Liliana atravessava o Brejo a passos largos sob a luz brumosa do amanhecer, e a grama enlameada arrastava-se por suas roupas. À frente, uma revoada de corvos alçou voo abruptamente, saindo das sombras que cobriam uma árvore morta. Furiosa, ela gritou: “Eu sei que você está aqui! Me enfrente, maldito!” Ela procurava no meio do charco desde que o dia raiara. Ele estava cheio de criaturas distorcidas e atrozes criadas pelas magias da Cabala, mas cada uma que cruzava seu caminho descobria quem era a ameaça verdadeira.

O Homem Corvo tinha que estar aqui, e tinha que saber como Belzenlok conseguira transformar Josu neste lich. Ela não pensara em mais nada na noite passada, quando o dono da estalagem ajudara a carregar um Gideon semiconsciente de volta para o quarto deles, e ela usou as ervas que tinha coletado para curar seu ferimento. Ela queria ter feito isso com Josu há todos aqueles anos, para curá-lo por inteiro, e salvar a vida de seu irmão. Era fácil ver agora que ela tinha sido míope e egoísta naquele dia - ignorando avisos, correndo como se cada minuto significasse muito, querendo apenas ter sucesso onde os outros falharam e tornar-se a heroína da família. Mas era a presunção de uma adolescente, um egoísmo infantil. Não era merecido.

Josu não merecia isto.

E enquanto ela trabalhava na cura de Gideon, ela estava com um pavor irracional de que aconteceria de novo. Que de algum modo ela mataria ou transformaria seu único aliado. Mas ela o deixou na estalagem ainda se recuperando, inteiro e dormindo profundamente.

Ela tinha que encontrar o Homem Corvo. Ela tinha que achar respostas.

Acima das árvores mais à frente, corvos rodopiaram pelo ar e depois mergulharam, formando uma espiral, um rodamoinho negro logo acima do chão. O bater rápido de suas asas coalesceu em uma massa negra, como se todos tivessem se unido e formado uma só criatura. Daquela massa saiu o Homem Corvo, dando um passo à frente.

Art by Chris Rahn
Ilustração: Chris Rahn

Ele estava igual à última vez em que ela o vira, uma figura alta e pálida com cabelos brancos como osso e olhos de um dourado penetrante. Ele a seguira por planos de existência, fingindo querer ajudá-la, apensar de ela não ter ideia alguma sobre qual fosse seu objetivo real. Ela exigiu: “Foi você quem fez isso? Você contou a Belzenlok como meu irmão morreu? Como Belzenlok o reanimou novamente?”

“Você já sabe as respostas para estas perguntas, Lili,” disse ele, com uma calma que lhe dava nos nervos.

“É por sua causa.” Ela o espreitava, se aproximando. Havia corvos por todo o lugar, empoleirados em cada rocha, tronco de árvore cortada, ou galho de árvore podre. Eles assistiam o confronto silenciosamente, sem se mover. Ela nunca soubera o que era o Homem Corvo afinal, ou por que ele estava tão determinado a interferir em sua vida. Ele podia ser qualquer coisa entre um planinauta poderoso e um dragão ancião em forma humana. “Você fez isto. Conserte. Deixe Josu descansar.”

“Não pode ser feito.” Seus olhos dourados a olhavam com calma, como se a dor dela lhe divertisse. “Se você sente tanta falta assim do seu irmão, você devia ter concordado em me seguir.”

A raiva de Liliana se acumulava no peito, e ao lado do seu corpo os espíritos Onakke dentro do Véu Metálico sussurravam. Rouca, ela indagou: “Para qual propósito? O que você quer de mim?” Ele não respondeu, observando-a pensativo enquanto o vento úmido bagunçava as penas das aves. “Por que me perseguir de um plano de existência a outro? Por que me enganar para que eu transformasse meu próprio irmão em um morto-vivo quando tudo o que eu queria fazer era ajudar-” Ela sentiu sua voz ficar mais aguda, como se fosse embargar, e parou. Ela respirou fundo. Ela não era vulnerável com emoções, ela estava na fúria do desejo de rasgar esta criatura em pedaços, o que quer que seja. Mas ela não podia correr o risco de demonstrar qualquer sinal que possa ser interpretado como fraqueza.

Ele disse: “Eu acho que você sabe o porquê.”

Essas palavras caíram no silêncio do charco. Liliana não queria responder, não podia responder. Será que ela sabia? Ela perguntou: “Você estava tentando acender minha centelha? Por que você quis que eu me tornasse planinauta?”

Os corvos em torno dele alçaram voo e Liliana se lançou para a frente. “Ah não, nem-” Antes que ela pudesse erguer uma das mãos, as aves giraram e tanto ele quanto cada corvo que estava à vista desapareceram abruptamente.

Liliana xingou em uma fúria frustrada. “Inútil!”

