“Agradeço por me encontrarem aqui,” disse Ajani.

Jhoira inclinou a cabeça. “Suponho que você queira que eu ajude os planinautas que você mencionou.” Eles estavam na nova ponte de comando do Bons Ventos. Erguida e suspensa por toda a popa do navio voador, com grandes para-brisas que se estendiam de uma parede à outra, ela dava uma vista ampla para o céu matutino de Bogardan, o acampamento da equipe de reconstrução, a praia e a enseada abaixo. Os outros estavam no convés aberto abaixo da ponte de comando, onde Tiana e Arvad ajudavam Shanna e Raff a trazerem o restante dos suprimentos a bordo, e estocar tudo embaixo do convés.

A aparição repentina de Ajani causara um certo nível de confusão. Até mesmo para pessoas acostumadas com magia, era assustador ver um humanoide musculoso e alto com pelo branco e a cabeça de um felino predador com um olho só materializando-se em pleno ar. Felizmente, a maior parte da equipe de reconstrução já havia embarcado no navio de suprimentos para voltarem para suas casas, e os poucos que ainda ficaram na praia para dar adeus a Jhoira estavam acostumados a ocorrências estranhas.

Jhoira só havia visto Ajani uma vez, quando ele a contou que era um planinauta, e pediu por sua ajuda. Eles combinaram de se encontrarem novamente ali, mas Jhoira queria ter chegado cedo o suficiente para se reacomodar com o Bons Ventos reconstruído antes disso. Agora, ela tinha que se concentrar na conversa quando tudo o que ela realmente queria era correr as mãos pela madeira lisa do console de navegação, pegar a escadaria atrás da ponte de comando e descer para examinar os motores reconstruídos e explorar o labirinto de cabines e salas comunais, e as galés. A semente de Molimo ocultara os ossos do navio voador de um jeito completamente diferente, e fantasmagoricamente familiar.

“Sim, devemos encontrá-los,” disse Ajani. Ele não parecia perceber como Jhoira estava distraída, estando obviamente ocupado com seus próprios interesses. O que quer que ele quisesse dizer... Ele parecia relutante em começar. “Mas antes, preciso perguntar . . .  Você sabia que o planinauta chamado Karn foi encontrado e resgatado dos phyrexianos? Que ele voltou a Dominária?”

"Não! Eu não- você tem certeza?” O choque e a onda de alívio fizeram seu coração pular. Ajani assentiu gentilmente. Jhoira virou-se e ocultou sua face, para que sua onda de emoção fosse privada. Sua coruja mecânica pousou em seu ombro, chilreando ansiosamente, atraída pela agitação repentina. Estou bem, ela a disse, e com outro pensamento ela a enviou escadaria abaixo, até o convés do Bons Ventos. Ela respirou fundo e se virou para Ajani, para perguntar onde Karn estava. As feições de Ajani estavam tão diferentes que era difícil ler sua expressão facial, mas o desalento em seu olhar dizia muito. Ao invés de perguntar sobre Karn, ela perguntou: “Tem algo errado? Karn está ferido?”

“Ferido, não.” Ajani hesitou. “Você também conhecia o planinauta Venser?”

“Sim.” Jhoira notou o verbo no passado, e sentiu náusea. “Por favor, só me conte o que aconteceu.”

Ajani deu um suspiro. “Venser cedeu sua centelha a Karn, para resgatá-lo. Venser não sobreviveu.”

Jhoira caminhou até a bússola, passando a mão pelos cabelos. Ela não queria acreditar, mas era exatamente o tipo de coisa que Venser faria. Após seu alívio por Karn, que tristeza esmagadora... Venser não era muito mais velho do que Raff quando ela o conhecera, e ela o amava como a um amigo, apesar de ele sentir mais do que isso por ela. De costas para Ajani, ela perguntou: “É por isso que o Karn não veio me procurar?”

Ajani sacudiu a cabeça. “Eu não sei. Mas . . . parece uma suposição natural.”

Eu tenho que encontrá-lo, pensou Jhoira. Karn era amigo dela também, e seu pesar por Venser era compartilhado. Ela esfregou os olhos. Temos outras coisas para lidar, primeiro. Ela indagou: “E Phyrexia?”

“Um plano de existência inteiro caiu nas mãos deles, mas estão contidos lá. Outros planos de existência não devem estar em perigo.” Ajani parecia certo disso.

Jhoira queria perguntar mais coisas, mas ela ouviu Tiana chamá-la do convés. O Bons Ventos estava pronto para partir, e ela não queria perder mais nenhum momento. O trabalho por vir seria uma distração muito bem-vinda. Ela correu as mãos pelo console de navegação e disse: “Agradeço por me trazer notícias. Não pode ter sido um fardo fácil de carregar. Vamos buscar seus amigos, então?”

Ajani assentiu com uma expressão gentil, obviamente reconhecendo um desejo de privacidade em seu sorriso oco.


Os portões para a capital de Benália eram impressionantes, construídos com o vitral mágico benaliano que cintilava no sol da manhã. Eles tinham mais de quatro andares de altura, e estavam fixados em muralhas altas de rocha cinzenta, com torres estreitas e arcos no topo. Gideon teria apreciado mais a vista se a passagem não estivesse bloqueada no momento. Uma dúzia de anjos de batalha se plantaram na estrada, parando não somente o grupo deles mas também todos os vagões de mercadores e outros viajantes que tentavam passar.

Art by Jonas De Ro
Ilustração: Jonas De Ro

Gideon estava a cavalo e não se preocupou em desmontar. Atrás dele estavam Liliana e uma pequena tropa dos homens de armas de Rael. Sem se incomodar em tirar a ironia da voz, ele perguntou aos anjos: “Há algum problema?”

O anjo que as liderava disse: “Eu sou Lyra, Portadora da Alvorada, comandante dos anjos de Serra. Sua companhia fede a magia de morte, e não terá permissão de adentrar esta cidade.”

