Episódio 3: A Escalada Perigosa, a Longa Queda
Conforme Nahiri subia, ela sorria. O Enclave Celeste de Murasa se assomava acima dela, ficando mais próximo com cada passo. Logo, todas as feridas deste plano seriam curadas. Com o Núcleo Litoforme, ela apagaria o Turbilhão e deixaria Zendikar bela e tranquila como era milênios atrás.
Do jeito que ela se lembrava.
Ela notou a respiração pesada de Akiri, Zareth, Orah e Kaza, mas ela não aliviou seu passo alucinante. Não quando estava tão perto do seu objetivo.
Em vez disso, ela formava mais e mais escadas de pedra, que deslizavam e se encaixavam no lugar enquanto subia de dois em dois degraus.
Eles subiram além das copas das árvores harabaz e das escarpas brancas da Baía do Rachacasco, onde o ar era fresco e limpo. Eles subiram até onde os respingos de cachoeiras das ruínas encontraram suas roupas, já encharcadas de suor, deixando os degraus escorregadios. Eles subiram até que Nahiri quase pudesse tocar os entalhes detalhados no fundo do Enclave Celeste.
Só então Nahiri precisou de sua companhia. Os olhos precisos de Zareth, a firmeza silenciosa de Orah, o pensamento rápido de Kaza e as habilidades de Akiri como mestra fundeira de linha. Isso porque, em volta deles, o Enclave Celeste flutuava em pedaços. Algumas áreas eram grandes o suficiente para terem plataformas, árvores e cachoeiras. Alguns tinham apenas o tamanho de Nahiri. Edros perdidos pontilhavam os espaços entre as ruínas, cintilando à luz do sol.
Nahiri fechou a cara.
Ela fez aqueles edros. Séculos atrás, na época em que ela pensava que prender os Eldrazi em Zendikar era o melhor a se fazer. Na época em que Sorin e Ugin estavam ali ao seu lado, sussurrando e reconfortando-a que eles sempre estariam lá quando ela precisasse.
Agora, os edros estavam espalhados e inclinados em ângulos antinaturais, e Zendikar carregava as cicatrizes profundas da ira dos Eldrazi.
Tudo será corrigido em breve, pensou Nahiri, com os dentes cerrados. Ela manteve o ritmo.
Quanto mais alto subiam, mais traiçoeira ficava a paisagem. O brilho ofuscante do sol batia em momentos inesperados, as ruínas tremiam e rangiam sob seus pés, e os apoios de mão estavam lisos, cobertos de água e algas. Eventualmente, nem mesmo Nahiri conseguia dizer quais rochas os segurariam e quais eram aliados temperamentais, parecendo sólidos e confiáveis até você aplicar pressão. Mais de uma vez, alguém no grupo perdia o apoio de pé e ou Akiri os pegava com suas cordas, ou Nahiri com sua litomancia. Reflexos instantâneos eram necessários e, até chegarem na maior das ruínas, os nervos de todos estavam em frangalhos.
“Para onde, agora?” Indagou Akiri, chegando ao lado de Nahiri.
À frente deles, o Enclave Celeste de Murasa era um labirinto de canais altíssimos de pedra calcária onde o musgo crescia entre fendas, e pontes esbeltas e perigosas passavam sobre quedas sem fim.
Foi então que Nahiri compreendeu que este Enclave Celeste era uma armadilha mortal.
“Vamos descobrir,” disse ela, com um sorriso largo. Os antigos kor criaram um desafio mortal para ela, e Akiri o aceitou com prazer.
Nahiri tirou a chave do seu bolso. Ela brilhava suavemente, pulsando, em sua mão. Ela a ergueu para as antigas ruínas.
E as antigas ruínas responderam.
As rochas aos seus pés começaram a brilhar e vibrar em um ritmo sincronizado com a chave, e rochas em volta do grupo se acenderam. Então, as rochas brilhantes se estenderam em uma fila única para dentro das ruínas. Atrás dela, Nahiri ouviu Orah perder o fôlego.