Ela dava passos endurecidos, mandando cobras e outras criaturinhas peçonhentas do Brejo para longe, aterrorizadas.

Como ela poderia ajudar Josu? Não era apenas o fato de que Belzenlok usava seu irmão como servo inflamasse cada osso de seu corpo. Era o seu próprio trabalho curativo que deu tão terrivelmente errado há tantos anos atrás. O Homem Corvo a manipulara, a enganara e a convencera a realizar o feito, sim, mas foi ela quem o fez - foi ela quem transformara Josu em um remanescente morto-vivo irracional. E de certo modo isso deixou seus restos mortais ainda vulneráveis a Belzenlok e sua magia, o que permitiu que o demônio tirasse Josu da cova mais uma vez, escravizando-o, mas ainda com sua inteligência e conhecimento bélico intactos.

Art by Daarken
Ilustração: Daarken

Eu podia usar o Véu Metálico, pensou ela de repente. Agora que Josu fora transformado em Lich, ele o faria descansar assim como faria para destruir um demônio . . . Ela xingou baixinho ao notar. Ah, é isso então.

Este era o plano de Belzenlok, e seu propósito em escolher Josu para liderar suas forças em Caligo. Ele sabia que se Liliana usasse o Véu Metálico para desfazer Josu, ela ficaria tão fraca que não poderia utilizá-lo para destruir Belzenlok.

Seus lábios crisparam com desprezo. A confiança excessiva de Belzenlok estava tão fora de lugar quanto a dela esteve naquele dia tão distante, quando Josu morrera. Quando ela o matara. Ela usaria o Véu Metálico para desfazer seu irmão. Eu sou Liliana Vess, pensou ela. Se houver um meio de matar Belzenlok sem o Véu Metálico, eu conseguirei encontrar.

Mas primeiro ela tinha de trazer Josu de volta à Mansão Vess, no lugar onde ele fora transformado. Somente lá ela conseguiria que o desfazer funcionasse; somente lá ela conseguiria deixá-lo descansar.


O sol da manhã começava a sair acima dos telhados remendados da aldeia quando ela voltou à estalagem. O povo da cidade estava no pátio, alguns em vigia e outros limpando as barracas do mercado que foram queimadas. Ao passar, eles lhe deram cumprimentos de cabeça respeitosos, e alguns dos mais jovens acenaram. Ela os encarou inexpressiva e entrou na estalagem a passos largos.

Ela encontrou Gideon acordado no solário da estalagem, entre canteiros de ervas e vegetais. Ele lentamente trabalhava formas de ataque com uma espada emprestada, claramente testando o trabalho que ela fizera no seu ombro. Ela parou na frente dele, se preparando para um confronto. Sua face em zombaria e uma resposta cortante já pronta.

Gideon embainhou a espada e olhou para ela. Ele disse, sem alarde: “Novidades?”

“O quê?” Ela franziu o cenho.

O cenho de Gideon se curvou. “O dono da estalagem disse que você saiu antes do raiar do dia. Imaginei que você tivesse ido observar as forças de Belzenlok.”

Ela fez um gesto impaciente. “Eu fui procurar por informação, sim, mas-” ela inspirou rapidamente. Ela tinha esperado que Gideon estivesse pronto a abandonar sua causa, porque Nissa e Chandra o fizeram. Por causa de quem ela era. Mas ele não tinha, e ela era tola de não ter pedido ajuda dele.

No caminho de volta para o Brejo, ela tentava pensar em algum modo de explicar o que ela precisava sem contar a verdade, mas toda história que ela criava era mais ridícula do que a anterior. Ela começou relutante: “Eu tenho um problema . . . Doméstico, por assim dizer. Eu mencionei que costumava viver aqui.” Era inesperadamente difícil forçar-se a dizer as palavras. “O lich que lidera as forças da Cabala nesta região é meu irmão, Josu.”

Ela não sabia ao certo que reação ela esperava. Mas Gideon não disse nada. Seu cenho se franziu consternado, e ele lentamente sentou-se em um banco, fazendo um gesto para que ela continuasse. Liliana andava de um lado para o outro nos ladrilhos irregulares do pátio, e se viu explicando. “Eu transformei Josu em morto-vivo, há muitos anos atrás. Foi um acidente. Eu era jovem, tola, inexperiente. Eu estava tentando curá-lo e . . ." Ela fez um gesto ríspido. “Aconteceu. Os feitiços, a magia sombria, foram parte do que acendeu minha centelha, e involuntariamente eu transplanei. Nunca mais voltei aqui. Ontem quando eu saí para procurar as ervas curativas, encontrei evidências de um feitiço de necromancia poderosa nas ruínas da casa de minha família. Belzenlok deve ter conseguido de algum modo trazer Josu de volta, para usá-lo contra mim.” Ela parou e se virou para ele. “Preciso deixar meu irmão descansar.”

