Episódio 1: No Coração do Enclave Celeste
Nahiri analisou o Enclave Celeste flutuando imponente acima dela, vasto e arruinado. Ela se lembrava de quando era belo.
Ela estava de pé em um dos precipícios impossíveis de Akoum, uma saliência de rocha estendida como um dedo longo que desafiava a gravidade. Um campo de lava se espalhava frente a seus pés e o ar quente carregava o aroma de metal derretido. Antigas fortalezas kor como esta começaram a aparecer por toda Zendikar após o final da guerra contra os Eldrazi. De repente, essas estruturas grandiosas e desmoronadas se revelaram, depois de ficarem perdidas por séculos. Conforme apareciam, também emergiam os segredos que carregavam.
Nahiri sorriu. Com esses segredos, ela iria mudar o mundo.
“Eu me lembro de você,” disse ela para o Enclave Celeste que flutuava à sua frente, “e de todo o seu poder.”
Agora faltava apenas chegar até as ruínas. Nahiri ergueu os braços, afoita para começar a criar rocha, afoita para subir.
Mas ela estava concentrada demais, olhando para cima, para frente. Ela não percebeu o que estava acontecendo embaixo. Foi tolice dela pensar que derrotar os Eldrazi teria deixado o caos de Zendikar mais lento.
Então ela não viu o Turbilhão começar.
Tudo começou com bolhas no campo de lava. Como um monstro despertando, ele foi rápido e silencioso até ficar inegável. O que era de início um murmúrio tornou-se um rugido de romper os tímpanos quando o Turbilhão tremeu a terra, subindo pelos beirais esguios de rocha, enchendo o ar com calor bruto e cinzas tão espessas que prenderam o fôlego de Nahiri. Houve um estalo de solo partindo e, de repente, a beirada rochosa sob os pés dela desmoronou.
Ela caiu.
“Não,” sibilou ela enquanto mergulhava no ar. “NÃO!” Ela era mestra da litomancia, a guardiã deste plano de existência, e ela não seria desfeita por um simples terremoto. Com um movimento fluido, Nahiri girou no ar e esticou ou braços, invocando a rocha que era uma extensão de si.
E a rocha respondeu. Sua queda livre foi ficando mais lenta até ela parar em pleno ar, flutuando. Ela tomou o rodamoinho caótico de rocha e magma abaixo dela, retorcendo os elementos sob sua vontade. A vontade dela — não a do Turbilhão. Ela reuniu aquele poder, aquela energia bruta em torno dela, e a utilizou para criar. Ela rodopiou fluxos de lava, rochas soltas e edros tortos com sua litomancia, movendo-se como uma dançarina. Com alguns movimentos vigorosos de seus punhos, um pilar começou a se desenrolar para o alto. Nahiri flutuava acima dele, subindo com o pilar pelos ares, chegando mais e mais alto até que o Turbilhão parou repentinamente.
Só então Nahiri apeou em cima de sua criação, até mais perto do Enclave Celeste agora. Ela sorriu convencida para o chão traiçoeiro abaixo.
“Ganhei,” disse ela, tentando sentir-se contente com a vitória. Mas era uma vitória amarga. O Turbilhão era sintoma de uma doença profunda em Zendikar. Doença tal que Nahiri tinha ajudado a espalhar, sem saber.
E, ultimamente, a culpa de seus fracassos a assombrava.
A rocha sempre a avisava quando outro planinauta estava perto. Mas Nahiri não se virou quando sentiu a rocha zunir um aviso. Havia alguém atrás dela, neste pilar, no céu.
“Akoum ainda está tão bela
“Nada que eu não consiga lidar,” respondeu Nahiri. Ela não sabia se aquilo era verdade, mas não estava pronta para admitir.
“Não é isso. Eu
“Então você não me conhece,” retrucou Nahiri, com uma pontada de raiva.
Nissa ergueu a mão para apaziguá-la. “Não quis ofender. Eu vi você durante a batalha contra Nicol Bolas. Como você tem comando sobre a rocha. Você foi incrível.”
“Você estava lá?” Indagou Nahiri, saindo de uma postura desconfortável após o elogio. “Ah, sim, a árvore. Eu me lembro.” Nissa enrubesceu, envergonhada. Aquela luta não acabou bem para a árvore anciã de Ravnica.
Nahiri redirecionou seu olhar de volta para o Enclave Celeste. “Algumas batalhas que eu prefiro nunca mais repetir.”
“Sim,” respondeu Nissa, “e há algumas batalhas que ainda precisam ser enfrentadas.” Ela estudava a paisagem de Akoum calmamente à frente delas, vasta e tumultuosa, mas sua voz estava embargada, emocionada. “Por que você me pediu para vir aqui, Nahiri?”
“Quando eu era jovem, essa terra era pacífica. Não havia nada disso.” Nahiri fez um gesto para o solo, enrugando o nariz, enojada. Bem abaixo, havia bolhas subindo da lava mais uma vez, anunciando outro terremoto do Turbilhão. “Os Eldrazi causaram um dano inenarrável a este plano.”
A culpa inundou Nahiri novamente. Ela nunca deveria ter ouvido Ugin e Sorin. Ela deveria ter encontrado outro plano de existência para prender os Eldrazi, milênios atrás.
“Sim,” disse Nissa. “Eu sinto a dor de Zendikar. É algo que me assombra.” Ela encarou a distância ao longe, mas o rosto dela estava cheio de pesar.
