Caminhando pesadamente pelo deserto de Tivan na direção do planalto do monumento, Teferi disse: “Pode escrever, dessa vez eu terei uma resposta.” Era manhã, e o sol já estava alto e quente, agitando a poeira. Bem atrás deles estavam as palmeiras do oásis onde eles acamparam na noite anterior. Não muito à frente estava o monumento, um bloco gigantesco parcialmente oculto por um planalto natural. Viajantes de Femeref que passavam na rota comercial próxima sempre supunham que era uma ruína antiga. Era antiga, mas mais jovem do que Teferi. Também era um enigma que ele vinha tentando resolver há anos.

Com uma expressão inquisitiva e brincalhona, sua filha Niambi perguntou: “Qual é mesmo a definição de insanidade?”

Teferi riu. “Ela só serve se você não tem um método para sua loucura, e eu sempre tenho um método.”

“Ah, se ao menos a gente soubesse que método seria esse...” contra-atacou Niambi, com um sorriso largo.

“Acho que é hoje o dia,” ele disse. “Ele não vai me vencer novamente. Especialmente agora que tenho sua ajuda.” Teferi alcançou o topo do planalto, onde a areia tinha uma fina camada sobre ladrilhos de pedra. Com sua bota, ele varreu a areia do selo central.

“É só uma teoria,” avisou Niambi. “Não quero te deixar com esperanças.”

“Eu sempre tenho esperanças.” Teferi tocou no selo com seu cajado.

Uma barra se abriu nos ladrilhos, e a areia deslizou para dentro como água. A beirada atravessava o pátio enterrado até o pé do monumento. Rochas se rasparam enquanto as metades se separavam e se abriam para revelar um poço triangular com degraus largos que levavam para baixo.

Niambi espiou com cautela. Mesmo após suas visitas anteriores, ela ainda se precavia com o monumento. Não era uma atitude que Teferi queria desencorajar, já que o monumento era tão perigoso quanto Niambi achava que era. Ela disse: “Você sabe que ele não está mesmo aqui, não sabe?”

“Ele está aqui em espírito. E isso é bem próximo, acredite.” Teferi desceu as escadas, e a areia raspava as solas de suas botas. Os degraus acabavam na entrada do saguão principal do monumento, que agora era uma caverna escura se estendendo sob rocha pesada. Ele deu um passo para o lado, esperando para conferir se Niambi não precisava de ajuda. Aos cinquenta anos, sua filha ainda era forte e capaz, mas esta não era uma boa idade para uma queda. Ele devia saber; ele envelhecia tão lentamente que tinha cinquenta anos há algumas boas décadas.

As luzes, controladas por sistemas em parte mecânicos e em parte mágicos, assim como a entrada, começaram a brilhar levemente, como brasas agitadas em uma lareira. Encapsuladas em losangos de cristal, elas flutuavam perto do teto, iluminando paredes cobertas por escritos arcanos. Teferi já os decifrara ao longo dos anos, na esperança de conseguir alguma pista. Não houve nenhuma; ele suspeitava que os escritos eram apenas mais uma armadilha para os incautos, para que perdessem tempo ali ao invés de tentar adentrar os segredos do monumento.

Ele começou a seguir pelo corredor, e Niambi estava logo atrás dele; ambos seus passos eram leves e não faziam ruído. Teferi já fizera isto várias vezes, tanto sozinho quanto com Niambi, e os dois sabiam que o momento da leveza já passara. Teferi já desdentara muitas de suas armadilhas, mas o monumento ainda podia morder.

Eles chegaram na primeira junção, onde três arcos marcavam corredores que levavam para três caminhos diferentes. Sem aviso, uma forma sombria se lançou sobre eles, vinda do corredor à direita.

Teferi já esperava encontrá-la em algum ponto perto daqui, mas sua aparição repentina o assustou o suficiente para que a magia temporal que ele conjurou por reflexo atingisse a sombra com tanto impacto que separou suas partes componentes. Ele suspirou, irritado consigo mesmo. Ele não gostava de ter reações exageradas, mas a coisa não devia ter atacado tão de repente quando sua filha estava logo atrás.