Mais uma vez, ela esperava que Gideon partisse. Isso não era o que eles tinham combinado e não serviria em nada ao objetivo comum de destruir Nicol Bolas. No lugar de Gideon, Liliana já teria ido embora. Mas ele assentiu, pensativo. “Sim, esse é obviamente nosso próximo passo.”

"Obviamente?" Perguntou ela, em sobressalto.

“Belzenlok está usando a Cabala para ameaçar a toda Dominária. Se conseguirmos desfazer Josu, não só você liberta o seu irmão, como a Cabala perde sua liderança sobre o Brejo de Caligo. Isso dá às forças benalianas uma chance de reagrupar, e forçar a saída de Belzenlok e da Cabala de Aerona.” Gideon olhou para ela com um sorriso grave. “É um bom começo."

Preparada para discutir e explanar seus argumentos, ela ficou sem ação com a concordância dele. Ela deu alguns passos para longe, tentando organizar seus pensamentos, e se lembrou de que não havia contado a pior parte ainda. “Eu vou precisar do Véu Metálico para desfazer o Josu. Depois disso, não terei forças para usá-lo contra Belzenlok.”

Gideon considerou aquilo por um momento. “Não tem jeito. Vamos ter que pensar em outro modo de destruir Belzenlok.” Ele deu de ombros, um pouquinho. “Nada disso aqui seria simples ou fácil. Nós dois sabíamos disso.”

Liliana apertou os lábios. Era besteira sentir uma onda irritante de emoção. Gideon estava sendo prático. Ela tinha apenas sorte de que eles tinham o mesmo objetivo temporariamente. Ela disse: “Preciso levar Josu de volta à Mansão Vess para desfazê-lo, mas não sei ao certo como. Ele está liderando as forças da Cabala, está cercado por eles.”

Gideon ficou de pé. “Para isso, eu acho que sei exatamente o que precisamos fazer.”


Gideon liderava o caminho dentro do charco, usando as instruções que conseguira com o dono da estalagem e com outros líderes das defesas da aldeia. Ao seguirem o caminho que era pouco discernível entre poças estagnadas e restos amontoados de árvores apodrecendo, ele disse a Liliana: “Josu e a Cabala derrotaram uma grande força benaliana perto daqui há apenas alguns dias. Alguns dos feridos ainda estão abrigados na aldeia, mas outros vieram se esconder em pequenos grupos por toda esta região. Se nós os reunirmos e escolhermos a Mansão Vess como base, Josu terá que vir nos atacar lá.”

“Seu otimismo não tem limites,” disse Liliana com uma gota de zombaria em sua voz.

“Eu percebi que está chateada,” disse ele. “Você não está se esforçando muito nos insultos.”

“Não estou chateada!” Disse Liliana, ríspida. Estou . . . maquinando. Por que estas pessoas nos ouviriam?”

“Bom, esse é o meu trabalho,” disse Gideon.

À frente havia uma plataforma de pedra perfeitamente redonda, cercada pela grama alta. Perto dela, três colunas lisas com cerca de dezoito metros de altura cada, formavam um semicírculo. Eram os restos de uma ruína antiquíssima, um lugar que já fora cercado por floresta densa, mas agora estava exposto, e parcialmente afundado no terreno encharcado. Vinhas moribundas se prendiam nos topos, mas assim como as outras estruturas antigas que Gideon vira aqui, a rocha não tinha manchas ou desgastes. Empoleirada na coluna central estava quem Gideon estava visitando.

Era um anjo; sua pele parecia bronze queimado e seu cabelo era uma nuvem negra. Suas asas estavam semi-estendidas, e as penas brancas e brilhantes tinham pontas cinza-escuras. Ela usava armadura de placa acima de cota de malha, e a espada aos seus pés tinha quase a altura de Gideon. Ele chamou, “Você falaria conosco? Gerrel, estalajadeiro da aldeia Vess, nos enviou para encontrar você.”

Por um momento ele pensou que ela não fosse responder. E então suas asas se estenderam por completo e ela se ergueu, saindo de cima da coluna. Ela pousou com leveza, joelhos flexionados para absorver o impacto. Perto assim, ele podia ver que seu tabardo branco estava manchado de sangue e sua armadura tinha os arranhões e amassados de batalhas recentes. Com face inexpressiva, ela perguntou “Quem és tu?”

“Sou Gideon Jura, e esta é Liliana.” Eles decidiram não contar a ninguém sobre o passado de Liliana com a família Vess. Gideon já tinha que lidar com o suficiente. “Nós sabemos que você é Rael, Anjo de Batalha e Protetora do Caligo. Você liderou as forças benalianas contra a Cabala, aqui.”

Rael disse sem emoção, “Então sabes que falhei.”

“Você perdeu uma batalha,” Gideon disse para ela. “Não quer dizer que tenha falhado.”