“Ai, sério,” murmurou Liliana, enojada.

Gideon deu um suspiro calmante. Não era hora de lutar, especialmente contra quem deviam ser aliadas deles. “Como você vê, viajamos com soldados de Benália,” começou ele.

Lyra o interrompeu: “Você e eles são bem-vindos. A necromante, não.”

Gideon não estava com paciência. Fora um longo caminho até aqui, e ele sabia que os mensageiros avianos de Rael já tinham trazido notícias da batalha antes que eles chegassem. “A ‘necromante’ é uma demonicida. Ela já matou três demônios e foi instrumental na derrota da Cabala em Caligo; viemos aqui para matar Belzenlok.”

Liliana perdeu um fôlego, exasperada. “Por que você está contando nossos planos a todo mundo? Quer gritar um pouco mais alto? Tenho certeza que deve haver pelo menos um cultista da Cabala no interior que não te ouviu.”

Gideon travou o maxilar. “Não estou contando a todo mundo, estou falando com a comandante da Ordem de Serra.” Ele apontou, enfaticamente. “Aquela ali, com as asas.”

“Ah, nem tente ser sarcástico, você é péssimo nisso,” replicou Liliana. “E isso não quer dizer que você pode confiar nela. Como você sobreviveu esse tempo todo sendo assim ingênuo?”

Gideon olhou por cima do ombro e disse: “As forças da Ordem confiaram em nós no Caligo, e ajudaram você com o seu problema particular. O mínimo que podemos fazer é confiar em troca—”

Liliana o interrompeu: “Não é o mínimo que podemos fazer!”

“—E nós já sabemos que o Belzenlok sabe que estamos aqui!”

Lyra olhou para Gideon e para Liliana com uma sobrancelha erguida. Thiago cavalgou até ela deles e entregou um papel dobrado. “Comandante, Portadora da Alvorada, esta é uma carta de Rael, anjo de batalha do Caligo, onde ela atesta pela necromante Liliana pessoalmente.”

Lyra pegou o papel e o abriu. Ela perguntou a Thiago: “Eles vieram desse jeito desde lá de Caligo?”

Thiago suspirou. “Sim, Comandante, a cada passo.”

Lyra leu a carta por cima. Após um longo momento, ela admitiu, com má vontade: “Pois bem. Podem entrar na cidade.”

Com um tom altamente sarcástico, Liliana começou: “Ora, mas muitíssimo obrig-” mas com um bater de asas ríspido, Lyra ganhou os ares. Os outros anjos a seguiram, e o ar deslocado bagunçou os cabelos de Gideon e fez seu cavalo pisar forte.

Enquanto Liliana murmurava comentários grosseiros, Gideon estava apenas aliviado que o obstáculo fora removido. Ele se virou para Thiago. “Precisamos encontrar algum lugar alto, como o topo de uma torre. Alguma sugestão?”

Thiago disse: “Com isso eu posso ajudar.”


Flâmulas brancas voavam por todos os lugares, e eles passaram por um pátio com estátuas dos heróis benalianos em armadura dourada. Depois do Brejo, foi muito bom cavalgar para uma cidade viva, movimentada e cheia de energia, com muitos humanos e avianos em roupas de civis, vivendo suas vidas. Ainda havia soldados e cavaleiros pelas ruas, e até mesmo alguns dos cavalos alados enormes - mas apesar da capital de Benália ter uma guarda ostensiva, ela não estava sob cerco. Ainda, pensou Gideon. Ele detestaria ver este lugar, e as cidades prósperas do interior em volta dela, no mesmo estado que o Caligo.

Art by James Paick
Ilustração: James Paick

Thiago os ajudou a conseguir permissão para que esperassem no topo de uma das torres de sinalização da guarnição benaliana, que também tinha uma plataforma de pouso para a conveniência de anjos e avianos. Gideon apenas disse que esperavam um amigo, mas como Thiago estava acostumado a idas e vindas de guerreiros alados, ele não viu nada de incomum. Gideon agradeceu a ele e disse: “É o mínimo que eu posso fazer, depois do que fizeram pelo Caligo. Vocês dois. Boa sorte.”

Gideon deu uma olhadela para Liliana, tentando ver que efeito tal gentileza fizera nela, mas ela já tinha se virado. Ela sentou-se em um banco de pedra próximo da plataforma. No caminho até aqui ele se preocupara com ela. Ela ainda não falara sobre o irmão, e Gideon não tinha certeza se ela percebeu que ele ouvira as últimas palavras de Josu. O uso do Véu Metálico tem um preço caro, drenando suas forças, mas eles tiveram que partir para a capital de Benália quase imediatamente.

Quando ele sentou ao lado dela, ela perguntou: “Então, por que o Ajani queria encontrar a gente em pleno ar?”

Gideon recostou-se na parede, descansando seu ombro ainda dolorido. “Eu não sei. Deve ter um bom motivo, com certeza."

Liliana replicou: “Deve ter um motivo pretensioso, com certeza."

Eles esperaram por tempo suficiente para que Liliana adormecesse. E então Gideon notou algo pequeno e dourado revoando pelo ar e ficou de pé, imaginando que seria um mensageiro. A coisa pousou no parapeito, e ele viu que era uma pequena coruja mecânica. “É um trabalho de magestria bem complexo, esse,” comentou Liliana, bocejando e ficando de pé.

“Esse aí também,” disse Gideon quando o navio voador gigante desceu na direção deles.

Art by Tyler Jacobson
Ilustração: Tyler Jacobson

A discussão começou assim que eles embarcaram no Bons Ventos e subiram as escadas até a espaçosa ponte de comando. A seção da frente, onde o timão e o pilar da bússola ficavam, era quase toda envidraçada e tinha uma vista espetacular da capital de Benália. Ajani mal lhes deu tempo de conhecer a Capitã Jhoira, Shanna Sisay e Raff Capasheno antes de perguntar a Gideon: “Onde estão os outros? Por que não estão com vocês?” E isso forçou Gideon a começar uma explicação longa e desconfortável.