O autômato tinha mais de dois metros de altura, feito de metais de cobre e prata, com a forma de um guerreiro musculoso e um bloco no lugar da cabeça. Suas partes se separaram em pleno ar: membros, as rodas e engrenagens que as moviam, e os cristais que lhe davam energia. Ele não estava totalmente imóvel; todas as peças vibravam levemente, presas em um fluxo de tempo onde a explosão que a partira ainda estava ocorrendo muito lentamente.

Niambi espiou com cautela. “É seguro passar?”

“Sim, mas não a toque.” Teferi adentrou na interseção, onde ele pôde olhar para todos os três corredores.

Niambi se aproximou do autômato, estudando-o. Ela franziu o cenho. “Eu reconheço as marcas na carapaça. Tenho certeza de que você destruiu este aqui da última vez que eu vim.”

“Foi, sim,” disse ele. “Acho que eles consertam uns aos outros.”

“Ah, que ótimo.” Ela retorceu a face e se afastou.

Dos três corredores, dois eram armadilhas - mas quais deles era algo que mudava toda vez. Teferi leu os glifos que flutuavam e mudavam, revelando a passagem certa, e depois armou e desarmou a luz mortal do grande olho depois da primeira esquina. Com isso feito, ele e Niambi poderiam prosseguir até a câmara das agulhas envenenadas.

Ela era relativamente fácil, já que Teferi conseguia parar as agulhas no ar, apesar dos padrões serem ocasionalmente complicados. Enquanto Niambi juntava as saias de suas vestes e seguia cuidadosamente pelas agulhas flutuantes, ele se lembrou novamente de suas aventuras anteriores aqui. Ele sorriu com a memória agradável, e disse: “Você lembra das aranhas mecânicas?”

“Lembro, pai. Toda vez que tenho um pesadelo,” disse Niambi, com um tom seco.

Depois de mais dois autômatos na última passagem, eles chegaram na câmara central, o coração do monumento. Ao saírem do corredor para a plataforma ampla, a luz foi gradualmente aumentando em torno das paredes, revelando o verdadeiro tamanho do espaço. Por toda a parte superior das paredes com dezenas de metros de altura, arcos arredondados que levavam a câmaras e passagens: umas brilhavam com luz, outras eram escuras e sombrias, com vista para a plataforma central com sua grade aparentemente simples. Teferi já buscara em todas essas aberturas antes, e eles sabiam que eram apenas distrações, armadilhas para os incautos que atrasavam táticas. Era a grade de quadrados na plataforma central, alcançada por uma ponte estreita, que era a chave verdadeira do enigma.

Ou talvez os blocos flutuantes fossem a chave. Teferi passara muito tempo eliminando as opções, e agora ele tinha certeza que era ou um ou outro. Niambi tinha uma nova teoria sobre os blocos, e era por isso que eles vieram dessa vez.

A luz ficou mais forte, e os blocos de pedra começaram a deslizar e ficaram visíveis. Eram blocos oblongos de tamanho uniforme, flutuando das sombras tanto de baixo quanto de cima. Eles se moveriam aleatoriamente pelo espaço enquanto Teferi estivesse lá.

“Pronta?” Indagou Teferi.

Com a face determinada, Niambi pegou sua tabuleta de escrita e seus lápis de sua bolsa. “Pronta.”

Teferi atravessou a ponte e Niambi o seguiu. Ao pisar na plataforma central, os blocos flutuantes convergiram.

Niambi se agachou e começou a escrever apressada na tabuleta enquanto Teferi defletia os blocos que estavam tentando esmagá-los. Após um pouco de tempo, Niambi clamou: “Tente seis da esquerda pra direita, quatro de cima para baixo.”

Teferi pulou para bater na sequência certa usando o cajado. Nada. “Sem mudanças. Próximo,” relatou ele.

E assim foi, uma sequência atrás da outra. Mais dois autômatos escalaram para desafiar Teferi. Um foi congelado no tempo, e o outro ele fez tropeçar e cair da plataforma com um movimento rápido de seu cajado. Lufadas de vento fortes ocasionalmente batiam nele e em sua filha, levantando poeira de arder os olhos e puxando as tranças de Niambi. Depois, luz e calor. Teferi defletia o que podia, suportava o que não podia, e continuava a tocar nos blocos seguindo as sequências calculadas por Niambi.