Suas sobrancelhas se ergueram, e um pouco de vida voltou às suas feições. Era irritação, mas pelo menos era vida. Com a voz coberta de sarcasmo, ela disse: “Trivialidades não impedirão o progresso da Cabala.”

“É, ele é irritante assim mesmo,” disse Liliana, cruzando os braços. “Mas estamos aqui para oferecer nossa ajuda.”

“Deveriam ter chegado mais cedo.” O olhar grave de Rael passava de Gideon a Liliana, avaliando-os. “Minhas forças estão espalhadas, escondidas. Se eu enfrentar a Cabala novamente, serão destruídos. Deixe que defendam a si e aos seus como puderem. Não podemos derrotar a Cabala aqui, em batalha campal.”

“Eu compreendo, mas não são apenas forças bélicas que viemos oferecer,” adicionou Gideon. “Liliana é uma poderosa maga. Ela destruiu os cavaleiros mortos-vivos que atacaram a aldeia Vess ontem à noite. Com a ajuda dela, temos um meio de derrotar o lich Josu, que comanda os grimnantes daqui.”

As sobrancelhas escuras de Rael se abaixaram. “Sabeis o nome do comandante deles?”

Gideon deu uma olhadela para Liliana, cuja expressão não indicava nada. “Não só isso, temos um meio de fazê-lo descansar.”

Rael hesitava; em sua face a esperança travava uma guerra contra a resignação. Gideon assistiu a esperança vencer. Ela respirou fundo, e disse: “Digam qual é a vossa estratégia.”


Enquanto Liliana se preparava para realizar seu feitiço, Gideon passou o resto do dia com Rael, reunindo as forças benalianas que ainda estavam em Caligo. Quando o dia seguinte nasceu, eles estavam no terreno alto em torno da Mansão Vess com uma pequena tropa de soldados, cavaleiros, e batedores avianos de Benália.

Art by Mark Zug
Ilustração: Mark Zug

O céu estava carregado de nuvens e ameaçando chuva quando Gideon e Liliana encontraram Rael e seus tenentes no que restava do jardim de inverno da mansão, há muito sem cuidados. Olhando para todos, Gideon sabia que precisariam de uma boa estratégia defensiva. Havia um número excessivo de soldados e cavaleiros que ainda estavam feridos, muito desconsolados pelas mortes de seus companheiros, e pela devastação que a Cabala causara em Caligo. Ele não tinha intenção alguma de deixá-los sofrer o impacto do ataque.

“Temos mais alguns magos por aqui?” Gideon perguntara, mais cedo.

“Temos o Corin.” Rael apontou para uma figura mirrada e pálida de pé com os soldados benalianos. “Ele é um mago Tolariano.”

Corin parecia muito jovem e desanimado, com seus robes arrastando na grama molhada. Havia uma espécie de luva de artífice feita de metal e cristal em um dos braços, mas ele não parecia formidável. “Certo,” disse Gideon, cumprimentando-o educadamente com um aceno de cabeça, e decidindo internamente tentar chegar em uma estratégia que não incluísse magos.

Era verdade que levar Josu ao seu descanso final tiraria um general de Belzenlok desta região de Benália, mas também era uma parte vital do estratagema maior de Gideon para matar Nicol Bolas. Entretanto, ele não podia deixar que este povo cansado recebesse o impacto de uma batalha somente para prosseguir com os objetivos dele, mesmo que no final beneficiasse o lar deles.

É claro, Gideon bem sabia que suas estratégias defensivas consistiam basicamente em se lançar entre seus camaradas e qualquer coisa que os estivesse atacando. Era ainda a melhor solução, se ele não conseguisse pensar em nada melhor.

“Por que estamos nos encontrando aqui?” Indagou Thiago, um cavaleiro benaliano que era o segundo no comando de Rael. Ele deu uma olhadela para a muralha de rocha coberta por líquen que ainda estava de pé, fazendo sombra neles. “Essa casa é amaldiçoada. Não pode ser um bom lugar para lutar contra a Cabala.”

“A maldição acabará quando eu desfizer o lich,” explicou Liliana. Sua expressão era calma e altiva, como se nada que eles discutiam a afetasse pessoalmente, mas Gideon sabia. Ela tentara o melhor que podia manter suas emoções escondidas quando contou sobre Josu, mas ele a conhecia apenas o suficiente para ter uma noção do horror e desalento reais que ela sentia. Ela poderia ter usado aquele momento para mentir ou tentar manipulá-lo, mas ela não o fez. Isso o surpreendeu, e o fez pensar que talvez eles tenham uma chance real de matar Belzenlok e depois Nicol Bolas. Se eles realmente conseguissem trabalhar juntos como aliados, tudo era possível. Ela adicionou: “O feitiço deve ser realizado aqui.”

O capitão dos soldados perguntou: “O lich foi criado pela maldição de Vess?”

