A Guerra da Centelha: Ravnica – O Caminho Até Opulenta
Conto Anterior: Amigos Novos e Antigos
Um aviso a pais e mães: observem que este conto trata de assuntos que possam ser considerados inadequados para leitores mais jovens.I.
Hekara estava morta.
Eu só conseguia pensar nisso.
Acho que foi sorte minha saber disso entre o Teyo e a Mestra Kaya, que afastavam os Eternos que atacavam. Eu não acho que conseguiria afastar um gato doméstico naquela hora.
Eu não acho que teria me dado ao trabalho.
Não me lembro muito bem dos minutos seguintes. Acho que o Mestre Zarek disse alguma coisa sobre o Farol dele estar chamando mais desses planinautas, como ele e a Mestra Kaya e o Senhor Jura e o Senhor Beleren e o Teyo. Acho que tinha planinauta aparecendo por todos os lados. Acho que um deles era um minotauro. Sei lá.
A Hekara estava morta.
Ela devia ter sido planinauta. Dançarina entre os planos. Dava para imaginar isso. Hekara dando saltos mortais pelo Multiverso, visitando mundos diferentes e fazendo todos sorrirem. Com um pouquinho de sangue. Ou, no caso, bastante sangue.
Além disso, se ela fosse planinauta ela poderia ter saído do caminho da coisa que a matou.
“Como ela morreu?” Eu perguntei. Mas só o Teyo estava prestando atenção em mim e ele não sabia.
E daí algo aconteceu. Eu não estava prestando atenção mesmo, mas acho que alguém conjurou alguma coisa. Teyo desfez o escudo e cobriu os olhos.
Foi isso que me tirou do transe. Eu tive que sair. Tinha um Eterno prestes a descerebrar meu novo amigo Teyo — meu único amigo — com um martelo.
Furiosa, saltei em cima dele e o esfaqueei nos olhos. Ele se desequilibrou
Eu estava espumando de raiva. Eu não me lembro de sentir tanta raiva.
Agora eu sou material legítimo dos Gruul. Meus pais ficariam muito orgulhosos.
A Dona Ballard disse: “Nem todo planinauta serve para as Sentinelas, sabe... E alguns são absolutamente péssimos.”
E o Senhor Jura respondeu: “Você tem que supor que, péssimos ou não, a maioria dos planinautas não deve ser muito fã de Nicol Bolas. Precisamos nos dividir. Nos espalhar pela cidade. Salvar o máximo de pessoas que puder e reunir cada planinauta que encontrarmos.”
Vários deles gritaram, “Certo!”
Kaya virou-se para mim e para o Teyo e disse: “Vocês dois são muito úteis. Venham comigo.”
II.
O pobre do Teyo era um seguidor nato. E eu não queria deixá-lo sozinho para morrer igual a Hekara, então quando ele aceitou a ordem da Mestra Kaya para segui-lo, eu o segui. Acho que foi bom. As ruas estavam perigosas o suficiente para que eu me ocupasse por um tempo sem pensar na Hekara.
Quase.
A Mestra Kaya queria chegar em Orzhova e invocar sua guilda para dentro da batalha. Mas estávamos bem longe da Catedral Opulenta, e tinham safras da Horda Medonha pelas ruas de Ravnica, matando todo mundo que encontravam. A sorte era que, por algum motivo, os Eternos não entravam em edifício nenhum. Se as pessoas ficassem dentro de casa, estariam a salvo.
Pelo menos por enquanto.
Então nós cruzamos Ravnica, passando por ruas, vielas e atalhos, e fizemos um trabalho decente salvando pessoas no caminho. E já que podíamos mandar as pessoas procurar abrigo e ficar dentro de casa, não precisamos nos preocupar muito com eles depois disso. E nós nunca precisamos seguir nenhum Eterno dentro das casas. O que era bom, já que lutar a céu aberto era pelo menos um pouquinho mais seguro do que enfrentar essas criaturas em espaços apertados.
No caso, só tinha três de nós ali e o estilo do Teyo era basicamente defensivo, com os escudos de luz.
Não me entenda mal. A gente precisava dele.
