alguém que pudesse atestar por você? Talvez seu oponente?”

“Não, ele está. . .” Eu mordo o lábio. “Olha, eu fui convidada para a cerimônia, mas o convite não era bem um convite, tá vendo? Era uma mensagem codificada para encontrar um informante. Vê como a marca d’água está invertida e o sol tem um raio a mais?”

A minotaura ergue o convite. “Parece o símbolo normal, para mim. Punho esquerdo. Nove raios.”

Eu sacudo a cabeça. “Não pode ser. Eu vi!” Eu aperto os olhos, mas a coisa que criava ordem no caos se foi. Não é nada além de um convite padrão, com o cabeçalho Boros. “Não fui eu. Há um traidor entre nós!”

Minha mente parece tão distorcida agora, mas eu noto que existem três vagas de alto calão e os Boros sempre promovem pessoas de dentro. O que quer dizer que o assassino vai crescer na guilda.

E então eu entendo de uma vez só— Aresaan. Ela estava lá quando eu li o convite que não era um convite. Ela pode ter conseguido ajuda de um mago mental Dimir para torcer meu cérebro para ver algo que não estava lá. Ela teria conseguido um elixir Golgari no mercado informal e conspirado com aquela criança Gruul para roubar minha bolsa de moedas, e então. . .então. . .Colocá-la de volta no lugar quando esbarrou em mim. Quem sabe até onde seus aliados se estendem, por guildas, por décadas. Quem dirá há quanto tempo ela vem bolando esse plano, esperando pelo momento certo. A Legião Boros sempre foi tão obcecada com a ordem, ultimamente mais do que o costume. Não se anda mais uma quadra sem ver um soldado em armadura completa e peles, e não se passa mais um fim de semana sem um desfile em honra das conquistas de uma guarnição que dominou um campo de batalha. Eles tentam cada vez mais projetar a ideia de solidariedade e força, mas não consigo parar de pensar em como estamos vulneráveis ao caos — como um anjo desprezado determinada a conseguir voltar ao Parélio, me incrimina, e então, então. . .

E, e. . .espera aí.

A rede de possibilidades se abre na minha mente como todas as combinações de jogos para Clãs & Legiões. Uma partida podia durar eras, mas a maior parte era rápida e descomplicada. Ao invés de dar atenção ao caos, preciso dar atenção à ordem. Eu vejo o jogo de três movimentos. É a explicação mais fácil.

“Espera, você disse que teve três envenenamentos, mas duas mortes?” Pergunto ao gigante.

Ele me olha feio. “O Sargento Skormak teve sorte de sobreviver. Uma dúzia de xamãs trabalhou nele noite adentro.”

“Você está dizendo que o veneno matou uma gigante e uma minotaura, mas não um Clã das Chamas?”

“Talvez elixires da morte não funcionem tão bem em Clã das Chamas, eu não sei.”

Hmm. Provavelmente não funciona bem em quem não estava completamente vivo desde o começo, alguém que já devia ter queimado há anos. Não impediria a onda de compaixão, isso. Eles o deixaram descansar, garantir que estaria bem, e logo ele voltaria à sua sala. . .toda aquela comoção e ninguém pensaria duas vezes senão em promovê-lo. Ele chegaria na Morada do Sol, com um cargo confortável. Mas ele nunca teria conseguido sozinho. Um Clã das Chamas fora do campo de batalha chamaria atenção demais. Ele precisava de alguém que pudesse andar pela cidade sem ser notada. Alguém que as pessoas estariam acostumadas a ver na rua.

Boros art
Ilustração: Wesley Burt

Eu olho para a minotaura, cujas mãos que poderiam brandir grandes clavas, mas também pareciam delicadas o suficiente para plantar uma bolsa de moedas no meu bolso. Eu olho para as botas dela. Couro marrom-escuro, manchas claras pelo cuspe de hidra. Ela esteve no paiol. Ela matara Brazer.

“Você!” Digo eu. “O Skormak está por trás disso, e ele se envenenou para fugir da culpa. E você está em conluio com ele!”

O gigante fica boquiaberto com a acusação de sua colega, e me segura com mais truculência. “Talvez você deva ficar de boca calada até encontrar seu conselho.” Ele me empurra para a frente.

“Tem que acreditar em mim. Ela é uma assassina,” eu imploro. Não tenho certeza se estão trabalhando juntos, mas vale arriscar. “O Skormak me incriminou para subir até a Morada do Sol. E a sua parceira aqui está nessa. Talvez até você esteja.”

A minotaura bate com o casco no chão. “Eu nunca faria algo tão desonroso!”

“Se você tiver provas, a verdade será descoberta,” diz o gigante.

“Vocês me levam para o Portão da Guerra onde ninguém vai ouvir notícias minhas. Olha! Olha, tem cuspe das hidras no paiol onde encontrei meu informante.” Eu aponto para minhas botas. “O padrão é o mesmo nas botas dela. E tem poeira no uniforme dela.”

“Tem poeira no seu uniforme,” diz a minotaura. “Tem poeira no meu uniforme. Tem poeira no uniforme dele. . .” diz ela, apontando para o parceiro.

“Sim, mas a sua poeira. . .vem da Faixa de Escombros — de uma parte bem específica que faz limite com o Décimo Distrito.”

“Vai ser difícil provar isso, não vai?” A minotaura se gaba, “Com você trancada no Portão da Guerra?”

“Ninguém vai a lugar algum,” diz uma voz. É Aresaan. Ela voltou, talvez por sentir culpa de ter me abandonado. Ou talvez porque ela não poderia perder assistir minha carreira torrar em um espetáculo flamejante. “Tem certeza de que é verdade o que está dizendo, Ossett?”