Gideon não fazia ideia. Ele deu uma olhadela para Liliana, que disse “Não importa como foi criado. É aqui que eu vou destruí-lo.”

Um aviano trouxe um mapa a Rael, e ela o desenrolou em uma mesa de pedra. Ele mostrava o Brejo, a aldeia, o rio e toda a área em torno. “O lich tem uma criatura escrava dele que foi usada contra nós em Caligo. É um remanescente morto-vivo, uma sombra aterrorizante. Também há várias bruxas-de-pele nas tropas do lich.”

Gideon assentiu com a cabeça. “Quais são os poderes destas sombras aterrorizantes e bruxas-de-pele?”

“Não temos certeza.” Rael olhou para ele, com a boca apertada em uma linha grave. “Ninguém sobreviveu para nos trazer relato.”

Liliana disse: “Ah, bruxas-de-pele não são muito incomuns. Elas usam magia de morte, mas na maior parte se preocupam em arrancar a pele de suas vítimas.” Gideon ergueu suas sobrancelhas em uma indagação. Liliana esclareceu: “Elas vestem a pele.”

Gideon suspirou. “Mas é claro que sim.”

“Você já viu uma bruxa-de-pele?” Perguntou Thiago, incrédulo. Rael espiava Liliana com suspeita.

“Várias.” Liliana ajustou um de seus braceletes, aparentando estar desatenta.

Gideon solicitou: “E as sombras aterrorizantes?”

Liliana começou: “Já essas são mais interessantes. Elas podem mudar de tamanho, então não são apenas capazes de ficarem extremamente grandes, mas também conseguem ficar pequenas o suficiente para se arrastar cadáver adentro e reanimá-lo.” Ela balançou seus dedos. “Assim, como um fantoche.”

Gideon manteve sua expressão facial natural enquanto os demais encaravam Liliana, desconcertados por como ela chegara nesta informação. Ela olhou em volta para todos eles e disse com voz seca: “Eu sei de coisas.”

Depois de outro olhar pensativo para Liliana, Rael continuou: “Os batedores avianos viram uma sombra aterrorizante vindo da beira do rio, bem aqui. Ela será seguida pelos grimnantes e mortos-vivos sob controle dos clérigos. O lich estará em algum lugar por perto, esperando para se deslocar até aqui depois que a sombra aterrorizante e as forças com ela atacarem.” Ela endireitou a postura, agitando suas asas brevemente. “Isso significa que provavelmente as bruxas-de-pele não entrarão no campo de batalha contra nós hoje. O lich nunca mandou ambos ao mesmo tempo para uma batalha.”

“Até mesmo uma sombra aterrorizante é ruim o suficiente,” comentou Thiago.

O capitão disse: “Há uma primeira vez para tudo; não podemos contar que vamos enfrentar apenas um ou outro.”

Gideon não queria que as forças benalianas enfrentassem qualquer uma das criaturas do lich. Ele perguntou a Liliana: “Você poderia controlar uma sombra aterrorizante?”

Liliana franziu o cenho, pensativa. “Controlar, não. Não até que Josu esteja . . . Fora do caminho. O que você tem em mente?”

Em vez de responder, Gideon se virou para o jovem mago. Ele não queria colocar Corin na direção do perigo, mas a parte dele na estratégia seria mais ou menos segura. “Corin, com a ajuda de Liliana, você poderia criar uma ilusão? Fazer uma sombra aterrorizante pensar que eu sou uma bruxa-de-pele?”

“Sim, eu consigo fazer isso!” Corin se pôs à frente, entre Thiago e o capitão, parecendo aliviado por ter encontrado algum meio de ajudar. “Eu sou bom em fazer ilusões.”

A boca de Liliana se curvou enquanto estudava o mapa. “Ah, entendi o que você está pensando. É uma idéia encantadora.”


Rael e os demais saíram para se posicionar, e Gideon perguntou a Liliana: “Você está pronta para fazer isso?”

Sua expressão foi de irritação. “É claro que estou. Agora tente se manter vivo enquanto eu lido com o Josu.”

Gideon suspirou, e enquanto ela se esgueirou para fora da casa, ele seguiu até Corin. Eles conseguiram fazer alguns preparativos rápidos, mas a maior parte da estratégia dependia dos feitiços de Corin.

Ao entrar no arvoredo nos limites do território da mansão, Gideon apoiou a lança com três lâminas da Cabala sobre as costas. Rael disse que ela tinha um propósito ritualístico, além de ser uma arma, que também daria mais verossimilhança para o ardil. Assim esperava ele. Se isto não funcionasse, ele teria que enfrentar uma sombra aterrorizante e a força principal da Cabala sozinho. Isso seria interessante.

Quando Corin conjurou o feitiço, Gideon sentiu a ilusão se apoiar sobre ele como se fosse um cobertor molhado. Ele olhou para si mesmo e não viu diferença alguma. “Eu não vejo nada.”