Ele cuidava das nossas retaguardas, dos flancos, das frentes. Mas eu acho que ele mesmo não matou nenhum Eterno.
“Você nunca matou nada nem ninguém na vida, né?” Perguntei eu.
“Eu matei uma aranha, uma vez.”
“Uma aranha gigante?”
“Quão gigante é gigante?”
“Era maior do que o seu dedão?”
“Não.”
“Então era só uma aranha normal.”
“Certo. Só uma aranha normal.”
Acho que ele pensou que eu estava desapontada com ele naquela hora. Mas acho que parte de mim estava contente de ele ser tão
Puro. Aham. Muito puro.
Ele já era inseguro e eu não queria aumentar isso. Então eu decidi ali mesmo deixar a vingança pela Hekara guardada, por enquanto. A gente tinha que lidar com os Eternos e ele precisava de mim agora. Depois eu fico de luto.
Depois eu fico de luto para sempre.
“Que bom que você não é um assassino,” disse eu.
“Uhh
De qualquer modo tentamos evitar contingentes maiores, mas nos demos bem contra Eternos individuais ou safras pequenas. A Mestra Kaya fazia o trabalho pesado, digamos. As criaturas pareciam especialmente vulneráveis às adagas-fantasma. E quando ela estava incorpórea, eles não conseguiam tocar nela. Mas eles ainda a viam, e isso deixava que ela e o Teyo — com os escudões brilhosos — servissem como distração para mim. Porque na verdade nenhum dos Eternos prestava atenção em mim, a não ser que eu já estivesse matando.
Eu me agachava para sair debaixo de um dos escudos losangulares do Teyo, me esquivava de dois ou três Eternos e então esfaqueava um que não tinha me visto, na maioria das vezes enfiando minhas duas adagas nos olhos dele, para chegar no cérebro. E daí antes dele cair no chão eu já tinha sumido.
Entre um conflito ou outro dessas, ao atravessar uma rua larga e vazia — exceto por meia dúzia de cadáveres que mostrava como os Eternos já tinham passado por ali — o Teyo virou para a Kaya e perguntou: “Então nós somos Sentinelas agora?”
“Eu não sei,” respondeu ela. “Nunca tinha ouvido falar dessas ‘Sentinelas’ até hoje. Não está totalmente claro o que é.”
Eu disse: “Acho que são os bonzinhos.”
Teyo assentiu com a cabeça. “O equivalente de Ravnica para a Ordem dos Magos dos Escudos.”
Kaya meneou a cabeça. “Não acho que eles se limitem a Ravnica. Todos os membros são planinautas. Talvez eles sejam o equivalente à sua ordem para o Multiverso.”
Eu dei de ombros. “Então[nbsp]... os bonzinhos.”
“Sim.”
“Então eu acho que vocês dois são Sentinelas,” disse eu. “Eu não, claro. Não caminho entre plano nenhum.” Eu ri na hora, mas um pensamento me bateu nessa cabeça de Rata: Eu não sou Sentinela; sou Sem-Portão. Essa é a Rata. Sem portão nenhum para alguém ficar de sentinela.
“Você matou mais Eternos do que eu,” disse o Teyo. Eu tentei não revirar os olhos, já que ele não tinha matado nenhum.
Ao invés disso, eu disse: “Que bonitinho você dizer isso, Teyo. Você é um garoto muito querido. Ele não é um doce, Mestra Kaya?”
“Um doce.”
Ele me olhou muito sério por um tempo e disse: “Tenho quase certeza que sou mais velho que você.”
Eu o ignorei, dizendo para a Mestra Kaya: “É por isso que eu adotei ele assim que o vi.” Ele ia começar a protestar ou algo do tipo, mas eu o interrompi. “Como ficou o corte da sua testa? Eu não vejo cicatriz.”
Tirado do raciocínio, ele passou a mão onde o corte ficava. “Acho que está tudo bem. Eu não consigo sentir ele, nem nada.”
“Que bom que o Senhor Juba D’Ouro curou ele pra você. Não que ele estivesse ocupado com outras coisas, com todos os Eternos que ele estava matando de um lado pro outro. Não foi legal do Senhor Juba D’Ouro, Mestra Kaya?”