Depois de mais de uma hora, Niambi disse: “Pai, é isso, temos que parar!”

Teferi saiu da grade imediatamente e ajudou Niambi a se levantar, retirando-se pela ponte. Ao voltar até a passagem, toda a atividade na câmara começou a ficar mais lenta, até cessar.

Niambi se recostou na parede; gotas de suor se formavam na testa. “Eu estava errada, não é um problema matemático. Ou se for, a chave não está nos blocos flutuantes.”

Era decepcionante, mas Teferi era velho o suficiente para encarar a derrota com nada além de um suspiro. “Ainda assim, era uma boa teoria. Tínhamos que testá-la.”

Niambi meneou a cabeça. “Fiz você perder seu tempo.”

Ele a abraçou com um braço só. “Por favor. Todo pai teria sorte de ter uma filha que goste dos mesmos passatempos que ele.”

A risada dela virou quase um soluço, de tão exausta. “Ah, vamos embora deste lugar horroroso.”


Eles só conseguiram conversar com segurança depois de saírem do monumento, caminhando pesadamente pela areia na direção de seu acampamento no oásis. “Por que ele deixaria tudo tão difícil?” Perguntou Niambi, frustrada. “Ele deveria saber que você precisaria dele um dia.”

Teferi deu a resposta decorada. “Ele o protegeu dos phyrexianos, e dos demônios e seus magos, e de todos que podem querer o poder bruto trancado lá dentro.”

Niambi riu pelo nariz. “Você não acredita nisso.”

Ela o conhecia bem demais. “Eu não, mas é a resposta que todos querem ouvir.”

“Eu sei, é só que . . . ” Niambi gesticulou exasperada. “Você era amigo dele! Por que ele faria isso com você?”

Teferi sacudiu a cabeça. “Urza não tinha amigos - não como eu e você temos. Ele tinha sujeitos de experimentos, e apenas aqueles poderosos o suficiente para que considerasse seres sencientes, ou até mesmo pessoas. Mas ele era quem nós tínhamos na época.”

Uma sombra cobriu a areia. O instinto de Teferi disse “dragão,” e enquanto ele olhava para cima ele já estava pronto para conjurar uma mágica. Mas a coisa acima deles tinha a forma de um barco, e era estranhamente familiar . . .  Não podia ser o que ele achava que era.

Art by Jaime Jones
Bons Ventos | Ilustração: Jaime Jones

“Um navio voador?” Indagou Niambi. Ela encarou Teferi. “Ele veio buscar você?”

Teferi sorriu lentamente. Era mesmo o que ele pensava. “É o meu passado, que me alcançou.”


Gideon desceu a escada de corda do Bons Ventos, soltando no último metro para cair de pé na areia. Preenchido com as longas sombras do pôr-do-sol, o oásis tinha um grande lago cercado por pedaços de grama e palmeiras, e afloramentos rochosos o protegiam parcialmente do vento. Algumas cabanas abandonadas de sapé estavam do outro lado da água, talvez marca da época quando esta área era mais viajada. Os atuais habitantes formaram um acampamento organizado, iluminado por algumas tochas, com uma barraca de lona azul e um fogo de chão, além de tapetes e esteiras de palha desenroladas na areia compacta, para sentar.

Ele chegara bem a tempo para as apresentações. Assim como Shanna Sisay, as duas pessoas que vieram conhecer eram Jamuraanos de pele negra, um homem mais velho de constituição forte, com cabelo curto e parcialmente grisalho, e uma adorável mulher com mais ou menos a mesma idade, cujos fios cinzentos se entrelaçavam em suas longas tranças.

Jhoira explicou: “Gideon e Liliana são planinautas.”

“Ah, legal, eu fazia isso aí.” Teferi sorriu, tão confortável quanto se estivesse comentando qualquer outro interesse em comum. “Esta é minha filha, Niambi.”

“Desculpe, sua filha?” Perguntou Raff, confuso.