“Talvez eu tenha uma solução,” respondeu Nahiri, inclinando a cabeça na direção do Enclave Celeste. “Algo que vai curar Zendikar.”
Nissa piscou uma vez. “Tem?” Disse ela de supetão, surpresa, e depois adicionou, sem jeito: “Desculpe, no caso, você não é muito conhecida pela cura. Depois do que você fez em Innistrad
Nahiri ergueu uma sobrancelha. “Diz a pessoa que libertou os Eldrazi.”
“Eu não—”
A elfa gaguejou, mas Nahiri ergueu a mão.
“Nós duas fizemos coisas que causaram muitos danos. Vamos tentar desfazer uma parte deles.”
Nissa enrubesceu novamente e assentiu com a cabeça. “Por que agora? Afinal, você tem idade suficiente para
Para lembrar quando esse Enclave Celeste foi construído, pensou Nahiri.
Nahiri hesitou. “Não importa para onde eu tenha viajado,” respondeu ela, por fim, “ou quanto tempo eu vivi, este lugar sempre me deu a sensação de
“De lar,” completou Nissa, em voz baixa.
Os lábios de Nahiri subiram em uma curva. “Exato.” Ela apontou para o Enclave Celeste à frente delas. “Nossas respostas estão lá em cima.” Ela sorriu, arteira. “Uma corrida até o topo? Que a melhor Zendikari vença!”
Nissa não respondeu. Ela simplesmente deu um sorriso astuto, estendeu os braços, e longas vinhas subiram. O espinheiro fez um caminho na direção do Enclave Celeste, quase rápido demais para o olho nu.
Mas não mais rápido do que Nahiri.
Em um borrão de movimento, ela usou sua litomancia para criar uma escadaria e ela corria quase tão rápido quanto a criava, sorrindo larga e loucamente. Ela deu uma olhadela para trás e viu Nissa com dificuldade para acompanhar seu passo, ficando lentamente para trás, e gargalhou. Plantas não eram competição neste lugar de rocha.
Nahiri não cometia muitos erros, e raramente os repetia. Benefícios de ter milênios em experiência. Mas o Turbilhão, o maldito Turbilhão
O chão começou a tremer novamente, e as vibrações ficaram mais fortes e mais ruidosas até que a escadaria de Nahiri rachou sob seus pés. Ela correu mais rápido, mas não foi o suficiente. As escadas desmoronaram e, de repente, Nahiri estava caindo mais uma vez.
Ela se estendeu para a rocha, preparada para reprimir o Turbilhão novamente, quando algo a pegou pelo tronco, impedindo sua queda.
“Peguei você,” murmurou Nissa. Sua mão estava esticada, com a outra segurando firmemente seu cajado. Nahiri olhou para a barriga e viu que tinha sido salva por um cipó.
Silenciosamente, ela espumava de raiva enquanto Nissa a erguia e a colocava gentilmente sobre uma escadaria improvisada feita de espinheiro.
“Obrigada,” disse ela, sem olhar nos olhos de Nissa.
“Tentamos novamente?” Perguntou Nissa, nervosa, encarando as próprias mãos. “Que a melhor Zendikari vença?”
“Não, vamos logo,” disse Nahiri, deixando a raiva aparecer em sua voz.
Elas subiram em silêncio, enquanto Nahiri engolia a culpa que crescia com cada passo.
Ela tinha negligenciado o seu lar por tempo demais.
A primeira coisa que Nissa pensou quando finalmente alcançaram o Enclave Celeste foi: uau. Mesmo quebrado, negligenciado e oculto por séculos, ainda havia uma beleza de tirar o fôlego na fortaleza flutuante. Em volta dela havia pilares e arcos altos, partes de tetos com padrões entalhados e pisos detalhados de mosaicos que formavam imagens. Claro que havia rochas flutuantes, construções rachadas, edifícios arruinados, mas estava claro para Nissa que este lugar fora outrora um farol da civilização.
A segunda coisa que Nissa pensou foi: vai levar anos para encontrar alguma coisa aqui. Agora que elas tinham chegado, ela percebeu o tamanho do lugar. Apesar de estarem de pé em algum tipo de pátio antigo, Nissa conseguia ver uma dúzia de arcos e entradas que levavam às entranhas da fortaleza.
“Milhares devem ter vivido aqui,” supôs Nissa.
“Dezenas de milhares,” corrigiu Nahiri, ficando ao lado dela.
Nissa hesitou, preocupada que a pergunta que ela queria fazer irritasse Nahiri, que estragasse qualquer chance de formar laços com essa kor antiquíssima e segura de si. Não que Nissa fosse especialmente boa em criar laços. Parecia que quanto mais ela tentava se ligar com alguém, maior o caos que ela causava. Ela queria ser mais como Gideon, com sua confiança, estabilidade e charme.
Pois bem, o que Gideon faria? Pensou ela. Comece a agir como ele se quiser ser mais como—
Como ele era. E assim, de repente, a dor da morte dele a atingiu como uma nova onda.
Gideon não hesitaria.
Então, Nissa respirou fundo e perguntou: “Nahiri, como vamos encontrar o que precisamos em um lugar tão vasto?”
Os lábios de Nahiri se curvaram, divertindo-se. “Começamos a procurar.” Ela começou a caminhar, saltando com agilidade para passar por lugares onde o chão estava rachado ou havia um buraco na direção do céu aberto.