“Tenho. Eu não fiz o que estão dizendo, Aresaan. Você me conhece.”

“Eu consigo provar, então,” diz ela, agitando as mãos em pleno ar e juntando chamas brancas. Ela mira uma bola de fogo na minotaura. Ela a cerca, mas não a toca. Talvez a história triste sobre Aresaan ser um anjo caído não fosse tão verdadeira assim. A magia dela é forte. Ela está imbuída com uma mágica de cura, e ao invés de transformar a guarda em cinzas, a poeira do uniforme dela coalesce na forma de um dragão. A figura de poeira se debate como se fosse uma aparição. “Poeira da Faixa de Escombros, alta concentração de ossos de dragão,” diz ela com confiança.

“Pode se explicar?” Digo eu, para a guarda.

“Eu só. . .é que—” a minotaura gagueja. A ponta de ferro da maça do gigante está incandescente agora, como se tivesse acabado de passar vinte minutos na forja, e apontada para ela.

Ela joga a peça do anjo e ela se parte, com elixir da morte se espalhando pelo chão. Aresaan o atinge com outra mágica de chama, e o líquido vaporiza antes que possa nos afetar. Quando recuperamos nossa compostura, a espiã sumiu.

“Não podemos deixá-la fugir!” Diz Aresaan.

“Não é atrás dela que estamos,” digo eu. “É o Skormak. É ele quem está por trás disso.”

E no modo com que Aresaan olha para mim, não existe dúvida. Eu ganhei a confiança de um anjo, e mesmo que não sejamos iguais, ela me vê como alguém, agora. Antes ela era lindamente radiante, mas ela se torna algo diferente na frente dos meus próprios olhos, absolutamente aterrorizante. O arame farpado se rompe quando ela move suas asas, e finalmente ela se estica na envergadura máxima, como um bocejo guardado por décadas. As penas brancas são longas e delicadas, mas o poder embaixo delas não pode ser negado.

“Eu julguei você mal, Wojek. Venha comigo, e vamos ver até onde isso vai. Se houver um espião entre nós, é nosso dever restaurar a justiça.” Eu pego no braço dela e sou arrebatada pelo seu ser. Ela bate as asas e o mundo passa rápido por nós. Quando seus pés finalmente voltam ao chão, estamos de volta ao Anexo IV, na frente da escrivaninha do Skormak. Ele também está lá, juntando seus pertences.

“Se preparando para a mudança?” Pergunto eu. Ele dá um pulo, e as chamas na cabeça dele tremulam.

“Parece estar em ótima forma para alguém que quase morreu,” diz Aresaan logo atrás de mim. Ela realmente está me deixando liderar essa.

“O Anexo IV não era bom o suficiente para você, não é?” Digo eu. “Você queria mais, e faria tudo para conseguir.”

“Você sabe quantos elementais servem na Morada do Sol? Dá para contar em uma das mãos.” Ele ergue três dedos, todos em chamas. “Três, entre milhares. Só porque fomos conjurados ao invés de nascidos, não quer dizer que não somos capazes de atuar no alto calão. Eles negam que temos senciência, se recusam a nos dar um nome, mas a verdade é que não somos zelotes incontroláveis e merecemos uma vida além da batalha.”

“Você matou duas pessoas,” eu lembro a ele. “Eu diria que isso é bastante incontrolável.”

“A Aresaan matou quinze mil e ela só ganhou um tapinha na mão. Dois pesos, duas medidas. Olhe em volta, Ossett. Mentiras, traições, injustiça. Sua Legião é fundada nestas bases.”

“Wojek Weslyn,” corrijo.

“O quê?”

“É meu título. Use-o.”

Stormak ri. “Você nem teria o título se não fosse por mim, sua novilha arrogante.”

O jogo chegou na sua conclusão correta, e eu digo o que me dá satisfação desde que eu completei o tabuleiro de Clãs & Legiões pela primeira vez. “Você foi nulificado, Skormak.”

Ele ergue uma sobrancelha em brasa. “Hein—”

Eu inclino a cabeça, miro com meus chifres, e avanço com toda minha força. Ele voa pela parede, e os papeis na mesa dele pegam fogo. Eu não pensei em todas as consequências dessa. Talvez fosse o choque do golpe ou o fato de eu tê-lo colocado em seu devido lugar, mas as chamas dele queimam com menos intensidade, agora.

“Eu cuido disso, Wojek,” diz Aresaan. Ela libera um elemental de água do hidrante na parede, e o mira na direção do Skormak. Os elementais se chocam, um vapor preenche a sala toda, mas logo as chamas na mesa e na pele de Skormak se extinguem. Ele arde em brasa como um pavio apagado com a mão, e depois dissipa formando uma pilha de armadura chamuscada e cinzas molhadas.

“Obrigada, Aresaan,” digo eu. “Talvez eu também tenha subestimado você.”

“Nah, é isso aqui mesmo, não tem nada a mais.” Ela dá de ombros, com as asas apertadas atrás das costas, e sua radiância de volta à intensidade usual.

Não sei o que ela está planejando, ou o que está escondendo, mas com certeza há mais na Aresaan do que parece. “Acho que não vamos nos ver muito agora que você vai para o Anexo dos Wojeks,” diz ela. “Parabéns. Sério. Você merece, Wojek Weslyn.”

Eu sorrio, ajusto meu cordão, seguro meu medalhão. Wojek Weslyn. Acho que nunca vou me cansar de ouvir isso.


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