Liliana ficou lá com os dentes cerrados por todo o tempo que conseguiu. A parte dela enterrada há tanto tempo, que ainda lembrava ser uma filha da Casa de Vess, via a coisa toda de um jeito muito rude e desrespeitoso. Gideon estava lá sendo irritante como de costume, explicando tudo com uma calma aparente. Pelo menos ele deixou qualquer menção a seu irmão de lado, fazendo parecer que eles teriam derrubado o Lich do Caligo simplesmente porque era o único meio de derrotar a força da Cabala que lá estava. Foi um alívio; ela poderia imaginar que Ajani talvez tivesse até pena, pelo menos de Josu, e ela não conseguiria suportar esta ideia. A pena dele seria mais do que o temperamento dela conseguiria aguentar.

E a menção do Vazio por Josu ainda lhe dava um arrepio nos ossos. O que ele queria dizer?

Ajani disse pesaroso: “Eu temia isto. Eu não sei como poderemos derrotar Nicol Bolas agora. Vocês não deveriam ter ido até Amonkhet.”

Liliana não aguentava mais. O Véu Metálico pesava ao lado do corpo, puxando suas forças mesmo agora, tanto tempo depois de tê-lo usado. Ela queria uma briga raivosa com alguém, e Ajani era um alvo muito melhor do que Gideon. Com um controle gélido, ela disse: “Você quer parar de resmungar e ouvir o nosso plano? Ou nos deixar sentar? Gideon ainda está se recuperando do ferimento, sabe? E não que você se importe, eu também não estou me sentindo bem.”

O jovem mago Raff tentou oferecer um lugar para sentarem, mas Ajani virou seu olhar arrependido para ela. “Eu sei que a maior parte disto é por sua causa, necromante. Você e seus demônios—”

“Liliana, pare,” interrompeu Gideon. “Ajani, a decisão foi minha e eu aceito as consequências.”

Ajani virou-se para Gideon com o olhar exasperado. Mas o tom de voz dele ainda era irritantemente calmo quando ele disse: “Aceitar as consequências é algo admirável, mas o dano feito em Amonkhet não terá conserto.”

“Não posso argumentar contra isso,” disse Gideon. Liliana espumava de raiva, mas ao menos a calma de Gideon agora era uma arma mirada em Ajani. Talvez eles conseguissem lutar calmamente “com mais tristeza do que raiva” um com o outro até virarem pedra ali mesmo. Não é má ideia, pensou Liliana, começando a considerar seriamente como fazer isso acontecer, pelo menos com Ajani. Gideon continuou: “Mas nós falhamos em Amonkhet porque Liliana ainda estava presa a seus contratos demoníacos. Depois que matarmos Belzenlok, ela estará livre para utilizar seu poder inteiro contra Nicol Bolas.”

Ajani persistiu. “Você precisa me ouvir e não perder seu tempo aqui.”

“Livrar Dominária de Belzenlok é uma perda de tempo?” Indagou Liliana, de supetão.

“Não foi isso que eu quis dizer,” disse Ajani, com tanta paciência que Liliana estourou como um graveto seco.

“Você não viu o que ele fez com o Caligo!” Irrompeu ela. “Tudo o que eu conhecia destruído, transformado em lama podre. Temos que acabar- temos que-” Ela notou abruptamente que disse mais do que queria, que havia se exposto terrivelmente. As pessoas novas a encaravam com pena; Shanna estava particularmente assentindo com a cabeça, como se a entendesse perfeitamente - e aquilo tudo era horrível. Liliana cruzou os braços e ergueu o queixo, determinada a encarar a situação com bravura. “Preciso estar livre do meu pacto antes de poder lutar suas batalhas, Ajani, é simples assim.”

Ajani não respondeu, mas a observou cuidadosamente com seu olho bom. Gideon disse: “Pretendemos continuar a lutar, Ajani. Mas devemos primeiro destruir Belzenlok.”

Ajani observou Gideon firmemente, e depois seu olhar voltou para Liliana. Ela sabia que parecia teimosa e enraivecida e incomodada, e tentou compor sua expressão até alcançar seu usual ar de desprezo e zombaria. Ela não tinha certeza se havia conseguido.

Ajani pareceu ter tomado uma decisão. Finalmente, ele falou. “Entendo. Eu não posso ajudar vocês aqui. Preciso encontrar mais planinautas para a batalha contra Nicol Bolas.”

Gideon não hesitou. “Assim que pudermos, encontraremos você.”

Ajani o cumprimentou com a cabeça, séria e respeitosamente. “Cuidem-se.”

Sombras douradas se formaram em torno dele enquanto ele se virava, como se atravessasse um campo de trigo alto. E então, após uma batida de coração, ele desapareceu ao caminhar para fora deste plano de existência.

Raff acenou para o espaço vazio. “Tchau, foi legal te conhecer. Volte sempre que quiser ter uma discussão inexplicável entre planinautas na frente de estranhos.”

Shanna deu-lhe um empurrão de leve. “Agora não, Raff.”

Gideon suspirou e virou-se para Jhoira. “Peço desculpas por discutir na sua ponte de comando. Obviamente Ajani imaginava que partiríamos com ele. Se quiser, nós vamos—”

“Não, claro que não.” A calma de Jhoira tinha um tom de aço. “Ajani pode ter seus próprios planos, mas eu mandei reconstruir este navio única e exclusivamente para lutar contra a Cabala, e destruir Belzenlok é um primeiro passo excelente. Ficaríamos felizes com a ajuda de vocês.”

“Por quê?” Com algum esforço, Liliana manteve seu tom de voz curioso e não acusatório. Ela não queria recusar ajuda e não queria sair deste navio voador que era obviamente confortável, mas não queria ser enganada novamente. “Qual é o seu interesse em matar Belzenlok?”