“E o que exatamente estamos procurando?” Indagou Nissa, se apressando para acompanhá-la.
Nahiri hesitou. “Eu saberei quando o vir.”
O coração de Nissa apertou. “Você não sabe?”
Nahiri abriu a boca para responder, mas o maldito Turbilhão recusava-se a ficar em silêncio.
Outra vez, ondas perturbaram o Enclave Celeste. Nissa deu um passo rápido para trás quando as rochas antigas em torno dela começaram a sacudir e rachar. Ela apontou seu cajado, pronta para criar uma rede de segurança com suas vinhas.
Mas Nahiri foi mais rápida.
Ela abriu os braços e segurou a fortaleza com o que parecia ser pura força de vontade, apesar de Nissa saber que a litomancia ajudava.
Quando os tremores pararam, Nahiri fez uma cara feia, como se o Turbilhão fosse uma ofensa pessoal.
“Eu não sei exatamente o que buscamos,” disse ela, caminhando a passos largos, com raiva em sua voz. “Os antigos kor não eram exatamente descritivos em seus textos—” ela parou de repente no meio de um enorme mosaico no centro do pátio. Ela se agachou, pousando a mão contra o piso. “As pedras saberão mais.” Nahiri fechou os olhos e Nissa esperou, sem saber ao certo o que fazer. De onde ela estava, não conseguia discernir o que o mosaico deveria retratar.
O Jace saberia, pensou ela, mas rapidamente afastou o pensamento. Ela não queria pensar em Jace ou na batalha contra Nicol Bolas e seus efeitos em Ravnica ou no estado rompido das Sentinelas ou na morte de Gideon, ou em Chandra.
Especialmente em Chandra.
Após um minuto, Nahiri abriu os olhos e se levantou. “Todas as melhores coisas estão escondidas no coração,” disse Nahiri, com um sorriso convencido. Ela apontou para um arco particularmente escuro e agourento. “Ali parece um caminho promissor para começar. Vamos lá.”
“Como vamos saber se estamos no caminho certo?” Agora que Nahiri tinha se afastado do centro, Nissa conseguia ver que o mosaico retratava um sol, com raios saindo do centro. Ou algo parecido com um sol.
Nahiri já estava bem à frente, mas respondeu: “Quando algo tentar impedir nosso progresso.”
Nissa parou, com o coração pulando em um pânico inesperado. De repente essa expedição pareceu uma ideia péssima. E se suas tentativas de ajudar Nahiri apenas acabassem por ferir Zendikar novamente? Como tantos de seus erros do passado. Mais uma vez, ela estava seguindo a liderança de outrem. Quando isso iria mudar?
O que Gideon faria?
“Ele ajudaria onde fosse possível,” sussurrou Nissa para si mesma, “mas não seguiria Nahiri às cegas.”
Zendikar era o seu lar. Não era Ravnica ou qualquer outro plano. Ela pertencia a este lugar e ela era a voz da alma daqui. Ela tinha uma responsabilidade de cuidar desse mundo e de todas as coisas vivas nele.
Então, Nissa respirou fundo para se acalmar, apertou a mão em volta de seu cajado e seguiu.
Do lado de fora, o antigo Enclave Celeste parecia achatado e amplo, como um arquipélago de pedra flutuando em pleno ar. Do lado de dentro, parecia ser imponente e sem fim. Nahiri mantinha uma das mãos pousada contra a parede conforme a passagem ia descendo mais e mais, às vezes em escadas e às vezes revelando outras passagens com segredos incalculáveis.
Mas Nahiri não caía nas iscas do Enclave Celeste. As rochas sob sua mão cochichavam, falando de um grande poder mais abaixo e Nahiri seria aquela que iria encontrá-lo e tomá-lo para si. Atrás dela, Nissa se movia sem fazer ruído, filha da floresta como era. Ocasionalmente, seu cajado tocava alguma rocha ou ela perdia o fôlego levemente quando alguma luz passava pelas frestas, iluminando por onde elas passavam.
Elas continuaram a descer até chegarem em um dos principais salões de reunião dos antigos kor, onde eles vinham aos milhares para exibir suas riquezas e habilidades artísticas. E os salões refletiam a tudo isso. Literalmente. Quando os pisos recebiam a luz do sol que se esgueirava, eles cintilavam como gemas raras. O teto era alto, de tirar o fôlego, e os entalhes nos pilares eram detalhados e complicados.
Sim, era belo, Nahiri admitiu para si mesma. Mas também era um lembrete doloroso de tudo o que esse plano tinha perdido. Especialmente quando o Turbilhão insistia em fazer a antiga fortaleza tremer enquanto elas caminhavam por suas entranhas; um lembrete constante e irritante que Nahiri, a guardiã de Zendikar, falhara em proteger o seu lar.
Então, Nahiri não ficou olhando os belos entalhes e grandes salões. Ela simplesmente continuou caminhando, sempre olhando para a frente.
A passagem parou abruptamente na frente de uma porta dupla muito grande, mas desmoronada.
“Parece que o caminho acabou,” concluiu Nissa, se aproximando e pousando a mão sobre a porta.
“Para você, talvez,” respondeu Nahiri, mudando de posição para ampliar seu ponto de equilíbrio. “Afaste-se.”