“Um caminho,” disse Akiri, admirada.
“Sim,” respondeu Nahiri, “mas tome cuidado. Esse Enclave Celeste é antigo. E não gosta de receber visitas.” Ela viu Zareth dar um aperto afetuoso no ombro de Akiri, que pousou a mão sobre a dele. Orah trocou um olhar com Kaza.
“Anotado,” disse Kaza, animada.
Nahiri sorriu. Aventureiros de fato.
Eles seguiram o caminho iluminado em silêncio, com instintos que os diziam que estavam sendo levados por uma magia poderosa e antiquíssima. Zareth, sendo o mais rápido e o mais silencioso do grupo, costumava ir à frente como batedor. Ele encontrou armadilhas cheias de veneno e arcos esperando para desmoronarem, guiando-os com segurança para desviar delas.
Esses eram apenas alguns dos perigos no Enclave Celeste, tão gasto pelo tempo.
Ao longe, havia sempre o som de rocha desmoronando quando edros se chocavam contra os espaços em torno deles. Nas sombras de colunas e em fendas, eles ouviam o arranhar de garras sem serem vistas. Mas, quando as sombras se aproximavam demais, Nahiri fazia algum edro se acender com uma energia azul, afastando-as.
Além dessa exceção, Nahiri e seu grupo de aventureiros não encontraram mais nenhum incômodo em sua passagem.
Como se o Núcleo quisesse ser encontrado.
Pensar nisso fazia Nahiri sorrir.
O caminho acabava em uma parede enorme, coberta de mosaicos que formavam um padrão estonteante de formas geométricas e linhas. Na base da parede, o caminho de pedras brilhantes lampejou uma vez e depois apagou. Não havia outra entrada ou rotas à vista.
“E agora?” Indagou Zareth, cruzando os braços.
“Talvez dê pra explodir,” sugeriu Kaza, sem esconder a esperança em sua voz.
“Não,” disse Nahiri. Com uma das mãos, ela agarrou a chave, aproximando-a do coração. Ela pousou a palma da outra mão contra a parede. Ela fechou os olhos, sentindo as vibrações minúsculas sob seus dedos. Na língua das rochas — aquela bela e silenciosa língua — ela perguntou: “Como eu passo por você?”
A resposta da parede veio em vibrações, levando-a até onde o mosaico encontrava o chão. Ela seguiu o movimento invisível da rocha até um ponto sem mosaicos, um sulco bem no rodapé.
Um lugar do tamanho exato da chave em sua mão.
Nahiri sorriu largamente enquanto colocava a chave no sulco vazio.
Lá, ela pulsou e brilhou com força, iluminando os mosaicos em uma reação em cadeia até que toda a parede se iluminou. Atrás dela, ela ouviu os aventureiros perderem o fôlego de leve.
“Abra,” ordenou Nahiri na antiga língua kor.
E a entrada o fez. Se desdobrando de baixo para cima, peça por peça, como uma cachoeira ao contrário, ecoando como chuva nas ruínas vazias.
Momentos depois, o grupo se viu olhando para uma grande caverna.
“É só isso?” Indagou Kaza, não muito impressionada. “Qualquer um poderia ter feito isso.”
“Pouquíssimas pessoas conseguem ler as runas,” respondeu Nahiri, “ou falar a língua esquecida.”
“Além disso, ninguém seria tão louco quanto a gente, para tentar essa escalada,” disse Akiri. A kor estava sorrindo, algo que Nahiri não a tinha visto fazer ainda. Ela adentrou a caverna. “Vamos lá. Vamos reivindicar esse tesouro.”
Akiri pediu que Orah e Kaza ficassem de guarda no fundo da caverna, perto da saída. Ela sabia que tiveram uma sorte extrema nesta empreitada, até agora. Mas Akiri era uma escaladora e aventureira com experiência demais para esperar que a sorte durasse.