Jhoira deu um sorriso miúdo. “Não sou planinauta; este lugar é o meu lar, e tenho interesse em protegê-lo. Faço isso desde antes da invasão phyrexiana.” Que interessante. Liliana ergueu as sobrancelhas, e Jhoira adicionou: “Sou mais velha do que pareço.”

Shanna encolheu os ombros e disse: “Eu luto contra a Cabala em qualquer forma que apareça. Se nos livrarmos de Belzenlok, vai ficar muito mais fácil.”

Raff acenou. “Eu sou novo aqui. Na verdade, eu comecei hoje. E você não conheceu os outros ainda, mas a Tiana é um anjo de Serra e o Arvad é . . .  o Arvad, mas ele quer destruir o Belzenlok também.”

Liliana não notou falsidade da parte deles, e como especialista em embustes, era algo que ela deveria conseguir detectar. Parte dela não queria novos aliados; ela queria ficar sozinha com sua raiva e com as revelações dolorosas sobre sua família. Mas ela sabia que estava ainda mais incapaz de matar Belzenlok sozinha do que quando chegaram em Dominária. Ela lançou um olhar para Gideon, que disse: “Nós todos temos o mesmo objetivo, mesmo que seja por motivos diferentes. Vamos sentar e conversar sobre como podemos nos ajudar.”

Jhoira os levou pela escadaria até um compartimento no convés inferior, abaixo da ponte de comando. Era um cômodo amplo com uma mesa de reuniões, e mais janelas longas que tinham vista para o céu, e para a cidade abaixo. Eles também conheceram o anjo Tiana, que parecia menos arrogante do que os outros anjos que Liliana conhecera, e Arvad, que aparentemente era um vampiro reformado.

Ao sentarem-se, Liliana admitiu: “Eu sei que seria tolice não cooperar. Mas precisamos de um novo estratagema. Meu plano antigo caiu por terra quando nossos planinautas aliados foram embora.”

Sempre o otimista iludido, Gideon disse: “Acho que conseguimos recuperar Chandra . . .  se a encontrarmos.”

Preocupada, Liliana lhe disse: “Mesmo que ela ainda esteja em Dominária, seu poder não é suficiente para nos colocar dentro da Fortaleza. Sem Nissa, não teremos força bruta.” Ela fez um gesto frustrado. “E ainda temos que encontrar outro meio de matar Belzenlok.”

“Precisamos de informação.” Jhoira uniu as pontas dos dedos. “Venho observando a Fortaleza por anos, e uma coisa que eu descobri é que suas defesas mudam constantemente, e os caminhos para dentro e para fora são reconstruídos dependendo da vontade de Belzenlok.”

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Ilustração: Jonas De Ro

Liliana fez uma careta. A situação era ainda pior do que ela esperava.

Mas Shanna disse: “Precisamos capturar um agente da Cabala de alto calão. Eles dão relatórios a Belzenlok pessoalmente, e terão informações sobre a estrutura atual da Fortaleza, as armadilhas que a cercam, e o melhor meio de entrar.” Ela olhou para Tiana. “Será que teria algum aqui? Será que os anjos nos ajudariam a encontrar um deles?”

Tiana considerou a ideia, com dúvida no olhar. “Os anjos alocados na capital de Benália procuram agentes, e os matam. Não acho que encontraríamos nenhum vivo, aqui.”

O vampiro Arvad esteve ouvindo silencioso até agora. Ele disse: “Tiana está certa. Se ainda há algum lugar em Dominária onde agentes da Cabala não têm domínio, é a capital de Benália. Teremos que ir até outro lugar para encontrar um.”

Raff pulava entusiasmado. “Ah, já sei! A última vez em que estive na Tolária Ocidental, havia rumores de agentes da Cabala na academia. Não é longe daqui, especialmente na velocidade do Bons Ventos. Estaríamos lá antes do pôr-do-sol para ver se capturaram algum-”

Toda essa conversa construtiva melhorava o humor de Liliana, apesar de tudo. Além disso, viajar rápida e confortavelmente ao invés de perambular por aí a pé, a cavalo ou de barco parecia ideal. Ela disse: “Se não conseguiram, talvez nós consigamos tirar um do esconderijo.”

“É um bom plano,” concordou Gideon.

Jhoira olhou para cada um sentado à mesa. “Então estamos decididos. Vamos para Tolária Ocidental.”


Meio dia depois eles se aproximavam de Tolária Ocidental, e Liliana saiu para o convés com os outros. Ela teve a chance de dormir na cama de uma das cabines confortáveis, e sentia-se menos parecida com algo que tivesse sido mastigado por crocodilos mortos-vivos.

Eles viajaram sobre um mar azul estonteante, e agora estavam chegando em uma série de ilhotas com arvoredos, cercadas por recifes e baixios. Na praia da ilha maior ficava a academia de magos tolarianos, um complexo de edifícios de rocha branca com telhados íngremes pintados de vermelho. Uma torre alta tinha um instrumento gigantesco embutido que parecia muito com um astrolábio, mas provavelmente não era. Era obviamente o mesmo tipo de magia que produzia as maravilhas mecânicas do Bons Ventos, a coruja de Jhoira, e os equipamentos de artífice que Raff carregava.

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Ilustração: Jonas De Ro

Quando o Bons Ventos chegou na torre mais alta, já havia gente aparentemente importante esperando por eles em uma sacada ampla. A parte boa de chegar no Bons Ventos, supunha Liliana, era que você não tinha que matar ninguém para chamar a atenção das autoridades com quem você precisava conversar.

Ao se aproximarem o suficiente para ver quem os aguardava, Liliana sentiu Jhoira ficar tensa. “Problemas?” Indagou ela.

“Não.” Jhoira parecia estar entre arrependida e impaciente. “Só um ex-amante que não esperava ver hoje.”