“Muito legal,” disse ela.
A essa hora nós já conseguíamos ver os topos das torres da Catedral Opulenta acima de edifícios menores que estavam mais perto. De repente, a Mestra Kaya correu para um beco diagonal entre dois edifícios. Me pareceu uma escolha estranha, mas eu achei que ela sabia o que estava fazendo, então eu puxei a mão do Teyo e nós a seguimos.
Depois de uns cem metros eu notei que ela estava olhando para cima, na direção da catedral, seguindo reto. Eu resmunguei internamente e disse: “Eu não acho que é por aqui.”
“É sim,” respondeu ela, “se queremos chegar mais rápido em Orzhova.”
“É um beco sem saída.”
Ela parou de repente e se virou para mim. “Você devia ter falado isso antes.”
“Você parecia tão confiante. Achei que você talvez soubesse de alguma passagem secreta. No caso, tem um monte de passagens secretas por toda Ravnica. Muitas mesmo. E eu sei quase todas elas — ou a maioria delas. Mas eu imaginei que a Líder de Guilda Kaya devia conhecer uma ou duas que eu não conhecesse, né?”
“Rata, eu virei Líder de Guilda há algumas semanas. Eu cheguei em Ravnica há alguns meses. Eu mal conheço essa cidade, quase igual ao Teyo aqui.”
“Eu cheguei hoje de manhã,” disse o Teyo, sendo meio óbvio.
“Eu sei disso,” rosnou a Mestra Kaya.
Eu assenti. “Certo, certo. Então daqui pra frente a nativa cuida da navegação. Por aqui.”
Ainda puxando o Teyo pela mão — não sei bem por quê, acho que gostei de ficar de mãos dadas — começamos a voltar. Ele se deixou arrastar. A Mestra Kaya nos seguiu.
E eu os ouvi antes de ver eles chegando.
“Tá bom,” disse eu, “talvez a gente deva voltar.”
“Por quê?” Perguntou ela. Mas ela ficou sabendo porque meio segundo depois. Outra safra de Eternos entrava no beco. Eternos demais para lutar nesse espaço apertado. No minuto que nos viram, eles avançaram. Nós nos viramos e corremos.
A Mestra Kaya gritou: “Você disse que era um beco sem saída!”
“É sim!”
“Então estamos correndo pra onde?”
“Tem uma porta dos fundos de um boteco no final do beco. Não vamos chegar na catedral, mas se a gente entrar talvez os esquisitões esqueçam da gente.
É uma solução melhor do que nada.
Os Eternos eram rápidos, mas não estavam correndo para salvar suas vidas. Chegamos no final do beco antes deles, até a porta de ferro do Krumnen. Enfim soltando a mão do Teyo, tentei a maçaneta. Trancada.
É claro. Por que estaria aberto de dia?
Eu bati na porta com os dois punhos. Ninguém respondeu. Eu me agachei e disse, “Tudo bem. Eu consigo abrir a tranca.”
“Eu também,” disse a Kaya, “mas acho que não vai dar tempo.”
“Eu vou ganhar tempo,” afirmou o Teyo. Eu olhei por cima do ombro e o vi entoar um cântico que criou um escudo losangular feito de luz, nos separando dos Eternos um segundo ou dois antes deles se chocarem contra o escudo. Ele grunhiu com dor, mas conseguiu manter o escudo conjurado, e até expandi-lo para virar um retângulo que tinha toda a largura do beco para que nenhuma das criaturas conseguisse passar pelo lado.
“Eu não sabia que você podia fazer isso,” disse eu, enquanto arrombava a tranca.
“Nem eu sabia. Nunca fiz antes. Mas dá pra usar as paredes e substituir a geometria. Como se estivesse me apoiando.”
“Se você diz...”
Eu conseguia ouvir as armas dos Eternos batendo contra o escudo, ouvindo-o entoar sussurrando e grunhir um pouquinho em resposta a cada golpe. Eu não sabia por quanto tempo ele conseguiria segurar.