Com um movimento poderoso, Nahiri uniu as mãos com uma palma, e as portas enormes se abriram, estourando contra as paredes de pedra à esquerda e à direita das duas.
“Vamos lá,” disse Nahiri, caminhando a passos largos pela soleira. O nervosismo a incomodava, sussurros alarmados a seguiam pelas pedras. Mais além, havia uma escuridão profunda, cheia do desconhecido.
Mas era impossível impedir Nahiri. Pelo menos por agora.
“Espere,” gritou Nissa mais atrás, “tem um fe—”
Algo rápido se chocou contra Nahiri e a prendeu contra a parede. Ela grunhiu, mas imediatamente ordenou que a parede de rocha atrás dela batesse de volta.
A rocha a obedeceu, com uma coluna afiada se chocando contra o que a estava segurando, fazendo a coisa grunhir alto e soltá-la. Nahiri rolou para o lado, ficando de pé em um só movimento fluido. Ela cerrou os punhos e mostrou os dentes. Agora ela estava com raiva.
Quase sem pensar, Nahiri invocou sete espadas, irradiando calor e um brilho vermelho como se tivessem acabado de ser tiradas da forja. Elas flutuavam em torno dela, dando a Nahiri um brilho ímpio. E jogando um pouco de luz sobre quem a atacava.
À frente dela, furioso e respirando pesadamente, estava o maior felidar que ela já vira.
Seu corpo sem pelagem estava coberto de protuberâncias afiadas; sua enorme galhada crescia para trás de sua cabeça. Suas garras estalavam enquanto ele a circundava; seus caninos colossais estavam encharcados de saliva, antecipando a refeição de carne fresca.
“O diabo que vai,” grunhiu Nahiri, enviando as sete espadas na direção do coração da criatura. O felidar se afastou, mas as patas e protuberâncias que agiam como armadura conseguiram defletir a maior parte do ataque.
Ele rosnou e se lançou contra Nahiri a uma velocidade impressionante, com a boca aberta.
Mas antes que ele colidisse contra ela, o felidar foi interrompido em meio ao salto. Levou um momento para Nahiri perceber que Nissa estava entre ela e a vil fera, empurrando-a com mais força do que parecia possível.
“Ah, mas não vai mesmo,” grunhiu Nissa quando espinheiros começaram a se enroscar no felidar. Mas a fera se sacudiu e empinou, golpeando de lado com suas enormes patas. Uma delas encontrou o ombro de Nissa e a lançou longe, com um grito e um baque forte.
Mas Nissa tinha ganho tempo para que Nahiri conseguisse forjar correntes de pedra, enroscando-as como uma cobra no felidar raivoso e distraído. Dando um grito, Nahiri puxou o braço com força e as correntes de pedra ficaram tesas, prendendo o monstro contra o chão.
“Engula isso,” grunhiu Nahiri enquanto se abaixava, esticando os dedos. Atrás dela, sete espadas radiantes apareceram novamente. Com um sorriso convencido e um movimento rápido de seus dedos, Nahiri encravou as sete espadas no felidar, certificando-se de atingir pontos vulneráveis desta vez.
A criatura deu um grito agudo, longo e terrível, e então desfaleceu.
Nahiri caminhou até onde Nissa estava se levantando do chão, oferecendo a mão e puxando-a para ficar de pé.
“Era como se o felidar estivesse esperando por nós,” disse ela, massageando o ombro.
“Provavelmente estava,” disse Nahiri, enquanto forjava outra espada incandescente para fazer luz. “Estava guardando alguma coisa.” Ela sorriu largamente, mandando a espada ao longo do corredor escuro, à frente delas. “Vamos descobrir o quê.”
A sensação de inquietação, de que elas podiam estar no caminho errado, não abandonou Nissa enquanto elas andavam pelo Enclave Celeste. Apesar de Nahiri tranquilizá-la, ela ainda não tinha certeza. Ela conseguia ouvir a força de vida do plano cantarolando para ela. Também parecia ter incerteza. Ou talvez fosse só ela?
Pelo menos elas não encontraram mais felidares famintos no caminho.
A passagem escura onde estavam descia mais e mais. O Turbilhão se agitava de vez em quando, perseguindo seus passos com insistência.
Até que não o fez.
O Enclave Celeste se abriu em uma câmara cavernosa. Havia longos arcos estreitos, com mosaicos dourados, que também serviam como passarelas, entrecruzadas como a teia de uma aranha. O barranco abaixo das passarelas não parecia ter fundo, apesar de aqui e ali alguns feixes de luz conseguirem passar em ângulos agudos. O ar era parado e bolorento, mas para o alívio de Nissa, havia musgo e samambaias em alguns cantos.
Nissa sorriu enquanto se aproximava de um agrupamento de samambaias que cresciam em um amontoado improvável ao lado. Esta era a Zendikar que ela tanto amava, até mesmo aqui nesta fortaleza kor, estranha e morta.
Nahiri, por outro lado, estava com o cenho franzido, claramente incerta sobre aonde ir. Já que não era mais um caminho reto à frente, percebeu Nissa. Nahiri se agachou e pousou a mão sobre o piso, fechando os olhos. Ela ficou daquele jeito por um longo minuto.
Por fim, Nahiri fez uma careta. “As rochas não querem dizer por qual caminho seguir.”
“Por que não?” Perguntou Nissa. Ela não acreditava que rochas pudessem negar algo a Nahiri.