“Ex-amantes dão muito trabalho,” concordou Liliana. “Eles desaparecem, não dizem aonde estão indo, e arruínam todos os seus planos.”

Gideon, que não devia estar perto o suficiente para ouvir, disse: “Tenho certeza de que não foi isso o que aconteceu. Jace nunca—”

“Não é da sua conta,” disse Liliana, interrompendo-o com rispidez. A última coisa que ela queria era a opinião de Gideon sobre sua vida amorosa. Na verdade, a última coisa que ela queria era a opinião de Gideon, fim.


Eles deixaram Tiana e Arvad no convés para guardar o Bons Ventos- Tiana apoiada em sua enorme lança e as presas de Arvad brilhando na luz do fim do dia. Era uma precaução que Gideon aprovava. Qualquer agente da Cabala que tentasse entrar furtivamente lá descobriria que viera ao navio voador errado. Enquanto Gideon descia a escada de corda, os outros estavam de pé na ampla sacada de pedra. Um grupo de acadêmicos tolarianos os aguardavam, e o vento forte do mar puxava suas vestes azuis. À frente estava um homem mais velho com feições endurecidas, e um mago com aparência estranhamente jovem e uma juba de cabelos castanhos. Gideon não teve dificuldade alguma em adivinhar qual deles era o antigo amante de Jhoira.

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Ilustração: Yongjae Choi

O jovem mago deu um passo à frente. Calmo e comportado, ele disse: “Jhoira.”

Jhoira inclinou a cabeça, com uma leve ironia em sua face. “Jodah.”

Raff se interpôs rapidamente e apresentou o homem mais velho. “Este é Naban, o Deão de Iterações.”

Naban os cumprimentou com a cabeça. “A que devo esta honra?”

Algo no tom do homem indicava que ele estava muito ocupado e eles estavam interrompendo algum trabalho importante. Bem, é uma pena, pensou Gideon, sem paciência para se importar. A missão deles era urgente demais.

Jhoira explicou: “Nós nos encontramos em uma situação onde precisamos extrair informações de agentes da Cabala. Raff disse que vocês estavam com problemas para tirar um deles da Academia.”

Naban ergueu uma sobrancelha de reprovação para Raff, mas Jodah ficou pensativo. Ele disse: “Nos dê um momento, por favor.”

Ao sair com Naban para conversar, Gideon falou com Jhoira e Shanna em voz baixa: “E o que vocês acham disso?”

Jhoira observava o deão com um ar especulativo. “Acho que Raff estava certo sobre o problema com agentes da Cabala.”

O olhar de Shanna estava nos outros acadêmicos. “Eles tiveram problemas aqui. Estão nervosos, incomodados.”

Ao observarem, Naban parecia ser relutantemente convencido pelos argumentos de Jodah. Jodah caminhou de volta até eles. Ele disse: “Não sei ao certo como podemos ajudar vocês, mas tem algo que gostaríamos que vocês dessem uma olhada.”


Gideon estava de pé com os braços cruzados assistindo Liliana sentar-se no banco do lado e realizar um feitiço. Este cadáver era mais uma jovem, vestida com os robes azuis e brancos de estudante. A magia a tomou, e fagulhas de luz violeta correram pela pele do cadáver que já acinzentava. Seus olhos se abriram e ela sentou-se, com o olhar travado em Liliana. Ela disse: “Aí está você. Agora, conte o que você viu.”

Eles estavam em um dos laboratórios de risco da academia, um lugar onde experimentos perigosos de magia eram realizados, e estranhos objetos mágicos eram examinados. Ele tomava todo o topo de uma das torres mais altas, mas somente nesta sala principal - este espaço abobadado amplo e alto - tinha janelas estreitas protegidas por barras de metal e proteções mágicas. A luz das janelas diminuíra com o pôr-do-sol, e globos de cristal brilhavam flutuando em pequenas plataformas de iluminação construídas por artífices. Jaziam no chão nove cadáveres, estudantes e servidores da academia. Era uma visão sombria; a maioria era jovem, e pelas feições enrijecidas, eles morreram em tormento.

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Ilustração: Josu Hernaiz

Raff estava debruçado sobre uma mesa, examinando os equipamentos mágicos que as pessoas assassinadas carregavam. Jodah estava a alguns passos de distância com Jhoira e Shanna, respondendo a suas perguntas em voz baixa. Ele dizia, “A escadaria onde foram encontrados leva aos arquivos, e três torres de laboratório diferentes. Não temos ideia do que o intruso estava tentando acessar.”

“E não houve som algum?” Perguntou Jhoira, consternada e com o cenho franzido.

“Nada,” respondeu Jodah. Ele deu uma olhadela para os corpos, com arrependimento obviamente entalhado na ruga em sua testa. “Ainda estamos tentando remontar a linha do tempo, mas todos os eventos aconteceram muito rapidamente.”

O cadáver sussurrou para Liliana: “O chão virou água, eu afundei nele. Eu não conseguia respirar. Tinha serpentes na água, como aquelas do recife de fora, de quando eu era nova, elas vieram pra cima de mim-”

A boca de Liliana torceu impaciente. “Sim, sim, mas você viu alguém? Algum rosto de que você se lembre?”

“Não, as serpentes-”

Liliana tocou sua testa com o dedo. “Esquece, então. Pode voltar.” Enquanto o cadáver voltava a ficar imóvel, Liliana ficou de pé. “Temo que tenham sido invocações de demência com todos,” disse ela rapidamente. “Tem que ser um clérigo da Cabala, mas nenhuma das vítimas viu quem fez o feitiço.”

Shanna tinha os braços cruzados e o cenho franzido. “Não é certo, isso.”

Liliana deu de ombros. “Vocês disseram que queriam que eu interrogasse os cadáveres...”