“Meu pai era imortal,” explicou Niambi, com bondade. “Ele envelhece bem devagar. Passei anos tentando alcançá-lo.”

Teferi fez um gesto para entrarem no acampamento, e ao sentarem-se em torno da fogueira, ele perguntou: “E a que ocasião devo a visita?”

Gideon ficou um pouco sobressaltado quando Jhoira foi direto ao assunto. Ela disse: “Vamos matar Belzenlok e precisamos de um mago temporal para ajudar a entrarmos na Fortaleza.”

Teferi ergueu as sobrancelhas. “Um mago temporal. E você acha que eu conheço algum desses?”

Com um sorriso indulgente, Jhoira disse: “Teferi, não provoca. Você sabe que precisamos da sua ajuda.”

Teferi se inclinou para a frente, e sua expressão ficou séria. “Jhoira, nós não estamos acampando no deserto porque é assim que eu e minha filha gostamos de passar nosso tempo livre. Estamos trabalhando em algo muito importante.”

“Como o quê?” Indagou Liliana, observando-o com olhos apertados e especulatórios. “Aquela ruína antiga, talvez?”

“Não é tão antiga,” corrigiu Teferi. “É mais jovem do que eu.”

Gideon esteve tentando entender o caráter de Teferi, e ele achava que o homem talvez quisesse ajudá-los. Isso significava que o motivo pelo qual ele estava aqui realmente era importante. Ele disse: “Talvez façamos uma troca? Ajudamos com sua demanda se você ajudar com a nossa?”

Teferi o espiou, pensativo. “Você supõe que possa me ajudar.”

Com um suspiro, Niambi disse: “Ele não quer ajuda; ele é teimoso e quer fazer tudo sozinho.”

Teferi virou-se para ela. “Ah, mas que injustiça! Ficaria feliz em aceitar ajuda. Só estou dizendo que-”

“Deixe eles tentarem, pai! É importante!” Disse Niambi. “E depois que estiver feito, você estará livre. Já ouvi você falar da sua amiga Jhoira. Eu sei que você quer correr atrás de aventuras com ela de novo.”

Jhoira estendeu suas mãos. “Só me diga o que você está tentando fazer? É sobre a ruína?”

Teferi a observou por um longo momento. Jhoira segurou as mãos dele, apertando-as levemente. Ela disse, com doçura: “Deixe a gente ajudar.”

Teferi deu um suspiro. Ele olhou para Gideon e os demais e começou: “Vocês conhecem a história de Zhalfir?”

Shanna disse: “Eu conheço.”

Raff assentiu e adicionou: “Ela se removeu de Dominária para fugir da invasão phyrexiana.”

O olhar de Shanna retorceu. “Essa não é bem a história que eu ouvi.”

Liliana parecia impaciente, e Gideon perguntou: “Qual é a história?”

Teferi explicou: “No momento da invasão, Zhalfir era a nação mais avançada de Dominária. Sua magia poderosa, sua tecnologia e seu poderio militar significariam que a nação sofreria o maior impacto do ataque phyrexiano. Urza queria que o maior impacto do ataque fosse sofrido por Zhalfir. E os líderes de lá pensavam que triunfariam. Mas eu sabia da verdade.”

Ele olhou ao largo para o deserto que escurecia, onde o vento soprava pequenos tufos de areia no topo das dunas, e a areia cristalina cintilava nas últimas luzes do dia. “Eu quis poupar meu povo e minha terra natal de uma guerra que eu sabia que os destruiria. Então, eu criei uma fenda temporal e tirei Zhalfir parcialmente de fase, para fora deste plano de existência. Os phyrexianos não conseguiram alcançá-los, mas os Zhalfirianos também não podiam alcançar o restante de Dominária. Até hoje, não podem.”

Com voz grave, Shanna disse para o silêncio: “Havia muitos Zhalfirianos em Femeref e Suq’Ata e em outros lugares, que nunca puderam voltar, que perderam toda ou parte de suas famílias, que perderam seus lares.”

“Sim,” disse Niambi. “O pai ficou muito impopular no nosso folclore por algum tempo.”

Shanna assentiu, empaticamente. “Eu imaginei que você seria aquele Teferi.”