“É porque você não foi tocado por necromancia,” explicou Corin. “Eu tive que modificar a ilusão para que uma sombra aterrorizante conseguisse vê-la.” Ele hesitou ansioso. “Espero que funcione.”

“Também espero que funcione,” concordou Gideon, desejando que Liliana fosse uma maga Tolariana ao invés de necromante. Ele mandou Corin se reunir aos soldados e seguiu em frente.

Enquanto Gideon caminhava pela grama alta, ele sentia uma resistência como se estivesse usando saias longas que se arrastavam. Era uma sensação curiosa, mas era prova de que o feitiço de Corin estava funcionando, até certo ponto.

Ao abrir caminho pela lama e por arbustos densos e nojentos, ele seguiu até o rio. Depois de emergir de um bosquete formado por vinhas emaranhadas em árvores mortas, ele viu o caminho de chão batido que levava ao mar de lama que outrora foi um rio. Entre as plataformas de árvores em putrefação, formas sombrias se moviam com propósito.

Eram as forças da Cabala, a legião de mortos-vivos. Cadáveres de soldados reanimados da infantaria se arrastavam, carregando armas saqueadas. Cavaleiros mortos-vivos montavam criaturas que um dia foram cavalos. Em capas e armaduras negras, grimnantes e clérigos andavam a passos largos. E liderando o caminho . . ."

Então é essa a aparência de uma sombra aterrorizante, pensou Gideon. Como se ele já não tivesse motivo suficiente para ter pesadelos.

Ela tinha facilmente o dobro da altura de Gideon, uma figura cinzenta desnuda até a cintura, com um corpo que parecia um cadáver ressequido e musculoso. Seu tórax fora rasgado da clavícula até a cintura, revelando uma cavidade vazia que brilhava com luz espectral, abaixo de uma face pontiaguda, com um maxilar amplo e com presas.

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Ilustração: G-host Lee

Gideon respirou fundo e começou a seguir em frente com as mãos erguidas.

A sombra parou, torcendo a cabeça de um lado para outro, como se tentasse vê-lo melhor. Um grimnante se aproximou e chamou: “Bruxa, o que faz aqui? Por que desobedece as ordens de nosso mestre?

Mova-se rápido e fique de boca calada, Liliana o aconselhara. Você terá pouco tempo antes da ilusão chamar a atenção de Josu, e ele saberá imediatamente o que é. Gideon dava passos largos à frente com suas mãos erguidas, esperando que sua postura se parecesse o suficiente com a de uma bruxa.

De repente, ele viu as formas de Drasus e Olexo, seus amigos, seus Subversivos do Bairro dos Estrangeiros em Ácros, e seu coração congelou dentro do peito. Eles eram mortos-vivos com corpos mutilados e exangues, trazidos até aqui por Belzenlok de algum modo.

Gideon quase fugiu, mas se controlou. Não, não é real. Um clérigo da Cabala em algum lugar dentro das forças que se aproximavam deve estar conjurando invocações de demência em uma grande área. As imagens eram apenas pesadelos puxados de seu subconsciente. O grimnante próximo da sombra gritou “Não é-”

Gideon se lançou, com a lança apontada diretamente para o buraco aberto no peito da sombra. Ele a atingiu no centro e a sombra cambaleou, rugindo furiosa. Gideon correu, e a sombra se apressou atrás dele.

Antes de alcançar as árvores, Gideon deu uma olhadela para cima, para garantir que o batedor aviano que voava alto acima dele tinha visto. O batedor daria um sinal para que Rael mandasse as tropas benalianas sobre os grimnantes que contavam com a liderança da sombra aterrorizante. O truque com as sombras é o seguinte, Liliana lhe contara, é que sentem fome o tempo todo e os miolos já viraram mingau. Se você antagonizar o suficiente, vai te perseguir e ignorar completamente as ordens que tinha.

Gideon disparou colina abaixo. Ele desviou por dentro de um bosquete encharcado de árvores, e deslizou até parar abruptamente. À frente dele havia uma figura velha e alta, coberta com os restos despedaçados de peles humanas, e mais duas delas pouco atrás. Bruxas-de-pele. Então Josu enviara mesmo todas suas armas formidáveis contra eles.

O primeiro pensamento de Gideon foi desviar e deixar a sombra aterrorizante lutar contra as bruxas-de-pele, pensando que fora uma delas que o atacara. E então ele viu as faces das peles amarradas no pescoço da bruxa mais próxima. Seus olhos marejados se reviravam com dor e horror. Alguma espécie de magia vil mantinha suas vítimas vivas. E então Gideon seguiu sua segunda idéia: quando ela ergueu suas mãos para conjurar um feitiço, ele desembainhou sua espada e se lançou.