Alguma coisa fez um clique. “Consegui,” disse eu, ficando de pé. Eu agarrei a maçaneta, mas ela ainda não se mexeu. “Eu destranquei! Deve estar barricada por dentro!”
A Mestra Kaya disse: “Deixa comigo,” e passou pela porta como um fantasma. Não demorou muito para a cabeça dela voltar, e ela disse: “Eu consigo abrir, mas vocês precisam segurar o ataque mais um pouco.”
Eu olhei para o Teyo. Ele não disse nada. Mas ele apertou os olhos e assentiu. Ele tinha parado de entoar. Só com dentes cerrados, apoiando seu peso no escudo enquanto um minotauro de lazotep dava cabeçadas repetidas no escudo, enquanto o restante dos Eternos batia com suas maças ou empunhaduras das espadas em forma de foice. Luzes brancas faiscavam depois de cada impacto. O escudo não iria dar conta.
A Mestra Kaya deve ter pensado o mesmo que eu. Ela voltou porta afora e desembainhou as adagas, pronta para lutar.
Felizmente, chegou ajuda. Mais uma vez eu ouvi as pessoas chegando antes de vê-las. Ouvi os gritos e uivos. Eu sorri e coloquei a mão no ombro do Teyo. “Faltam só mais alguns segundos. Vai ficar tudo bem.”
Guerreiros Gruul — Gan Shokta, Domri Rade, Akamal Cray, Govan Radley, Sheeza e Jahdeera, Bombop, e vários outros — atacaram os Eternos por trás, e seus machados partiam o lazotep. Presas perfuravam. Choviam marretas. Gan Shokta esmagou duas cabeças de Eternos uma com a outra, com força suficiente para fazer seus crânios esmigalharem, soltando fragmentos de lazotep e de osso.
Os Eternos se esqueceram de nós imediatamente e se viraram para enfrentar os Gruul. Teyo deixou os ombros caírem, junto com o escudo. Eu fiquei por perto dele com as adagas desembainhadas enquanto a Mestra Kaya começou a atacar os esquisitões por trás.
Domri cortou a cabeça de um Eterno com sua foice longa, que tinha um contrapeso. Ele olhou para a frente e riu: “Você deve ser a Líder de Guilda Kaya, a toda-poderosa assassina de fantasmas. Por sorte, Domri Rade estava por aqui, curtindo o sangue e o caos!”
“Você é o Rade?” Perguntou a Mestra Kaya.
Eu tive que suprimir uma risadinha porque Domri pareceu imediatamente ofendido: “Claro que eu sou o Rade! Quem mais seria?”
Domri sempre foi um babaquinha metido a besta. Eu ainda não acreditava que ele tinha substituído um ótimo guerreiro como Borborigmo como o novo Líder de Guilda Gruul. E o que eu não acreditava mesmo era que Gan Shokta estava com ele. Por outro lado, eu estava contente que Domri tinha trazido todos aqui agora.
A Mestra Kaya também. “Agradeço,” disse ela, a contragosto.
“Pode crer!” Disse ele, muito orgulhoso de si mesmo. Nesse ponto a maior parte dos Eternos já estava aos pedaços pelo chão. Domri grunhiu como um porco e gritou para seus guerreiros, “Beleza, parceiros, a brincadeira acabou aqui. Vamos achar mais!”
Os Gruul começaram a segui-lo na direção da saída do beco, e Gan Shokta ficou na retaguarda. Infelizmente, um dos Eternos não estava morto o suficiente. Estava sem um braço, mas isso não incomodou muito e ele ficou de pé em um salto, com uma espada na mão restante e preparado para estocar Gan Shokta nas costas.
Teyo reagiu antes de mim, estendendo a mão e lançando uma esfera pequenina, mas sólida, de luz branca que atingiu o Eterno nas costas. O impacto foi forte e o Eterno cambaleou por um momento, fazendo barulho suficiente para alertar Gan Shokta do perigo. Ele se virou a tempo de ver Teyo atingir o esquisitão com outra esfera.
Em seguida a Mestra Kaya já estava avançando sobre a coisa, esfaqueando-o pelas entranhas com as duas adagas. O Eterno estava morrendo — mas não parecia saber ainda. Ele ainda estava com a espada em riste contra Gan Shokta.