Teferi se curvou levemente, com um sorriso. “Eu mesmo.”

Jhoira adicionou: “Ele fez o mesmo com a terra de Shiv. Mais tarde, ele conseguiu reparar a fenda e devolver Shiv a este plano de existência. Foi assim que ele perdeu sua centelha de planinauta.”

Liliana ergueu suas sobrancelhas, sobressaltada. “É mesmo?”

“Sim. Me impossibilitou de devolver Zhalfir.” Teferi fez um gesto, abraçando o deserto em torno deles. “Então, aqui eu fico, sentado.”

“Ele não ficou esse tempo todo só aqui olhando para a areia, não precisam sentir muita pena dele,” adicionou Niambi.

“Pare de zombar da dor existencial do seu pai,” Teferi disse a ela.

Com uma facilidade que sugeria como ela estava acostumada a trazer seu amigo de volta ao assunto, Jhoira falou: “Mas você tem um plano, suponho? Você sempre tem um.”

“Eu tenho, mas não está indo muito bem,” admitiu Teferi. “Descobri há algum tempo atrás que meu amigo Urza deixou uma série de equipamentos e artefatos mágicos que poderiam ser úteis no reparo de uma fenda temporal. Eu venho procurando por muito tempo, mas eu só encontrei a localização de um artefato. Está aqui, naquele monumento. Espero que se conseguir recuperar o objeto e desbloquear seus segredos, ele vai me levar aos outros. Mas eu já entrei neste monumento muitas vezes, descobri seus segredos e ativei suas armadilhas várias vezes, e ainda não consegui chegar no artefato.”

Gideon ficou contente em entender que a missão de Teferi era uma boa causa. Se pudessem ajudá-lo a cumpri-la, seria para o bem de Dominária. “De quem Urza estava escondendo o artefato? Dos phyrexianos?”

“Não. De mim.” O sorriso de Teferi era seco.

Então, era assim... Gideon disse sobriamente: “Não foi muito amigável.”

“Foi o que eu disse,” concordou Niambi. Ela adicionou, “Faz cerca de dez anos que eu venho tentando ajudar o pai. Eu tinha a teoria de que o enigma central do monumento era uma equação matemática, mas testamos hoje e não deu certo.”

“Qual era a equação?” Jhoira perguntou interessada, e depois de duas frases de explicação Gideon já estava completamente perdido.

Enquanto Jhoira e Niambi discutiam matemática, ele disse para Teferi: “Se eu puder ajudar de algum modo para que você consiga seu artefato, eu ajudarei. Mas estamos comprometidos em matar Belzenlok.” Ele deu uma olhadela para Liliana.

Raff explicou: “Eles estão nos ajudando a matar Belzenlok para que possam ir matar Nicol Bolas. Todo mundo está se ajudando.” Liliana o encarou incrédula, e ele adicionou: “Não é um segredo, é?”

“Boca aberta faz com que navios voadores sejam destruídos,” disse Liliana, sombria.

“Você é necromante.” Teferi estudou Liliana, pensativo. “Suponho que você tenha um interesse pessoal, lutando contra a Cabala.”

Liliana o observou. “Sim, e pessoal significa que não é da sua conta.”

Teferi ergueu suas sobrancelhas, mas disse com bondade: “Ah, acredite, tenho muita experiência em corrigir erros do passado. E quando você passa tanto de sua vida como um planinauta imortal, os erros tendem a ser em grande escala. Não é possível apagá-los, mas com algum esforço você pode equilibrar suas contas.”

Gideon viu que as palavras de Teferi a atingiram em cheio. Enfadada, Liliana franziu o cenho e olhou para longe.

Gideon pensou em seus próprios erros, nas vidas perdidas que ele nunca conseguiria repor. Ele disse: “Liliana é importante em nosso estratagema para destruir Nicol Bolas. Depois que matarmos Belzenlok, estaremos livres para partir deste plano de existência e reencontrar nossos amigos.”

Liliana disse, exasperada: “Ele não concordou em ajudar - para de contar coisas. E não sabemos se os nossos ‘amigos’ vão querer nos reencontrar.”