“Não, não isso.” Shanna dissipou a questão de Liliana com a mão. “A situação toda. Eu cacei agentes da Cabala nas cidades de Jamuraa, e não é assim que eles operam. Eles são bem mais sutis do que isso, eles têm que ser.”

Confuso, Raff olhou para ela, tirando os olhos da mesa. “Achei que eles eram mais como amoques.”

“Os grimnantes e outros lutadores, sim,” afirmou Shanna. “Mas os agentes devem conseguir se mesclar, entrar nos lugares e ficar perto das pessoas que querem espionar.” Ela gesticulou para a fileira de corpos. “Matar todas essas pessoas de uma vez é certamente algo que eles fariam, mas também atraiu atenção demais. Eles falharam em tentar adentrar os arquivos ou outros laboratórios, e agora a academia inteira está em alerta.”

Gideon imaginou que seria um ponto válido, mas Liliana não parecia convencida. Ela disse: “Talvez seja um agente muito burro. Cultistas da Cabala não são muito espertos, sabe...”

“Então por que esse ainda não foi pego?” Replicou Jhoira.

Gideon olhou mais uma vez para os cadáveres. Ele tinha certeza de que Shanna estava no caminho certo. “Então você acha que é uma distração... Mas do quê?”

Jhoira virou para Jodah. “Não houve mais nenhuma perturbação dentro da academia?” Os dois pareciam muito mais reconciliados com a presença um do outro, assim concentrados em resolver outro problema. Gideon se viu desejando que Liliana e Jace pudessem ser eficientes assim.

“Não, a academia inteira está em alerta desde então, e enviamos avisos para as outras ilhas.” Jodah carregava uma expressão grave. “Me ocorreu que isto poderia ter sido uma tentativa de chamar atenção para outra área da academia.”

Shanna andava de um lado para outro ao longo dos caixotes. “Você pode dizer exatamente o que aconteceu quando os mortos foram descobertos? Que medidas foram tomadas?”

Jodah considerou tudo. “Curandeiros foram chamados para conferir se ainda havia chance de revivê-los. Ao mesmo tempo, os arquivos foram revistados por completo, e garantimos que . . .  certos selos permaneciam intactos. Neste ponto os curandeiros determinaram que as vítimas foram mortas por feitiçaria, e os corpos foram trazidos até este laboratório aqui, para exames.”

Shanna virou-se erguendo uma sobrancelha. “Trazidos por quem, exatamente?”

“Pelos assistentes dos curandeiros, alguns estudantes . . . " Jodah parou, semicerrando os olhos.

Jhoira sorriu. “Ah, isso foi esperto. Raff, guarde a porta.”

Gideon desembainhou sua espada. “Precisamos fazer uma busca.” Era um alívio saber que o que procuravam estaria ali perto, ainda em algum lugar desta torre segura, mas eles tinham que ser cuidadosos. Agora, este agente da Cabala não tinha nada a perder.

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Ilustração: Seb McKinnon

Raff apressou-se para a entrada principal, apoiando suas costas contra as paredes de madeira pesada e entalhada. “Hã... O que exatamente a gente descobriu?”

Liliana fez um gesto irritado. “Este lugar aqui era o alvo, desde o começo.”

Gideon foi na direção do arco aberto que levava mais para dentro desta torre de laboratórios. O saguão estava liberado, não havia ninguém nas sombras. “O agente matou estas pessoas para serem trazidas até aqui, para serem examinadas. Este número de vítimas precisaria de pelo menos o dobro de aios para carregá-los—”

A face de Jodah endureceu. Ele chegou para o lado de Gideon e disse: “Nós não contamos o número de estudantes que vieram ajudar. Não sabemos quantos entraram e quantos saíram.”

“Você tem alguma ideia do que o agente possa querer aqui?” Jhoira moveu-se até a escadaria para olhar para cima, e Gideon foi até ela. Eram seis andares de torre acima deles, com plataformas e sacadas se estendendo para fora. A escadaria enroscava para cima sem nenhum apoio óbvio além de magia, tocando as paredes somente nas entradas. A torre era complexa, e parecia ser maior do lado de dentro, comparado com o exterior. Seria uma busca longa e difícil, a não ser que pudessem concentrar suas buscas.

Jodah fez um gesto impaciente. “Tem um número grande de equipamentos e partes de equipamentos guardados aqui. Poderia ser qualquer coisa—”

“E artefatos antigos?” Liliana caminhou até eles casualmente. “É de Belzenlok que estamos falando. Ele não tem interesse em algum equipamento recém-criado, ele vai querer algo antigo que possa usar para se engrandecer.”

“É verdade,” falou Raff lá da outra porta. “Todos os títulos que ele se dá! ‘Patriarca Eterno da Cabala,’ ‘Rei de Urborg,’, ‘Senhor dos Ermos,’ ‘Mestre da Mão de Ébano’—’”

Espiando para cima, para as sombras da escadaria, Jhoira gesticulou para que Raff parasse. “Sim, ele tomou o crédito de toda mudança na história de Dominária, cada cataclismo antigo, e ele vem coletando artefatos supostamente para provar suas alegações.”

Isso parecia mais plausível na opinião de Gideon. Ele perguntou: “Tem algo aqui que é especialmente antigo ou famoso? Ou as duas coisas?”

Jodah franziu o cenho, pensativo. “Acho que sei. Venham comigo.”

Jodah os levou escadaria acima para o terceiro andar, por uma bancada e depois por um arco. Ele se abriu para um cômodo amplo e arredondado com prateleiras altas, que levavam alas profundas e ocultas pelas sombras. Quando os outros entraram, Gideon perguntou a Jodah: “Esta é a única saída?”

Jodah assentiu, e Gideon ficou de guarda no arco. Quando Shanna desembainhou sua espada e ficou ao lado de Gideon, Jodah deu passos largos até uma das prateleiras, erguendo uma caixa. Ele xingou sussurrado e mostrou a caixa vazia para Jhoira. “Sumiu.”