Ela perdera seu primeiro grupo de viagem para os Eldrazi anos atrás. Ela se recusava a perder o segundo.
Estar preparada, ser rápida com os pés. Era tudo o que ela podia fazer.
Juntos, ela, Zareth e Nahiri cruzaram o cômodo até o centro do aposento, até o objeto que chamava toda a atenção deles.
O objeto que era impossível ignorar.
Sobre uma plataforma elevada à frente deles havia um monólito de granito escuro polido, afunilado e partido no meio. Feixes de luz desciam pelo teto em ângulos, na direção do monólito, e edros dançavam em torno dele. Relâmpagos escuros crepitavam entre os edros e o monólito, pontuando o silêncio no lugar.
Conforme se aproximavam, o topo do monólito se ergueu e, entre as duas metades do granito, brilhando como um farol escuro, estava o Núcleo Litoforme.
Se fosse para Akiri ser honesta, o Núcleo não impressionava muito. Ele era pequeno, algo que caberia em sua mão, mas grande o suficiente para que ela não conseguisse fechar os dedos em torno dele. Brilhava como uma pequena estrela, mas não tinha adornos, era quase simples.
Mas Akiri aprendeu há muito tempo que, às vezes, os artefatos mais poderosos — ou pessoas — eram as que menos aparentavam.
Akiri parou a alguns metros da plataforma, tensa e pronta. Ela buscou a mão de Zareth ao lado dela, tirando conforto do calor nele. Nada nesse Enclave Celeste parecia estável.
Nahiri continuou andando.
Mais e mais perto ela seguia, até que Akiri viu a fisionomia de Nahiri refletida no monólito. O semblante de Nahiri era de determinação pura.
“É isso,” sussurrou Nahiri. “Isso vai mudar Zendikar para sempre.”
Atrás dela, Akiri sentiu Zareth estremecer. Todas as preocupações e medos dele sobre o Núcleo, transmitidos em um único movimento involuntário.
Por impulso, Akiri seguiu até a plataforma, na intenção de pegar o Núcleo, sabendo que provavelmente haveria uma armadilha. Zareth pousou uma mão preocupada no ombro dela, mas ela deu-lhe um aceno de cabeça reconfortante e continuou. Ela suspeitou que, se fosse rápida o suficiente, sutil o suficiente, ela poderia evitar ativar qualquer armadilha que estivesse à espera.
O Núcleo lampejou com força quando ela se aproximou, como se fosse um aviso. Ela pensou que detectava o menor dos sussurros vindo dele, como se fossem orações abafadas. Ou ameaças.
Por Zendikar, pensou Akiri e, engolindo o nervoso, estendeu a mão.
“Cuidado.” A mão de Nahiri prendeu o punho dela em um instante. Akiri se virou e olhou para Nahiri. O relâmpago que crepitava acima iluminava o rosto dela, e havia um brilho novo e perigoso em seus olhos. Algo que Akiri não tinha visto antes, nem mesmo quando Nahiri enfrentara o pisoteador na Baía do Rachacasco.
Anos fundeando linha ensinaram a Akiri quando continuar. E quando se segurar.
Espere. Observe, pensou ela, voltando para o lado de Zareth. Ela encontrou a mão dele e a apertou. Ele apertou de volta.
É melhor deixar o artefato antigo para a estranha antiga, pensou ela. E uma pequena parte dela estava aliviada por não estar na plataforma.
Com o fôlego preso na garganta, Akiri observou Nahiri erguer a palma, colocá-la sob o Núcleo Litoforme, fechar os dedos em volta e o puxar lentamente para si.
Por um momento, havia apenas o silêncio. Por tempo suficiente para que Akiri soltasse o fôlego. Por tempo suficiente para que ela sentisse esperança.
Então, houve um estalo ensurdecedor, e o cômodo em volta estava desintegrando, caindo, se partindo.
A boa sorte acabou, pensou Akiri. Ela se virou e gritou, “Nahiri, precisamos ir — agora!”