“Aquilo foi um mal-entendido,” protestou Gideon. Ele tinha certeza de que se todos pudessem só conversar, tudo ficaria bem.

E então, Jhoira e Niambi ficaram de pé, ainda conversando. Shanna, que prestara atenção na conversa delas, se levantou e bateu a areia de suas calças. Ela disse: “Vamos voltar ao monumento e tentar de novo. Jhoira acha que Niambi está certa, mas tem algum fator que ela não conseguiu considerar.”

Art by Victor Adame Minguez
Construct | Ilustração: Victor Adame Minguez

Estava completamente escuro agora, e a lua subia no céu enquanto eles partiam para o monumento. “Você acha que consegue resolver em uma só tentativa o que eu vim trabalhando neste tempo todo,” disse Teferi para Jhoira ao caminhar penosamente pela areia, com a coruja mecânica revoando à frente deles e iluminando o caminho.

Jhoira o cutucou em protesto. “Não, eu acho que você e Niambi resolveram. Mas eu acho que o Urza nunca jogou limpo, e certamente não jogaria limpo com você.”

Teferi admitiu que ela tinha razão nesse ponto.

Lá dentro, Teferi os guiou pelas defesas do monumento até a câmara central. Ao desarmá-la novamente, ele pensou que o lugar estivesse com uma sensação diferente. As sombras estavam mais espessas, a pedra das paredes irradiava frio. Talvez fosse só porque fazia muitos anos que ele viera até aqui à noite.

Finalmente eles chegaram à plataforma perto da ponte para alcançar a grade. Gideon e Shanna se moveram um para cada lado, de olho em autômatos que viessem a atacar aleatoriamente, enquanto Jhoira explicava sua teoria. “Eu acho que Niambi estava certa sobre a significância matemática dos blocos flutuantes, mas acho que tem um fator a mais. É do Urza que estamos falando, e ele deveria saber que seria o Teferi quem tentaria resolver o enigma.”

O jovem mago Raff se agachou para estudar os escritos entalhados no caminho. “Você acha que ele preparou este lugar especificamente para impedir que Teferi o resolva?”

“Pior; eu acho que ele roubou,” disse Jhoira. “Liliana, você vê algum fantasma aqui?”

Liliana foi até a beirada. Com uma expressão atenta, ela olhou para o poço abaixo, e para os andares acima. “Ainda não. Mas se você estiver certa, eles não vão aparecer até que o restante deste espetáculo seja desencadeado.” Ela balançou os dedos, indicando o poço central em torno deles.

Teferi não queria estragar a festa, mas ele teve que mencionar: “Se houvesse algo aqui que estivesse fora de fase, eu enxergaria.”

“É por isso que eu não acho que estejam fora de fase - acho que sejam fantasmas.” Jhoira gesticulou ao largo. “Espíritos, aprisionados aqui por magia. Esta câmara está zunindo com mágicas, e nem todas são magestria de artífice.”

Raff assentiu com a cabeça, e ficou de pé. “Eu estou sentindo um pouco disso também, apesar de não ser tanto quanto você, aposto.”

“Raff, sai do caminho pra gente começar isso logo.” Liliana esfregou as mãos bruscamente. “Isso vai ser divertido.”

“Restaurar Zhalfir não é diversão,” Teferi corrigiu, severo. Tudo bem, era um bocado de diversão, mas ele sentiu que era melhor manter o decoro em um lugar perigoso como este.

“Vai ser, se funcionar.” Niambi deu-lhe um empurrãozinho. “Vai!”

“Preparem-se,” Teferi avisou a todos. “A pior parte vai começar assim que eu chegar na grade.” Ele caminhou pela ponte estreita e pisou na plataforma com a grade.

Os blocos flutuantes ficaram à vista, como sempre, e Jhoira os contou em voz alta para Niambi. E então, Liliana disse: “Ahá, tem espíritos aqui.”

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Fantasma Penado | Ilustração: YW Tang

“Quantos? Onde estão?” Niambi perguntou, com empolgação em sua voz.

“Três, naquele canto lá.”

Teferi manteve o olhar na grade, mas teve que perguntar: “Qual é a aparência deles?”