“Mas agora sabemos que estamos certos.” Jhoira parecia satisfeita.

Liliana deu um passo para olhar dentro da caixa vazia. “O que era?”

Antes que Jodah pudesse responder, Shanna disse: “Silêncio.” Ela inclinou a cabeça, tentando ouvir melhor. “Tem alguém aqui.”

Gideon ouviu passos miúdos. Ele ergueu a voz: “Quem estiver se escondendo, mostre-se.”

O silêncio se estendeu, e uma mudança quase imperceptível no ar deixou ainda mais óbvio que alguém estava lá com eles. E então um som de farfalhar veio de uma ala da biblioteca, do outro lado do cômodo. Um jovem usando robes de estudante tolariano apareceu vindo das sombras. Ele disse: “Desculpe, Catedrático, eu estava só trabalhando aqui. Meu nome é Thom, estudo artífice com o Professor Arongi.”

Gideon ergueu as sobrancelhas. Era uma desculpa bastante ruim. Ao mesmo tempo, ele imaginava que era algo que um jovem estudante também faria. Mais cética, Jhoira comentou: “Hoje, com uma pilha de vítimas de assassinato no laboratório principal? Que dedicação.”

Jodah disse friamente: “Você não é um dos estudantes alocados aqui.”

Thom deu um passo à frente, com um olhar de contrição. “Me desculpe. Ajudei a carregar os corpos para cá. Um dos curandeiros disse que talvez fosse precisar de mais ajuda, então eu fiquei e comecei a dar uma olhada nesses textos.” Ele sorriu honestamente. “Eu me deixei levar. Nunca vim a esta torre antes.”

O jovem parecia tão inocente que fazia Raff parecer um libertino de carreira. Gideon estava tentado a acreditar nele, mas então pensou: Se eu fosse agente da Cabala, é exatamente como eu gostaria de me apresentar.

Jodah não parecia convencido. Jhoira observava Thom como se fosse um gavião, prestes a avançar. Ela disse: “E o que é isso na sua mão, Thom? É um equipamento de artífice, não é?”

Art by Matt Stewart
Ilustração: Matt Stewart

O olhar de Thom ficou sério. “Sim, encontrei isto aqui no chão, onde os outros foram mortos.” Ele começou a caminhar, erguendo o objeto. “Eu ia contar aos curandeiros, mas—” Um globo de magia sombria apareceu em pleno ar, e voou pelo cômodo na direção de Jodah.

Jhoira se moveu tão rapidamente que parecia ter teleportado. Na frente de Jodah, ela balançou seus dedos na direção do globo que se aproximava. O ar na frente dela pareceu endurecer, e quando o globo atingiu o ar, ele se partiu como uma bijuteria de vidro. Os fragmentos pularam de volta na direção de Thom.

Gideon gritou e se lançou para a frente, mas Liliana foi mais rápida. Raios púrpura irromperam de suas mãos enquanto as linhas em sua pele se acendiam. Thom recebeu o golpe no peito, e cambaleou para trás. Mas enquanto ele se debatia, ele conjurou sua própria mágica, envolvendo Liliana em uma nuvem negra. Ela perdeu o fôlego e o equilíbrio.

Outra nuvem voou na direção de Gideon quase que imediatamente, mas sua espada brilhou dourada com sua magia de escudo, que defletiu a mágica de volta para Thom. Shanna se lançou na direção da nuvem, atravessando-a. Fagulhas de ouro pularam em torno dela quando ela esbarrou no tórax de Thom. Ela o derrubou no chão e Gideon veio à frente para chutar o objeto mágico de perto da mão dele.

Abruptamente, Thom parou de se debater e seu corpo ficou rígido.

Gideon olhou para trás e viu Jodah chegando ao seu lado, com uma das mãos erguidas. “Ele não pode ferir ninguém agora,” disse Jodah.

Gideon deu a mão para ajudar Shanna a se levantar, e os dois se afastaram. Jodah fez outro gesto, e o corpo de Thom levitou do chão. “Eu o levarei até o laboratório principal, onde poderão falar com ele.”

Ele conduziu o corpo para fora, e Jhoira e Shanna o seguiram. Gideon parou para perguntar a Liliana, “Você está bem? Eu vi que alguma coisa te atingiu.”

Sua pele estava pálida e havia gotículas de suor em sua testa. Mas sua boca se curvou na já familiar expressão de desprezo. “Estou bem. Uma invocação de demência mixuruca não me afeta muito.”

Gideon hesitou, e depois teve que perguntar. “Você viu o Josu, não viu?”

Liliana lhe lançou um olhar gélido, e depois o olhar dissipou e ela olhou para fora. “O clérigo devia ter escolhido outra coisa. Eu vejo o Josu o tempo todo agora.” E então o olhar frio voltou. “Não é um sinal de fraqueza, então se você contar a alguém—”

Gideon suspirou. “Tá, sei, arrancar braços e pernas, tormentos indizíveis, e tal. Vamos ver o que esse agente da Cabala tem a dizer.”


No laboratório principal, Jodah mandou chamar Naban e os outros deões da academia para ouvir a confissão do agente. Enquanto eles tentavam vários meios mágicos de tirar a informação de seu prisioneiro, Jhoira encontrou uma chance de conversar com Jodah. Sua face parecia opaca, mas ela o conhecia bem o suficiente para saber que ele se responsabilizaria pela quebra de segurança da Academia. Ela disse: “Você não pode conferir todo estudante pessoalmente.”

“Nove pessoas morreram. Podem ser mais, da próxima vez.” Ele olhou para ela, parecendo só tê-la visto pela primeira vez agora. “Você podia ficar, e nos ajudar. Com você e sua amiga Sisay, poderíamos encontrar cada cultista da Cabala nas Ilhas das Especiarias.”

Jhoira sentiu seu maxilar travar. “Ela não é a Sisay. O nome dela é Shanna e eu tenho meus próprios planos.”