À frente dela, Orah e Kaza já estavam correndo. Atrás dela, ela viu Nahiri correr à toda pela escadaria da plataforma, enfiando o Núcleo em uma bolsa de couro no seu quadril. Ao lado dela, Zareth mantinha o ritmo de seus passos largos.
Mas, enquanto ela corria, Akiri conseguia sentir o chão tremendo sob seus pés e ela percebeu que essa não era a única armadilha ativada no Enclave Celeste de Murasa.
O Turbilhão estava fazendo céu e terra tremerem enquanto o Enclave Celeste se partia em pedaços. Talvez estivesse reagindo à magia liberada. Talvez fosse só falta de sorte. Akiri não sabia.
À frente dela, o chão sob Orah e Kaza deslizou e rolou, como uma onda.
“Cuidado!” Gritou ela, mas outro estalo trovejante abafou seu aviso.
O chão de pedra deslizou e se partiu; Kaza e Orah foram lançados para trás. O chão onde estavam inclinou em ângulos cada vez mais agudos até que a maga e o clérigo derraparam, ficando dependurados pelos dedos.
E então, o chão estremeceu. Kaza e Orah gritaram, perdendo a pegada incerta. Eles caíram, desaparecendo da vista.
“Não!” Gritou Akiri. Ela deslizou até a beirada, devagar demais, tarde demais para ajudar.
Após um momento de agonia, bem abaixo, apareceu Kaza, flutuando sobre seu cajado, com Orah se segurando a ela pela cintura.
Akiri expirou, com o alívio a inundando.
“Continua!” Zareth gritou. Mas ela não tinha certeza se ele estava falando para os membros do grupo que se separaram, ou para ela.
Os dois, pensou ela, e correu.
O medo retorcia o estômago de Akiri enquanto ela disparava pelas estruturas que desmoronavam e cediam, para o céu aberto. Será que Kaza e Orah sairiam dali vivos? Será que ela levou o grupo todo para suas mortes?
Não, eram pessoas boas e talentosas. Não seria como foi com seu primeiro grupo de aventureiros. Eles ficariam bem.
Ela tinha que acreditar.
Agora, ela tinha que se concentrar em garantir que Zareth e Nahiri chegassem em segurança também.
Pois tudo o que eles poderiam fazer agora é tentar sair vivos do Enclave Celeste.
Nahiri correu, lutando para segurar as ruínas com sua litomancia por tempo suficiente para que eles cruzassem as pontes precárias de pedra. A tentação de transplanar para algum lugar seguro passou por sua mente. Mas não, ela estava cansada de abandonar Zendikar em sua hora de necessidade. O Enclave Celeste de Murasa estava oferecendo um desafio, e ela se prontificaria a respondê-lo.
Com a bolsa de couro no lado do corpo, ela pensou ter sentido o Núcleo sussurrando, mas Nahiri não tinha tempo para escutar.
Pois o Enclave Celeste estava se partindo sem o Núcleo. E o Turbilhão, o maldito Turbilhão, batia ventos em torno deles, deixando uma situação já perigosa mil vezes mais caótica.
Ela não conseguiria segurar o Enclave Celeste de Murasa e segurar o Turbilhão ao mesmo tempo.
Pelo menos não ainda.
Então, ela correu atrás de Akiri e Zareth, com a raiva se acumulando dentro de si.
Eles chegaram em um ponto sem saída. À frente deles, ilhas de ruínas cobertas de árvores flutuavam com nada entre elas além de céu azul e alguns poucos edros. Com um arremesso de mestra, Akiri lançou sua corda e ela prendeu em uma beirada flutuante.
“Rápido!” Disse ela, antes de se lançar para a enorme plataforma inclinada mais abaixo. Zareth lançou outra corda e Nahiri preparou a dela, mas um vórtice de ventos enormes ao longe chamou sua atenção.