Então eu saltei nos ombros do monstro e enfiei as adagas nos olhos dele, bem dentro do crânio. Ele desmoronou embaixo de mim.
Gan Shokta
“Quem era aquele?” Perguntou Teyo.
Eu dei de ombros. “O grandão? É o Gan Shokta. Meu pai.”
III.
Então agora eu acho que estamos caminhando em bandos.
Eu, Teyo Verada e a Mestra Kaya estávamos acompanhando Gan Shokta, os ogros Govan e Bombop, Akamal, Sheeza e Jahdeera (as gêmeas viashino), e um punhado de guerreiros Gruul, xamãs e druidas liderados pelo Mestre Domri Rade.
Logo, nós enfrentamos um pelotão de Eternos e no meio da luta o inimigo ficou prensado entre os Simic à esquerda e Izzet à direita.
“Quem são eles?” Perguntou Teyo.
Eu apontei para a esquerda com o queixo: “Essas forças são do Conluio Simic. Terraformadores, super-soldados e tritões liderados pelo biomante Vorel.” Daí, eu apontei para a direita: “E aqueles são os mecanimagos da Liga Izzet — a guilda do Mestre Zarek — liderados pela segunda comandante, Comissária Maree."
“Qual deles é a Maree?”
“A goblin.”
“Certo.”
“Decora que eu vou cobrar todos os nomes depois.”
Ele me deu uma olhadela de pânico antes de notar que eu estava provocando ele. Daí ele me olhou feio de um jeito engraçado.
Acho que ele gosta quando eu provoco ele, sabe?
Lidamos rapidamente com aquele grupo, e agora tínhamos a força de três guildas. Mas o bando continuava crescendo.
Outra batalha trouxe mais ajuda: Desta vez, eram planinautas - uma tritã chamada Kiora, vinda de um mundo chamado Zendikar, e uma jovem chamada Samut, de um lugar chamado Amonkhet que pelo jeito é de onde esses Eternos vieram.
“Não dava só pra deixar eles por lá?” perguntei com todo o sarcasmo que eu tinha.
Ela ignorou o comentário, e a mim. Acho que ela estava ocupada demais lutando em luto, e em luto lutando. Ela sabia os nomes de cada um dos Eternos que matava, acho que da época em que eram amigos (vendo o pesar dela, ficava difícil não pensar na Hekara). Ela matava um e dizia com tristeza: “Você está livre, Eknet.” Daí ela matou mais dois e disse: “Você está livre, Temmet. Você está livre, Neit.”
Eu me perguntei se eu conseguiria matar a Hekara se ela aparecesse como uma Eterna descerebrada assassina.
Será que seria mais fácil só deixar ela me matar?
Quando aquela batalha terminou, continuamos nosso caminho, cercados por esse tropel abundante de aliados.
A Mestra Kaya ainda estava tentando chegar em Orzhova.
O Teyo estava de olho em Kiora enquanto tentava desesperadamente não ser muito óbvio.
Meneando a cabeça, eu dei uma risadinha.
“O que foi?” Perguntou ele.
“Você nunca viu uma tritã antes?”
“Não tem muita água em Gobakhan."
Eu ri e apontei para um dos mecanimagos Izzet. “E nem um vedalkeano?”
“Eu já vi gente com pele bronzeada, marrom e preta, mas nunca vi gente de pele azul antes.”
Rindo mais, eu apontei para a Jahdeera com o queixo. “E viashino?”
“Talvez alguns dos nossos lagartos cresçam e virem viashinos?”
“E ratos?”
“Eu vi muitos ratos em Gobakhan. Nenhum como você.”
Eu ri mais uma vez e dei um soquinho gentil no braço dele.
Tentei olhar para Gan Shokta, que marchava logo atrás de Domri e não parecia muito contente. Meu pai seguia Borborigmo, alguém respeitável como líder e guerreiro. Ele estava obviamente irritado agindo como o tenente do Mestre Rade, e olhava feio para as costas do líder. Eu queria tranquilizá-lo que o bobo do Domri era um babaca que perderia o controle dos Gruul logo. Mas eu não conseguia começar essa conversa naquela hora. Então eu só suspirei e continuei caminhando entre o Teyo e a Mestra Kaya.