Liliana disse: “Imagine uma bruma muito fina. Fantasmas assim perdem coesão ao longo do tempo; estes aqui são velhos demais para terem forma. Ah, tem mais dois, flutuando vindos do segundo andar.”

Niambi rabiscava freneticamente, e então ela clamou: “Dois para baixo, quadrante norte, de cima para baixo!”

Teferi marcou a sequência com seu cajado.

Eles continuaram; Jhoira contando blocos, Liliana contando espíritos capturados, e Niambi calculando. Os autômatos apareceram, mas Shanna e Gideon os derrubaram pela beirada, poço adentro. Ao passo que os cálculos de Niambi revelavam mais do padrão, e Teferi entrava as sequências nos quadrados, o massacre dobrou e redobrou. Era como se o lugar sentisse que Teferi estava perto de uma solução, e estivesse determinado a impedi-lo.

Jhoira e Raff conjuraram feitiços defensivos na beirada e Teferi congelava os autômatos que subiam pelos lados da plataforma da grade. Ele nunca fora atacado assim aqui, nunca mesmo, em nenhum de seus esforços para resolver este enigma, e seu coração começou a pular. Eles tinham que estar no caminho certo.

E então Teferi tocou em um quadrado e a plataforma deslizou sob seus pés, rangendo com o ronco profundo de rocha e metal roçando um no outro. Ele saltou para trás, preparado para um novo ataque. Mas o quadrado do centro deslizou pesadamente para o lado, revelando uma abertura. É isto! Esta é a solução! Teferi lançou-se para baixo, enfiando as mãos lá dentro.

Um coro de gritos pedindo cuidado ecoaram pela rocha, mas Teferi sabia que não havia armadilha ali. Seus dedos tatearam metal, e ele puxou o artefato.

Ele ficou de pé e o ergueu. Em torno dele, a câmara ficou em silêncio, como engrenagens de relógio, e tudo ficou imóvel. Os blocos deslizaram para baixo, desaparecendo para dentro do poço. Os autômatos congelaram no lugar. Teferi segurava um orbe delicado de cristal negro, aninhado em uma gaiola de gavinhas de prata. Havia luzes brilhando dentro dele, como se fosse um céu estrelado.

Ele se virou para olhar para os outros. Jhoira estava triunfante, Raff impressionado; Liliana tentava não parecer impressionada. Gideon e Shanna pareciam aliviados e interessados, cada um cercado por um monte de partes de autômatos quebrados. Teferi encontrou o olhar jubilante de Niambi e sorriu larga e lentamente. Ele disse: “Vencemos!”

Urza esperara que Teferi viria sozinho, e programara todas as suas defesas para isto. Eu não sou como você, Urza, pensou Teferi. Você nunca via nenhum outro ponto de vista além do seu.

E então um ronco agourento ressoou, e começou a chover poeira. “Imagino que nenhum de vocês fique surpreso ao saber que Urza era um péssimo perdedor,” clamou Liliana. “Acho que o lugar vai desmoronar!”

Teferi andou a passos largos pela ponte, até a plataforma. Ele entregou o artefato para Jhoira e agarrou a mão de Niambi. “Todo mundo, venha!”

Rachaduras caminhavam como aranhas pelas paredes enquanto eles corriam pelos caminhos, e o chão tremia sob seus pés. Teferi congelou blocos que caíam e encantou o chão para impedir que desmoronasse sob seus pés. Ele sabia que o lugar lutava contra ele, resistindo a cada um de seus passos.

Quando ele estava no limite de suas forças, eles irromperam da entrada e a luz da lua iluminou o poço triangular que agora enchia de areia. A coruja de Jhoira voava em círculos agitados e Jhoira gritou: “O planalto está afundando!”

Teferi tentou congelar a areia no lugar, mas era muito. Ela se derramava para dentro do poço como um oceano, e se tentassem andar, eles com certeza se afogariam.

E então duas escadas de corda caíram de cima, e Teferi notou que a sombra na luz da lua era o Bons Ventos. “Vamos!” Gritou Jhoira. “Subam, todos!”

Um anjo Serrano desceu até a areia à frente deles. Teferi empurrou Niambi na direção dela e pediu: “Leve minha filha!”