Seu atraso momentâneo foi demorado demais. Antes que ela ou Zareth conseguissem pular, o Enclave Celeste estremeceu e deslizou novamente.
Nahiri se segurou para não cair enquanto via a plataforma sobre a qual Akiri estava flutuar para longe deles.
“Anda,” disse Zareth, estendendo a mão para ela. E Nahiri percebeu que eles iriam ter que fazer o balanço juntos.
Nahiri considerou recusar. Esse trapaceiro, que não tem amor algum por ela, poderia deixá-la cair. Mas, apesar de seus truques, ela sabia que Zareth tinha honra suficiente para não a matar a sangue frio.
Nahiri agarrou a corda ao lado de Zareth e, enquanto ele se preparava para pular, ela disse no ouvido dele: “Eu sei que você quer o Núcleo para si.”
A surpresa passou pelo rosto do tritão, mas, antes que ele pudesse responder, Nahiri ordenou que a pedra abaixo deles desse um empurrãozinho.
Por um momento desafiando a gravidade, fazendo o coração pular, tudo o que Nahiri viu era céu. Amplo e imperdoável.
E então eles caíram sobre a plataforma. Nahiri rolou e parou com graciosidade. O semblante de Zareth derreteu em puro alívio quando viu Akiri. Ela o puxou de pé e cumprimentou Nahiri com a cabeça.
Eles correram novamente.
O ruído era implacável; enquanto as lufadas de vento forte batiam em suas faces e roupas, o Enclave Celeste desmoronava em torno deles. As delicadas pontes de pedra quebraram e caíram e os edros giravam fora de controle, não os atingindo por meros centímetros.
Esta era Zendikar na sua forma mais perigosa, arruinada, um pesadelo, e Nahiri odiava.
Ainda assim, ela continuou correndo, desviando, escapando.
Até que o vórtice apareceu.
Ele veio sem aviso em um abismo pelo chão da ruína flutuante. Como um tornado, ele se chocava contra tudo e todos à sua volta. Segundos antes, Zareth tinha balançado para uma plataforma no outro lado do barranco. Nahiri não o via mais. Akiri ficou de pé, parou com a corda nas mãos enquanto o rodamoinho de pedra e poeira chegava frenético até elas.
“Vai!” Gritou Nahiri. Com um aceno curto de cabeça, Akiri deslizou pela corda.
Nahiri se virou e, com as pernas afastadas e os braços prontos, ela fechou a cara e enfrentou o vórtice.
Eu vou dobrar você sob a minha vontade, pensou ela. Assim como ela fez com o Turbilhão de Akoum, como ela fez com Sorin e com tantos outros inimigos no passado. Ela estendeu os dedos e soltou toda sua fúria e sua culpa por meio da sua magia.
Um pedaço por vez, o vórtice foi ficando mais devagar, até parar, tornando-se algo imóvel e inofensivo.
Nahiri sorriu, vitoriosa.
Mas foi um triunfo curto. O vórtice se inchou mais uma vez. Como uma represa prestes a estourar, ele continha tanta raiva e força que empurrou Nahiri para longe até que ela não conseguisse mais contê-lo.
E assim Nahiri voou para longe da beirada das ruínas.
Havia apenas céu em torno dela, frio e azul. Nahiri girou em pleno ar e viu a corda de Akiri a centímetros dela. Ela estendeu a mão.
E errou.
Ela estava em queda livre.
O coração de Nahiri se prendeu na garganta enquanto reunia cada nesga de poder que ela ainda tinha, para parar sua queda. Até que algo pegou o seu braço.
“Peguei você!” Akiri perdeu um fôlego e sorriu largamente. Ela ergueu Nahiri até a plataforma, com ajuda de Zareth.
As bochechas de Nahiri queimavam com a vergonha. “Vamos,” disse ela, e trabalhou as ruínas flutuantes em torno deles, formando uma ponte. Nahiri disparou por ela. Mais atrás, o rugido furioso do caos e destruição foi ficando mais alto, mais perto.