Além disso, logo depois a gente já estava lutando de novo.
Tínhamos chegado no topo de um morro ladrilhado onde a Horda Medonha estava no terreno elevado.
O Senhor Vorel gritou em voz de comando: “Destruam! Destruam todos!”
A Comissária Maree parecia pronta para dizer o que o Senhor Vorel devia fazer com aquela ordem, mas o besta do Domri chegou primeiro, com altos xingamentos Gruul, o que não fazia muito sentido já que ele já estava correndo morro acima, gritando: “Bora, parceiros! Não precisamos dos ratos de laboratório pra ensinar como se dá umas cabeçadas!”
Era fácil ler o rosto da Comissária Maree. Ela decidiu que preferia ser aliada do Senhor Vorel do que seguir o exemplo do besta do Domri.
Então não foi o ataque mais coordenado do mundo, mas Gruul, Simic e Izzet ainda atacaram o topo do morro e foi um certo progresso panguildas, eu acho.
Claro, nós fomos junto: eu e o Teyo e a Mestra Kaya e a Dona Kiora. Eu olhei em volta para encontrar a Dona Samut, mas ela já estava lá na frente, dizendo: “Você está livre, Haq. Você está livre, Kawit.”
Assim que eu e o Teyo chegamos no topo, mais duas mulheres materializaram bem perto da gente. As duas planinautas tinham pele de um tom de marrom bonito, mas fora isso a Dona Huatli e a Dona Saheeli Rai (depois elas disseram seus nomes) não podiam ser mais diferentes uma da outra. A Dona Huatli tinha armas e armadura, com uma trança longa saindo debaixo do seu elmo. Ela era baixinha — quase tanto quanto eu — mas poderosa e musculosa, com olhos curiosos e preocupação nos lábios apertados. A Dona Saheeli usava um vestido flutuante e longo, decorado com filigrana dourada e brilhosa. Ela era mais alta até do que a Mestra Kaya, e usava o cabelo para cima em rodopios, o que a deixava ainda mais alta. Ela era esguia e graciosa, com olhos muito curiosos e um sorriso no rosto.
Apesar de tão diferentes, era óbvio que eram amigas. Ao tentar avaliar a situação, elas trocaram um olhar rápido, mas ficaram lá em fazer nada, meio incertas de que lado deviam ajudar. O Teyo meio que respondeu a pergunta que elas não fizeram, jogando um escudo para bloquear o machado de um Eterno que teria partido o crânio da Dona Saheeli ao meio.
“Obrigada,” disse ela.
“Sim, eu também agradeço,” ecoou a Dona Huatli.
Eu já vi o suficiente e corri além delas para chegar na luta. Matei um Eterno bem na hora em que uma terceira planinauta apareceu. Essa parecia estar informada da situação e entrou na batalha imediatamente, usando sua magia para controlar um dos esquisitões e lançando-o contra os demais. Ela tinha cabelos cor de mel, usava um capuz azul e branco, e um cajado longo e entortado na ponta. Ela disse que seu nome era Dona Kasmina ou Dona Kasmiri ou Madame Kasmagórica ou algo do tipo. (Tá, não era Madame Kasmagórica.)
Mas sim, até eu estava com dificuldade de lembrar de todos os nomes nesse ponto.
Eu a perdi de vista logo depois, mas ela causou bastante dano com o Eterno que controlou ali.
A Dona Huatli também, matando os esquisitões com facilidade.
E o beija-flor dourado que a Dona Saheeli soltou atravessou a testa de um Eterno à toda velocidade, saindo pela nuca. O Eterno cambaleou e caiu. Eu queria pegar e ficar com o bichinho brilhoso e útil, mas o passarinho nunca parava. Ele repetiu seu ataque em mais um Eterno, e em mais outro.