Art by Titus Lunter
Montanha | Ilustração: Titus Lunter

“Ei!”

Niambi protestou, mas o anjo a agarrou pela cintura e lançou-se para os ares. A batida de suas asas afastou a areia o suficiente para que Gideon conseguisse caminhar pesadamente até uma das escadas dependuradas. Ele a segurou firme para Liliana. Shanna deu um apoio de pé para Jhoira, que é mais baixinha, e Jhoira deslizou para o lado da escada de corda para que Shanna conseguisse subir junto com ela. Gideon agarrou Raff pelo colarinho e o empurrou na direção de Liliana, e então enganchou um braço no último apoio. Com areia até a cintura, Teferi agarrou o final da outra escada e o navio voador alçou voo, puxando-os para cima.

Assim que o movimento do navio libertou as pernas de Teferi da areia, ele seguiu os outros na subida. A pessoa que pegou seu braço e o ajudou a subir o guarda-mancebo do convés parecia ser um vampiro, mas ninguém parecia achar isso estranho. Enquanto Teferi sacudia a areia de suas roupas, Niambi o abraçou e protestou: “Eu podia ter subido com os outros, pai!”

Não era uma chance que Teferi estava disposto a arriscar. Ele virou junto com ela para olhar o monumento lá embaixo.

Raff lançou orbes de luz pelo ar, para ajudar Teferi a ver que o grande edifício de pedra já estava quase todo desaparecido. Teferi assistiu o restante do planalto afundando na terra, girando como se fosse um rodamoinho.

Ao lado dele, Jhoira segurava o artefato; seu cristal central cintilava sob a luz da magia de Raff e das luzes do convés do navio voador. Gargalhando deliciosamente, ela disse: “Então, você vem com a gente ajudar a salvar o mundo? De novo?”

Teferi suspirou e sorriu lentamente. “Acho que vou.”


Depois de uma parada curta para coletar os pertences de Teferi e de Niambi no acampamento, eles passaram a noite a bordo do Bons Ventos. Jhoira ficou contente de ter uma chance de conversar com Niambi, e ouvir sobre a vida de Teferi em Femeref. Eles tinham muita novidade para contar.

Na manhã seguinte, Jhoira direcionou o navio voador para onde Niambi e sua família viviam, para deixá-la em casa.

A cidade era pequena mas parecia próspera, apoiada nas colinas acima de um rio onde casas com telhados de cerâmica eram cercadas por jardins e pomares. A casa de Niambi ficava nos limites da cidade - uma construção de pedra remendada com um pátio central e uma fonte sombreada por acácias.

Jhoira ficou por perto enquanto Teferi e Niambi se despediam no convés do Bons Ventos. Enquanto Niambi o abraçava, ela disse: “Divirta-se com seus amigos. Mate vários demônios.”

Ele respondeu, provocando: “Você nem vai fingir que vai sentir saudade do seu velho pai.”

“Vou sentir saudade, mas conheço você bem demais.” Niambi deu-lhe uma sacudidela. “Você nasceu para fazer isso. E quando descobrir como restaurar Zhalfir, espero que você visite e nos mostre tudo lá. Ou nos avise, se eles quiserem te matar.”


Já viajando, Jhoira deixou Tiana com o timão e foi para sua cabine de capitã. Com um suspiro, ela se largou em sua poltrona. Era um alívio ter Teferi de volta. Faltavam só algumas poucas peças para encaixar, e eles conseguiriam invadir a Fortaleza da Cabala e matar Belzenlok. Mas essa era a parte fácil.

Ela tocou o amuleto pendurado em seu pescoço, e o abriu. Lá dentro estava uma pequena Pedra de Energia, cintilando na luz fraca. Ela mesma fizera aquela pedra, na Plataforma de Mana dos Thran. Ela continha a centelha de planinauta de Teferi.

A parte difícil, pensou ela consigo mesma, é convencê-lo a ficar com isto aqui . . . 


Perfil da Planeswalker: Liliana Vess
Perfil do Planeswalker: Gideon Jura
Perfil do Planeswalker: Teferi
Perfil do Plano: Dominária