A bruxa deu um sopro que formou uma nuvem de ar venenoso e escuro na direção dele. Reagindo por instinto, ele usou sua mágica de escudo, a égide eterna, e o ar venenoso fluiu em torno dele sem causar danos. O primeiro golpe de sua espada a decapitou.

Enquanto a cabeça surpresa da bruxa quicava pela grama e seu corpo se afundava no chão, a sombra aterrorizante pulou para fora do bosquete atrás dele. Ela saltou sobre a primeira bruxa-de-pele que viu, puxando-a do chão e agarrando-a para perto do buraco em seu peito. A bruxa convulsionou e seu corpo se debatia violentamente ao encolher e desmoronar; a sombra aterrorizante estava bebendo sua força de vida.

A última bruxa gritou furiosa e lançou outra nuvem tóxica sobre Gideon. Ele usou seu feitiço de escudo novamente e estocou sua espada na barriga dela, rasgando para baixo para estripá-la enquanto ela lançava outros feitiços. Ao cair ao chão, Gideon sentiu a ilusão em torno dele desvanecer.

Ele se virou para enfrentar a sombra aterrorizante. Espero que o Corin não esteja morto, pensou ele. O jovem mago deve ter sido incapacitado para que o feitiço de ilusão se quebrasse desse modo.

A sombra aterrorizante encarou Gideon sem compreender, e depois rugiu.

O estratagema não funcionara exatamente como queriam, mas o objetivo era manter a sombra confusa e longe das forças benalianas. Não havia motivo para Gideon parar aqui. Ele rugiu de volta para a sombra sobressaltada, e avançou.


Liliana estava de pé na beirada da propriedade da mansão. Ela ouvia a luta ao longe, via os avianos sobrevoando o Brejo. Não muito longe dali, ela ouvia Gideon matar algo grande e raivoso, mas não podia ceder atenção para qualquer coisa além de Josu.

E então ela sentiu algo poderoso se aproximando. Um vento frio se ergueu do charco, movendo a grama alta e tremulando a água das poças enlameadas, partindo galhos frágeis de árvores moribundas. Ela acompanhou o curso do vento, uma concentração de poder necromântico lançado com invocações de demência. E uma fúria gélida.

Liliana conseguia sentir pedaços de seu irmão naquela fúria, fragmentos de memória e uma presença familiar. Ela sabia que não era bom ter esperança em tentar falar com o homem que fora seu irmão. O que restasse da personalidade real de Josu estava enterrada, trancada sob camadas da necromancia de Belzenlok.

Ela transformou este surto de emoção em uma lâmina afiada com um propósito: o tormento de Josu terminaria hoje, e Belzenlok perderia sua ferramenta em Caligo.

Ela mandou palavras pelo vento: Josu Vess, estou aqui. Você me conhece.

A atenção de Josu se alinhou na direção dela, localizando-a com precisão. Raiva e incredulidade fluíam por aquela ligação entre eles. A resposta lhe veio: Isto é um truque.

Ela deixou o vento ouvir sua gargalhada. Com certeza você conhece sua própria irmã.

Um rugido de fúria psíquica a alcançou e ela se virou, caminhando pela terra molhada na direção da mansão.

Ela parou logo à frente das escadas que subiam até o saguão principal, e olhou para trás. Josu saíra da sombra das árvores.

Enquanto ele caminhava, ela não conseguia discernir nada de sua face. A magia que o transformara de um remanescente morto-vivo irracional em um general lich de Belzenlok cobria suas formas com uma armadura de metal negro. Pontas afiadas saíam dos ombros e das costas, e seu elmo pesado cobria suas feições. Ele parou no centro do montículo gramado que fora o pátio da frente da mansão. Então é você mesmo, irmã.

Ela respondeu: Quisera eu te reconhecer assim tão fácil, irmão. Seu mestre mudou muito em você.

Foi você quem me mudou. A ira coloria seu tom de voz, que de um modo perverso o fazia ter uma voz mais próxima à dele, apesar de que o Josu de quem ela se lembrava nunca estivera realmente com raiva dela. Você fez isto comigo.

Ele tinha razão: seu feitiço corrompido de cura permitira de algum modo que Belzenlok o reerguesse. Você sabe que eu só queria ajudar. Eu fui enganada, minha magia— Ela se controlou. Era uma armadilha conversar com ele nesta forma. Eles não podiam conversar livremente antes de ela remover esta maldição. Ela deu o primeiro passo na direção do saguão principal.

Ele seguiu atrás dela e ela correu escadaria acima, atravessando o saguão até o lugar onde Belzenlok realizara sua mágica. Ela se virou e Josu estava quase sobre ela, se assomando com seu martelo de guerra erguido. Ela agarrou o Véu Metálico.