Ela deu de ombros. “Estamos perto, agora. Seguir um caminho aleatório deve servir.”
Nissa hesitou. Essa certamente não parecia ser a melhor solução.
O que Gideon faria?
“Não,” discordou Nissa, em voz baixa.
“O quê?” Nahiri virou-se para ela, com a face cheia de surpresa.
“Espere—”
Nissa se agachou perto de uma das samambaias. Suas folhas eram tão grandes quanto ela, mas suas flores eram pequeninas, delicadas, azuis.
“Como é possível que plantas vicejem por aqui?” Indagou Nahiri, se aproximando atrás dela.
Nissa sorriu. “Você ficaria surpresa com quantas coisas vicejam em lugares improváveis neste plano de existência.”
“Como—”
Nahiri começou a falar novamente, mas Nissa não lhe deu atenção. Ela pousou a mão no topo da samambaia, como a mão de um pai sobre a cabeça de uma criança. Ela fechou os olhos e sentiu aquela vida sob seus dedos; sentiu suas dificuldades e seu orgulho por sobreviver em um lugar tão agourento. Nissa sorriu ao sentir aquele orgulho, aquela força. Então, ela chamou.
Ela ouviu Nahiri perder o fôlego quando o elemental emergiu, passando a existir. Era algo alto, com o dobro da altura dela, verde e vibrante como sua força de vida; uma cabeça de massas frondosas com pequeninas flores azuis entrelaçadas em seus braços e pescoço.
“O que é isso?” Perguntou Nahiri, dando um passo para trás.
“Uma amiga,” respondeu Nissa enquanto a elemental se ajoelhava, ficando na altura de seus olhos. Ela não estava disposta a explicar que antes de se tornar planinauta, antes de se unir às Sentinelas, essas foram as primeiras criaturas a aceitá-la como ela era.
Ela segurou a mão com seis dedos da elemental, viu o amor por ela em seus olhos e, pela primeira vez em muito tempo, Nissa teve uma sensação de pertencimento.
“Precisamos encontrar o coração do Enclave Celeste,” Nissa falou para a elemental. “Você pode nos ajudar?”
A elemental piscou lentamente, e depois com um grunhido ela se ergueu, começando a levar Nissa pela mão.
“Vamos lá,” chamou Nissa, por cima do ombro. Ela viu de relance que Nahiri estava boquiaberta e teve de segurar o riso.
A elemental samambaia as levou pelo labirinto de arcos, parando apenas quando o Turbilhão passava e Nahiri tinha que usar seus poderes para manter os arcos em seus lugares. Mas ela nunca hesitava por muito tempo, como se algo a chamasse por essa relíquia de fortaleza.
Eventualmente, elas chegaram em uma plataforma pequena, com uma ponte estreita que levava a uma entrada escura mais além. Nissa fez menção de atravessá-la, mas Nahiri segurou sua manga.
“Espere” — sibilou ela, apontando — “olhe.”
Nissa seguiu o dedo de Nahiri até o teto, onde um geopede gigante estava suspenso por algum tipo de força invisível. Ele contorcia sua longa carapaça contra essas amarras invisíveis, dando às planinautas abaixo uma vista de suas centenas de patas.
Nissa teve um calafrio. Geopedes a lembravam demais de cobras. Uma cobra com pequeninas patas feitas de cobras. “Alguma ideia do que ativará a armadilha?”
“Não,” disse Nahiri, “mande a Coisa-Samambaia primeiro.”
“Não a chame assim,” respondeu Nissa, seca. Por que ninguém entendia que elementais eram criaturas vivas, com sentimentos? Que elas não eram apenas ferramentas para invocar, usar e morrer ao seu comando? Não, Nissa não iria mandá-la para sua morte certa. Ela se virou para a elemental. “Consegue desarmá-la?” Perguntou ela, apontando para a armadilha com o queixo.
A elemental parecia estar em dúvida, e seus enormes olhos castanhos passavam de Nissa para a criatura que se contorcia acima.
“Não deixarei que ela machuque você.” Nissa ergueu sua mão, mandando vinhas que formaram uma rede improvisada sob o geopede. Cuidadosamente, a elemental estendeu suas mãos gigantescas e folhosas, tocando a barriga do geopede. A criatura sibilou, se retorcendo.
Por um momento, a armadilha invisível segurou.
Até que não o fez. E então, a criatura enorme caiu.
Mas assim que ela atingiu a rede de Nissa, a planinauta cerrou o punho e as vinhas prenderam o monstro. Ela puxou o braço e as vinhas lançaram o geopede contra o chão, com força. O monstro deu um guincho e estremeceu. Depois, ele ficou flácido e expirou.
Nissa sorriu largamente. Tome essa, sua não-cobra.
Entretanto, ela não esperava que Nahiri atingisse a criatura novamente com um punho de pedra. Nissa e a elemental deram um pulo, surpresas.
“Que foi?” Nahiri perguntou, sorrindo largamente. “Esta é Zendikar. Tudo o que nasceu neste plano é duro de matar.”
Por um momento, Nissa ia começar a discutir. Ela não conseguiu deixar de pensar no seu primeiro lar em Bala Ged e em como a maior parte de sua tribo e tudo o que ela conhecia foi varrido tão facilmente pelos Eldrazi.
Então, ela percebeu que Nahiri estava falando delas — das duas planinautas de Zendikar.