Nahiri mostrou os dentes. Agora, ela sabia com certeza que não poderia curar Zendikar apenas com sua litomancia.
O Núcleo em sua bolsa de couro estava sussurrando novamente, mas Nahiri não estava ouvindo. Ela estava correndo e planejando.
Nahiri pousou em uma extensão ampla do Enclave Celeste de Murasa que ainda estava intacto, seguida de perto por Zareth e Akiri. Foi o primeiro lugar que eles pisaram que não estava tremendo ou desmoronando. Então levou um momento para que Nahiri notasse o que estava errado.
Por que tem lava aqui? Pensou ela, perplexa, estudando a área à frente dela. Então, ela percebeu de repente — o Turbilhão tinha mudado a paisagem do Enclave Celeste, como tinha feito com tantas outras áreas deste plano. Nissa disse que o Turbilhão tinha começado como reação aos Eldrazi, o meio que Zendikar tinha para lutar contra a doença dentro de si. Agora, parecia que estava tentando lutar contra ela.
É isso o que chama de luta? Sorriu Nahiri, convencida.
O chão à frente dela explodiu em jatos de chama e cinzas. O impacto jogou Nahiri para trás, e um elemental imenso e furioso emergiu do chão, como se tivesse nascido da própria lava. Seu peitoral enorme e punhos irradiavam calor, soltando fogo enquanto seus olhos vermelhos em brasa se viravam para Nahiri. Aquele olhar estava cheio de ódio.
Nahiri estendeu a mão atrás de si e, um momento depois, uma espada de pedra incandescente apareceu, formada em sua mão. Se essa coisa queria uma luta, ela lhe daria uma luta. Com prazer.
Mas Zareth foi mais rápido. Com uma coragem indomável, ele avançou contra o elemental, com tridente em mãos. Um arco de energia se lançou da arma e cercou a criatura, atingindo-a em cheio no tórax.
O elemental nem se incomodou. Ele passou o olhar calmo para Zareth, ergueu os dois punhos de fogo, e os bateu contra o tritão.
Mas, rápida como um raio, Akiri estava lá na frente de Zareth, com o braço erguido. A manopla em seu punho soltou um clarão, um disco brilhante aparecendo como escudo entre ela e o monstro. O elemental bateu com os dois punhos no escudo mágico. Akiri grunhiu e se encolheu. A criatura rosnou frustrada e ergueu suas mãos mais uma vez.
Nahiri viu Akiri e Zareth se preparando para outro impacto e sabia que eles não sobreviveriam ao próximo.
Fazendo um arco com uma das mãos enquanto segurava sua espada com a outra, Nahiri ergueu a terra e deslizou por ela no céu. Ela mal ouviu o sussurro enquanto puxava o Núcleo da sua bolsa de couro.
O movimento fez o elemental parar, olhar para longe das figuras prostradas à sua frente, e encará-la. Ou melhor, encarar o Núcleo em sua mão.
“É isso o que você quer?” Gritou Nahiri.
O elemental rosnou e caminhou lentamente na direção de Nahiri, com punhos cerrados, se aproximando.
Nahiri ergueu sua espada, mas sabia que não seria suficiente. Somente ela não seria suficiente contra essa abominação criada pelo Turbilhão. Ela abaixou sua espada. Olhou para o Núcleo Litoforme em sua mão.
Será que eu devia? Perguntou-se ela.
O Núcleo continuava com seus sussurros, mas ela não conseguia discernir as palavras.
Mas palavras não eram importantes. Ações sim.
Ela ouviu Akiri gritar ao longe, e Nahiri olhou na direção do som. Zareth estava correndo na direção do monstro. Não, percebeu ela, ele corria em sua direção, com o tridente para trás e energia dançando entre suas pontas. Sua face tinha uma determinação sombria.
No mesmo momento, o elemental rosnou para Nahiri e se lançou.
Foi aí que Nahiri decidiu.