Com a face retorcida, Jodah apontou para Liliana e Gideon com o queixo. “Ajudar estes planinautas. Tem certeza de que não estão tirando vantagem de você?”

A pulsação de Jhoira latejava em suas têmporas. Ela não gostava do jeito que ele a deixava com raiva assim tão rápido. Ela não gostava de como ele não parecia ter a mínima ideia do que estava lhe deixando com raiva. Ela disse: “Eu sou conhecida por tantas coisas... Não imaginava que alguma delas envolvia ingenuidade.”

Enquanto eles se encaravam, Raff se aproximou. “Capitã Jhoira, tenho um feitiço que talvez possa ajudar.” Ele olhou para o outro lado da sala, onde o Deão Naban lhe lançava um olhar frio e penetrante. “Não era pra eu saber dele, mas acho que deve ser o que precisamos. Envolve puxar pensamentos individuais do cérebro de alguém. Se eu conjurá-lo enquanto alguém o interroga—”

Naban atravessou o cômodo. “Esta mágica é proibida, e por um bom motivo. É perigosa, e algo que apenas mestres em magia deveriam saber que existe."

Art by Ryan Alexander Lee
Ilustração: Ryan Alexander Lee

As sobrancelhas de Jodah se aproximaram uma da outra. “Onde você o aprendeu?”

Raff hesitou, olhando da face consternada de Jodah para a face enraivecida de Naban. “Hm, eu sei tanto quanto um mestre em magia, sou muito avançado—”

“Raff,” disse Jhoira, mordaz. Quando encurralado, Raff recorria a velhos hábitos. “Você gosta de servir na Bons Ventos? Porque eu posso simplesmente te deixar aqui.”

“Desculpa, desculpa,” disse Raff, apressado. “Eu dei uma espiada em um livro que eu não devia ter conseguido acesso. Só uma vez.” Ele olhou preocupado para Naban. “Desculpe.”

Naban saiu, irritadíssimo. Ignorando a tentativa de Jodah interrompê-lo, Jhoira disse: “Mas você pode fazer dar certo mesmo?”

“Eu posso tentar,” disse Raff

Jhoira o observou. Ela sabia que ele estava sendo honesto agora. “Então tente.”

“Eu não posso impedi-lo,” disse Jodah, e saiu.

Ali perto, Liliana revirou os olhos e disse: “Ui, ele não aprova.” Em seguida ela adicionou, para Gideon: “Eu não vou ficar calada. E para de me cutucar, parece que tem um mamute esbarrando em mim.”


Era tarde da noite quando eles subiram as escadas até o topo da torre onde o Bons Ventos estava aportado. Gideon ficou aliviado em ver Tiana empoleirada em um corrimão. “Como foi?” Indagou Tiana.

“Conseguimos nosso agente,” anunciou Shanna. “E a informação que precisamos.”

“Ótimo,” respondeu Tiana. “O Arvad está fazendo o jantar.”

A boca de Liliana se curvou. “O vampiro está fazendo o jantar,” ela anunciou para Gideon.

Ele riu pelo nariz. Fora um dia longo e extenuante, mas ao menos agora eles tinham o que precisavam para planejar.

Enquanto Arvad preparava uma refeição para eles, eles sentaram na grande mesa do cômodo embaixo da ponte de comando, revisando a informação que o feitiço de Raff descobrira. Enquanto Gideon folheava as anotações de Jhoira, ele viu que levaria algum tempo até compreender tudo, já que a mágica puxara as respostas às perguntas em pedaços desconexos. Ele parou com um nome desconhecido. “A Lâmina Negra?” Indagou ele. “O que é isso?”

“É uma arma mágica muito famosa,” explicou Jhoira. Ela estava sentada do outro lado da mesa, aninhando uma caneca de vinho quente. “Ela matou um dragão ancião.”

Encorajador. “Qual deles?” Gideon perguntou.

“Píru, creio eu,” disse Shanna, posicionando-se ao lado dele.

“Nunca ouvi falar,” comentou ele.

Shanna inclinou a cabeça. “Exato.”

Liliana puxou a página inteira da mão de Gideon para ler tudo. “Então esta Lâmina Negra mataria Belzenlok.”

Art by Chris Rahn
Ilustração: Chris Rahn

“Facilmente,” disse Jhoira. “Mas ela bebe almas, foi criada com magia de morte, e rouba a energia de vida de todos que ela mata.”

Liliana estava claramente intrigada. “Uma bebe-almas seria ideal. Perfeita para matar um demônio como Belzenlok.” Ela adicionou: “Se ela já absorveu a força de vida de um dragão ancião, seria poder mais do que suficiente para fazer o serviço.”

Gideon não estava surpreso que ela quisesse usá-la; pela descrição era bem o tipo de arma que ela gostava. Mas ele não queria ter nada a ver com isso. Ele disse firmemente: “Uma bebe-almas não é algo que gostaríamos de usar, em qualquer circunstância.” Liliana revirou os olhos e ele a ignorou.

“Além disso, ela está trancada na Fortaleza,” ressaltou Shanna. “Antes de decidir se queremos usá-la ou não, precisamos achar um meio de entrar.”

Ainda olhando friamente para Gideon, Liliana deu um golinho em sua caneca de vinho. “Se a gente pudesse transformar todos os cultistas e clérigos em pedra, seria fácil. Eu estava pensando em petrificar gente hoje cedo.”

Raff lhe deu um sorriso largo. “Como assim, parando o tempo? Ah, se pudesse...”

Jhoira sorriu como se tivesse um segredo que ela estava pronta para compartilhar. “Nós não podemos. Mas eu conheço o mago do tempo perfeito para isso.”


Perfil da Planeswalker: Liliana Vess
Perfil do Planeswalker: Gideon Jura
Perfil do Planeswalker: Ajani Juba D’Ouro
Perfil do Plano: Dominária