Nissa sorriu. Talvez elas realmente conseguiriam curar este plano de existência. Juntas. “Verdade. Vamos tomar o coração desse Enclave Celeste.”
O coração do Enclave Celeste estava aceso. Runas antigas cobriam a toda superfície, cada centímetro das paredes, teto e piso de pedra. As runas brilhavam com uma luz dourada que pulsava com cada passo que as duas planinautas davam ao adentrar o cômodo. A elemental de samambaia de Nissa — ou monstruosidade de samambaia até onde Nahiri sabia — seguia mais atrás.
Mas não eram as runas o que interessava a Nahiri, era a plataforma bem no centro do aposento, no coração do coração. E no meio daquilo havia uma pequena peça, brilhando como uma estrela.
“O que é aquilo?” Indagou Nissa, ao lado dela.
Nahiri sorriu. Aquilo era algo promissor. Bastante promissor. E a enchia com mais esperança do que ela sentira em muito tempo. “Uma chave,” respondeu ela.
“Uma chave para o quê?”
“Para destrancar o verdadeiro poder que procuramos.”
Nissa franziu o cenho. “Achei que você tinha dito que encontraríamos algo para curar Zendikar aqui.”
“Eu disse que os textos antigos dos kor não são sempre muito claros,” Nahiri começou a falar, rapidamente, “mas o objeto que procuramos é tão poderoso quanto é perigoso. É
A elemental de samambaia se mexeu desconfortável, e Nissa parecia cética. “Como você sabe disso?” Perguntou ela.
“É o que diz ali,” respondeu Nahiri, caminhando até a plataforma. As runas lampejavam cada vez mais forte, com mais intenção conforme ela se aproximava, como quem a chamasse. “Na escrita à nossa volta.”
Nissa a seguiu. “Você consegue ler as runas?”
“É claro,” respondeu Nahiri, “eu sou uma anciã kor.”
“Ah. Verdade.” Nissa enrubesceu e ficou para trás com sua Coisa-Samambaia enquanto Nahiri se aproximava mais da plataforma. Ela ouviu Nissa sussurrar para a criatura: “Fique perto de mim.”
Na base da plataforma, as runas em torno de Nahiri acenderam uma vez, e depois foram apagando. À frente dela, a chave brilhava forte, quase acolhedora. Mas ela não estendeu a mão ainda. Ao invés disso, ela pousou a mão no mármore frio em cada lado da chave e ouviu as rochas, sentiu seu poder, procurou por armadilhas.
Ela não encontrou nenhuma.
Então, gentilmente, lentamente, Nahiri estendeu a mão para a chave e a pegou.
Ela brilhou mais forte em sua mão, recebendo-a como uma amiga há muito tempo perdida.
“Bem, agora que temos a chave,” começou Nissa, “suponho que precisamos encontrar a tranca.”
“Sim,” concordou Nahiri, com a cabeça inclinada, pensando. “As runas falam de Murasa. De um Enclave Celeste lá.”
“Nunca é fácil, não é?” Comentou Nissa, suspirando; “O que mais suas runas dizem?”
“Parte do poder do núcleo está neste aposento,” disse Nahiri, “e nisto aqui.” Ela ergueu a chave. “Eu—”
Ela parou. Ela sentiu os leves tremores do Turbilhão novamente. Ela tinha prestado atenção, sentido a terra apesar de estar quilômetros acima. Aprendendo a prever os eventos imprevisíveis.
Nahiri cerrou os dentes. O Turbilhão, o maldito Turbilhão.
A julgar pelo semblante, ela conseguia ver que Nissa também sentia. “Me mostre,” pediu Nissa.
E então, Nahiri falou as palavras na língua antiga que ela não utilizara em milênios. Ela sentiu o poder despertar sob seus pés, o sentiu aumentar, atendendo ao seu chamado. E então, ela soltou aquele poder novo na direção da terra que revirava e se mexia.
Houve um clarão cegante no aposento e Nahiri protegeu seus olhos. Muito abaixo, ela sentiu o Turbilhão hesitar, como um monstro perfurado no coração, e então o Turbilhão estremeceu e parou por completo. Ela ouviu ruídos raspando em torno dela e sentiu o Enclave Celeste se consertando, apesar de não ser por completo. As runas não continham tanto poder assim. Mas essa fortaleza antiga e arruinada estava se remendando.
Uma felicidade floresceu em Nahiri e ela abraçou a chave, perto do coração. Ela a encontrara. Ela encontrara um meio para curar Zendikar.
E então, mais atrás, ela ouviu a Coisa-Samambaia gritar.
“Não!” Gritou Nissa. Ela sentiu a dor da elemental antes de compreender o que estava acontecendo. Antes de ela ver os galhos verdes retorcerem e secarem, antes de ela ouvir a elemental dando um grito de partir o coração, antes de ver seus olhos brilhantes escurecerem e a criatura se desfazer em poeira.
Nissa se estendeu com seu poder até ela, com suas mãos, tentando impedir que a elemental morresse, mas foi inútil. Ela acabou com os punhos cheios de cinzas. “O que você fez!?” Nissa gritou com Nahiri.
“Que foi?” Perguntou Nahiri, virando-se. Nissa viu que ela estava abraçada com a chave, sorrindo, como se tivesse acabado de vencer uma batalha. “Parou com o Turbilhão.”