Os Onakke presos no Véu Metálico sussurraram na mente dela enquanto ela tomava poder bruto. Ela tinha uma vaga consciência dos mortos-vivos espalhados pelo Brejo que caíram como pedras quando o Véu puxou todo o poder necromântico que os animava. As linhas em seu corpo começaram a queimar, mas ela conseguia ver Josu claramente agora - uma figura menor enterrada na armadura, o homem que ele fora antes de sua mágica destruir a vida dele, antes de Belzenlok transformá-lo. Seu cabelo negro e pele empalidecida, feições tão parecidas com as dela... Impossível, percebeu ela. Ele usava invocações de demência nela, nublando sua visão. Ela tinha que agir agora.

O poder dos Onakke no Véu Metálico fluiu através dela como uma explosão de fogo.

Acabou em apenas um instante, tomando as forças dela junto. Ela cambaleou, com o corpo fraco de repente, como se fosse um fantoche desamarrado. Ela queria cair ao chão, mas amontoado à sua frente no piso de pedra estava o corpo em decomposição de seu irmão. Ele olhava para ela com olhos vazios.

A luz gris daquele dia a deixou ver os ossos através das lacunas em sua pele ressequida. Atordoada, ela olhou para cima, notando que metade do teto do saguão principal se fora. O poder necromântico de Belzenlok mantivera o saguão intacto; quando o Véu Metálico destruiu o feitiço, a casa envelheceu até virar uma ruína despedaçada. Ela não tinha certeza de quanto tempo se passara, mas através dos buracos na parede da frente ela pôde ver Rael e seus soldados benalianos ali no pátio da frente, e Gideon subindo as escadas cautelosamente.

Ela tremia de exaustão e sangue escorria das linhas de seu pacto. Ela sabia que a presença de Josu aqui era apenas temporária, apenas os restos dissipando de seu corpo e alma. Em um momento ele se iria afinal, para descansar. Incerta se ele a ouviria ou não, ela disse: “Josu, está tudo bem. Acabou. A maldição da Casa de Vess acabou.”

Mas seu maxilar ossudo se abriu e ele disse, rouco: “Não pode terminar, Liliana. Não enquanto você ainda estiver viva.”

O ódio bruto na voz dele a chocou. “Como assim?”

O que restara de seus lábios demonstrava desprezo. “Você destruiu a Casa de Vess, Liliana.”

Liliana meneou a cabeça. Ele deve estar confuso, com a memória afetada pelas mágicas de Belzenlok. “Josu, eu não estava aqui-”

“É claro que não estava.” A voz de Josu se endireitou mesmo que o corpo falhasse. “O que você acha que aconteceu depois que você partiu? Eles morreram. Todos eles. Nosso pai tentou me pôr para descansar. Eu mesmo o matei. Nossa mãe levou nossas irmãs, buscando uma cura para mim. E procurando por você. Ela pensava que você tinha sobrevivido, que alguém tinha roubado você. Ela seguiu o rumor de uma magia que podia me salvar, e a jornada a matou. Outros tomaram o fardo: nossas irmãs, nossos primos, tentando me derrotar, me destruir. Todos eles morreram.” Ele desvanecia agora, fragmentos do seu próprio corpo desaparecendo na poeira soprada pelo vento. “Você me matou. Você os matou. É você, Liliana. Sempre será você. Você é a maldição da Casa de Vess."

E então ele se foi.

Art by Eric Deschamps
Ilustração: Eric Deschamps

Liliana cambaleou sob o peso das palavras dele. Ele esteve morto-vivo este tempo todo, por todos estes anos. Um choque gélido a banhava. Era horripilante. E era ainda pior - sua família, todos morreram tentando acabar com o mal que ela criara. Foi um acidente, disse ela para si mesma. Eu fui enganada. Mas isso não importava. O resultado fora o mesmo que seria se ela tivesse intencionalmente destruído sua família.

Gideon veio na direção dela. Sua expressão era chocada e ele disse, “Liliana, eu sinto muito-”

Ele ouviu. Ele ouviu tudo, pensou ela, com a mente rodopiando. Mas ela cerrou o maxilar e se recusou a ser humilhada. Quando ele estendeu o braço para lhe oferecer apoio, ela sacudiu a cabeça e deu um passo para trás. Ela forçou sua espinha a endireitar. Ela não enfraqueceria. Ela sobrevivera a coisa pior do que isto. E Belzenlok pagaria por sua participação nisto. Pagaria pelo sofrimento do irmão dela. Pagaria por descobrir que ela causara a destruição de sua família.

Com a voz endurecida pela fúria, ela disse: “Se Belzenlok pensa que isto vai me impedir, ele é um tolo. Eu vou abrir esta Fortaleza à força, abater seus grimnantes, e destruir seu legado. Não importa o que precise. Se eu sou uma maldição, então que eu seja a de Belzenlok!”


Dominária Arquivo das Histórias
Perfil do Planeswalker: Gideon Jura
Perfil da Planeswalker: Liliana Vess
Perfil do Plano: Dominária