Ela ergueu o Núcleo e foi fácil, tão fácil, para canalizar o poder em sua mão.
O mundo crepitou com uma energia sombria. E então ficou branco. A cor foi lavada em meio ao brilho, o som ficou perdido no rugido e, por um momento, não houve nada. Nahiri não viu nada. Não ouviu nada.
Não sentiu nada.
Seu mundo estava limpo.
Quando a luz do Núcleo diminuiu, tudo em volta de Nahiri estava num tom cinzento. Não havia nada além de silêncio e o elemental não estava mais lá.
Nahiri sorriu, vitoriosa. Ela tinha vencido.
A voz agoniada de Akiri rompeu o silêncio. “Zareth!”
Akiri estava de joelhos, segurando o corpo rígido e frio da pessoa que amava. Ela piscou uma vez, duas, querendo que fosse um erro, um truque cruel. Tinha de ser.
A mão de Zareth estava em garra, como se tivesse tentado pegar algo. Sua boca estava aberta em um grito silencioso. Mas eram seus olhos que assombrariam os sonhos de Akiri por meses a fio.
Os olhos de Zareth, que sempre foram cheios de emoção, não tinham mais luz nenhuma.
“Zareth
Ela sentiu a sombra de Nahiri sobre si. Ela olhou e viu o Núcleo Litoforme no chão, a alguns metros de onde Akiri estava ajoelhada em meio às cinzas.
Nahiri foi até ele para pegá-lo, mas Akiri foi mais rápida. Em momentos, Akiri estava de pé, cambaleando para longe da estranha e antiga kor.
“O que é essa
“O fim das tempestades e dos desastres,” disse ela, tão calma, tão razoável. Ela se aproximou: “O fim desses monstros infernais. Esta é a nossa chance.”
Akiri observou a devastação em volta, o cadáver no chão. “A nossa chance?”
Nahiri não respondeu. Ela só deu mais um passo à frente. E mais um.
Akiri cambaleou para trás, sabendo que lá havia uma beirada para o céu aberto.
“A chance de Zareth?” Gritou ela, apontando para o cadáver. “Não. Isso acaba aqui.” Ela não poderia deixar que Nahiri a alcançasse. Ela não poderia deixar que ela pegasse o Núcleo.
Zareth estava certo sobre Nahiri. Ele tinha razão.
Nahiri continuou avançando. O medo se prendia em torno do coração partido de Akiri e ela parou quando a beirada estava quase em seus calcanhares.
“Não,” disse Akiri, segurando o Núcleo para fora, pronto para jogá-lo, pronta para ficar livre deste prêmio terrível e mortal.
Mas o olhar de Nahiri estava fixo em algo mais além dela. Akiri se virou e viu um edro se erguendo atrás dela, ao alcance de sua corda. Ela só teria que fundear uma linha
O edro fagulhou e uma energia sombria saiu dele, a atravessou, e Akiri descobriu que não conseguia se mexer. Ela observou, imóvel, enquanto Nahiri se aproximava cada vez mais.
E mais.
Calmamente, Nahiri tomou o Núcleo Litoforme de sua mão inerte.
Nahiri estendeu a mão e tocou a bochecha de Akiri. Foi só então que Akiri percebeu estar com as bochechas cobertas de lágrimas.
“Sinto muito, Akiri, muito mesmo,” disse Nahiri, que parecia verdadeiramente lamentar. Mas o que Akiri viu no rosto de Nahiri foi apenas uma determinação implacável.
Ela queria gritar, mas sua voz estava perdida. Ela queria pegar suas cordas, mas seus músculos não respondiam. Akiri não conseguia fazer nada enquanto Nahiri pousava a mão sobre o seu ombro. E empurrava.
Akiri caiu de costas.
E tombou.
A última coisa que Akiri viu foi Nahiri de pé, com um olhar frio e calculista, e o Núcleo flutuando acima de sua mão esticada.
E depois, houve apenas céu. Cruel e sem fim.