“Você matou a elemental!”
“A sua planta?”
Minha família. Nissa não falou. Um pedaço de Zendikar. Porque os elementais eram Zendikar, e se reprimir o Turbilhão com o núcleo significa a morte deles, Zendikar está em perigo mortal. Nissa olhou para as cinzas em suas mãos, sentiu o pesar e a raiva crescerem dentro dela. Por este erro.
Por todos os seus erros.
O que Gideon faria?
“Ele não deixaria que isso continuasse,” sussurrou Nissa para si mesma, endireitando-se, arrumando sua postura.
“O que foi?” Indagou Nahiri, confusa.
“É esta a sua solução?” Perguntou Nissa. Ela não estava mais gritando, mas havia uma fúria silenciosa na voz dela que fez Nahiri parar.
“Olhe em volta — este Enclave Celeste está se curando. O Turbilhão parou lá embaixo, e a terra está se acalmando. As pessoas vão poder reconstruir aqui!” Disse Nahiri, gesticulando para os reparos no Enclave Celeste.
“Às custas da vida de Zendikar," replicou Nissa. Ela estendeu sua percepção para as plantas e musgos que cresciam nos cantos e rachaduras do Enclave Celeste, mas eles não responderam. Nissa soube naquele momento que tudo o que vivia naquela fortaleza arruinada estava morto.
“Você não sabe como era Zendikar,” começou Nahiri, com a voz apertada de raiva, “você não sabe como seu povo e suas cidades costumavam ser estonteantes e brilhantes.”
“E você não sabe como Zendikar é agora. Ela ainda é bela, Nahiri” — Nissa estendeu a mão — “me dê essa chave.”
Nahiri não respondeu. Ao invés disso, ela travou o queixo, firmou sua posição e estendeu os braços.
Nissa não pensou, apenas reagiu — desviando dos pilares que irromperam de repente do piso, evitando-os por centímetros. Ela não pensou ao lançar uma massa de vinhas para defletir as espadas de pedra que vieram voando em sua direção. Ela não pensou ao comandar as vinhas para se enroscarem nos tornozelos de Nahiri e derrubá-la no chão.
Nahiri caiu, grunhindo e xingando. Mas antes que Nissa conseguisse atacar novamente, a outra planinauta ergueu uma barreira de pedra entre as duas, a qual Nissa não conseguia romper apesar de criar espinheiros espessos como troncos de árvore. Seus espinheiros atingiam a pedra inutilmente, repetidas vezes.
Após alguns minutos, a parede entre elas se transformou em vidro, revelando uma Nahiri ferida, espumando de raiva do outro lado.
“Eu não posso ficar parada vendo esse plano se destruir!” Gritou Nahiri, “Eu sou a guardiã de Zendikar!”
Nissa olhou para a outra planinauta e percebeu que foi tola em esperar que essa pessoa antiquíssima se importaria o suficiente para ajudá-la a curar o lar delas. “Eu também sou.”
O que Gideon faria?
Ele procuraria ajuda.
Então, Nissa transplanou.
Ravnica, o plano das cidades. Ou melhor, uma cidade grande, do tamanho do mundo. Nissa conseguia ver beleza nela: as torres suspensas e ruas ladrilhadas, as árvores do outono contrastando com o céu cinzento. Ela conseguia admirar a beleza e ainda se lembrar de suas ruas devastadas pela guerra.
Ainda se lembrar de como o espírito de Vitu-Ghazi caiu.
Era melhor não ser reconhecida, raciocinou ela, então não ficou muito tempo nas ruas antes de chegar no lar de Jace.
Com apenas um olhar sombrio e um aceno educado de cabeça, o guarda na porta a levou até o santuário secreto de Jace. Ela supôs merecer a raiva dos cidadãos de Ravnica. Mas ainda lhe doía.
Talvez Chandra tivesse razão. Talvez ela fosse um desastre ambulante.
Nissa não queria pensar em Chandra. Especialmente não agora que ela precisava da ajuda de Jace e dos outros.
Dentro do santuário, o aposento estava repleto de livros e pergaminhos, objetos mágicos que ela não sabia nomear espalhados por todo o lugar. A luz entrava por janelas estreitas com arcos, mas ainda havia cantos escuros. Levou um momento para que Nissa encontrasse Jace empoleirado em uma escada contra a parede oposta, lendo um livro da prateleira mais alta.
“Já vou aí com você,” avisou ele.
Nissa sabia que esse “Já” poderia ser alguns segundos ou uma hora para Jace. Mas ela estava nervosa demais para interrompê-lo, então ela esperou.
”Nissa!” Disse Jace, quando finalmente a viu. “Por que você não, é, eu pensei que você não, no caso, por que” — ele parou seu raciocínio, deslizou escada abaixo, e veio na direção dela — “No caso, que bom que você está bem, fico feliz.” Ele estendeu o braço, mas lembrou no último segundo que ela não gostava de ser tocada. Ele retirou a mão e deu-lhe um sorriso afetuoso.
Isso surpreendeu Nissa. Ela pensou que ele estaria furioso com ela, assim como o restante de Ravnica. Mas o alívio por ele não estar, por ele estar contente em vê-la, a banhou enquanto ele a levava até uma mesa.
“Por favor, sente-se,” ofereceu Jace. “O que eu posso fazer por você?”
Nissa não sabia ao certo por onde começar, então simplesmente disse: “Zendikar está em apuros.”
“Os Eldrazi?” Perguntou Jace, alarmado.
“Não, não,” discordou Nissa rapidamente, “nada desse tipo. É a Nahiri.”
“Nahiri,” disse Jace, unindo as sobrancelhas. “A outra guardiã de Zendikar?”
“Sim,” disse Nissa. De repente, ela se sentiu exausta. Ela não sabia ao certo como explicaria tudo a Jace, que nunca sentira uma conexão com uma força de vida. “Ela está tentando curar o plano.”
“Sim, você disse que ela pediu para falar com você. Mas eu não entendi. É isso o que você quer, não é?”
“Sim, mas tem esse orbe antigo—”
“Élfico ou kor?”
“Kor. Mas—”
Jace já estava a caminho das prateleiras. “Eu acho que tenho um pergaminho sobre isso—”
“Jace! Escute,” pediu Nissa, com mais força do que gostaria. “Por favor.”
Jace parou, parecendo surpreso, mas se sentou de volta e assentiu com a cabeça. Nissa sentiu uma pequena onda de orgulho com essa vitória. Jace nunca parava para ouvi-la. Talvez canalizar Gideon estivesse mesmo funcionando.
Nissa recontou o que ocorrera no Enclave Celeste de Akoum, o que Nahiri dissera a ela sobre o núcleo litoforme, e o que a chave fez com a elemental de samambaia. Jace ouviu em silêncio, com atenção. Ela teve que parar para respirar fundo e se acalmar ao descrever a morte da elemental.
“Eu sei que você não tem uma conexão com elementais,” disse ela, “mas eles são muito importantes para mim. Não que as Sentinelas não sejam
“É, eu não entendo muito de elementais,” disse Jace, “mas sei que são importantes para você. Como podemos ajudar?”
Nissa expirou, aliviada. Ela sentiu uma onda de gratidão; apesar de ela costumar estragar amizades e relacionamentos em potencial, ela ainda podia depender de Jace e dos outros quando precisasse deles.
“Bem, eu preciso que Nahiri destrua o núcleo litoforme quando o encontrar. E eu não sei como convencê-la a fazer isso” — os ombros de Nissa caíram levemente — “eu sinto falta do Gideon. Ele saberia como discutir com uma escultora de pedra antiga e raivosa.”
O rosto de Jace era um conjunto complexo de emoções. “Também sinto falta dele.”
“O que eu faço, Jace? Eu não acho que sou forte o suficiente para lutar sozinha contra Nahiri se eu precisar.”
Jace uniu as pontas dos dedos. “Se trouxermos o núcleo litoforme até aqui—”
“Não!” Exclamou Nissa, levantando-se um pouco de sua cadeira. Jace a encarou surpreso e, honestamente, a força em sua própria voz também surpreendeu a Nissa. “Você não viu o dano que ele causa, Jace.”
“Sim, mas se pudermos estudá-lo,” começou Jace, levantando-se e indo até suas prateleiras mais uma vez.
“E quem seriam suas cobaias?” Indagou Nissa, cada vez mais alarmada. Ela estava perdendo o apoio dele.
“Minha suspeita é que o núcleo litoforme esteja canalizando o poder de Zendikar—”
“Jace!”
“Então seu poder poderia ser maleabilizado—”
“Não é tão simples.”
“Talvez se baseie em quem o empunha?” Jace puxou um pergaminho da estante. “Isto aqui dev—”
“Você não está escutando!” Gritou Nissa, lançando uma vinha para derrubar o pergaminho das mãos de Jace. Ele deu um passo para trás, surpreso.
Nissa conseguia sentir a face quente com raiva, e seu coração vibrava contra o peito. Estava dando tudo errado. Ela perdera as Sentinelas e estava prestes a perder os elementais de Zendikar. Suas duas famílias.
O que Gideon faria?
“Nissa, o que você tem em mente?” Indagou Jace, de pé à frente dela, tentando olhar nos seus olhos.
O que Gideon faria?
Gideon aproveitaria o momento.
“Eu me recuso a perder minhas duas famílias,” anunciou Nissa, enquanto seu semblante ganhava algo mais do que determinação. “Eu vou proteger o meu lar. Com ou sem a ajuda das Sentinelas.”
“Espere—”
Jace começou a dizer, mas Nissa não esperou. Ela estava cansada de esperar. Com um só fôlego, um só movimento, um só pensamento, Nissa transplanou de volta para Zendikar.
Para o único lugar ao qual ela pertenceu.
Jace ficou de pé em seu santuário, agora vazio, planejando.
Ele deveria ter escutado com mais atenção, convencido Nissa a ficar, a voltar para as Sentinelas. A culpa o mordiscava pelo segredo que ele guardava sobre Nicol Bolas. Ele era o único que sabia a verdade.
Que o antigo e terrível dragão ainda estava vivo.
E todo dia em que Jace mantinha esse segredo consigo era uma mentira, uma omissão para seus amigos.
Mas ele compensaria tudo. Sim.
Ele considerou o que Nissa dissera sobre o núcleo e se perguntou de que maneira ele talvez estivesse ligado ao Turbilhão. Se fosse o caso, o que Nahiri poderia fazer com tal poder? O que as Sentinelas fariam?
Bastante coisa, percebeu Jace.
Então, ele planejou — sabendo que logo estaria em Zendikar.