Mas nem tudo era notícia boa. O pobre do Bombop foi rápido demais à frente do resto. Ele esmagou cinco ou seis crânios de lazotep com sua marreta de pedra, mas os Eternos subiram nele como um enxame, arrastando ele para o chão e o esfaqueando mais ou menos trinta vezes antes de qualquer um de nós chegar perto o suficiente para ajudar.
Também teve uma xamã Simic — nem peguei o nome dela — que levou um momento a mais para conjurar sua mágica e acabou decapitada. A cabeça caída conseguiu murmurar as últimas sílabas que faltavam antes de expirar, e o esquisitão que a matou explodiu dando um banho de lazotep e meleca.
Então, né... Contratempos, sabe?
Mas a batalha acabou no tempo certo. Nós ganhamos, e nenhum Eterno ficou vivo — e nem morto-vivo.
Nosso bando parou para recuperar o fôlego quando um estalido de romper os tímpanos ressoou ao longe. Todos nós viramos, e de cima daquele morro que custou tanto para retomar, nós conseguimos ver quatro Eternos imensos saindo do rasgo no meio do mundo lá na praça do Décimo Distrito.
Eu engoli em seco e murmurei: “Eita. Enormes.”
A Dona Samut xingou.
A Mestra Kaya perguntou: “O que eles são?”
“São nossos deuses,” disse a Dona Samut com amargura. “Mas Nicol Bolas os matou, ou mandou matar. Agora são deles. Eternos-deuses.”
Ah, tá. É claro. Era isso o que faltava hoje. Eternos-DEUSES.
Nós assistimos em silêncio enquanto os quatro Esquisitões-Deuses destroçavam o que parecia ser Vitu-Ghazi, o que era estranho e horrível por vários motivos, mas eu não entendia como a Árvore do Mundo tinha saído do seu pátio no território selesnyano, para começo de conversa.
Deu vontade de chorar de novo.
E daí me deu vontade de bater no besta do Domri quando ele começou a comemorar: “Uhulll! Tá vendo?! Eles detonaram Vitu-Ghazi! Krokt, deram a letra pros caidaços dos Selesnya!”
Alguns dos parceiros dele assentiram ou grunhiram, concordando, mas o resto só ficou encarando ele em choque.
Ele disse: “Gruul, a gente tá do lado errado! Esse dragão tá sacudindo o barraco! Ele vai derrubar as guildas! Ele vai demolir Ravnica! Não era isso o que a gente sempre quis? Quando as guildas caírem o caos vai mandar, e quando o caos mandar é o Gruul que é rei! ‘Tendeu? Vamos lutar pelo dragão!”
Eu lutei contra a vontade de enfiar minhas adagas nos olhos do besta do Domri e fiquei de olho para ver o que o meu pai faria. Gan Shokta não decepcionou. Ele parou com um olhar ameaçador e disse: “Rade, você serviria àquele mestre?”
“Parceria, irmão, não vou servir!”
“Você não sabe a diferença, guri. Você não é líder de clã coisa nenhuma. Você segue, não lidera. Eu vou voltar com o Borborigmo.”
O besta do Domri parecia atordoado. Gan Shokta olhou feio para ele, se virou e foi embora. Eu fiquei olhando ele partir, cheia de orgulho Gruul.
Bom, hoje foi um dia meio Gruul para mim.
O Teyo olhou para mim. Me ocorreu que ele deve achar que Gan Shokta devia ter dado mais atenção à própria filha. Eu dei de ombros. O Teyo é bonzinho, mas não entendia a situação da minha família, nem um pouco.
O que é totalmente compreensível, já que é um caso curioso, e eu ainda não contei nada para ele.
Eu não tenho o costume de contar para as pessoas, para falar a verdade, e eu nem sei como contaria. Mas acho que eventualmente ele vai entender.
De qualquer modo, o besta do Domri ficou bicudo por um segundo ou dois antes de falar: “Esquece o Gan Shokta. É um velho caidaço também! Essa é a nossa hora, ‘tendeu?”
A Mestra Kaya disse: “Você é um imbecil, Rade. Nicol Bolas não tem boa-fé com quem ele escolhe; por que você acha que ficaria nas graças dele sem ser convidado?”
Mas o besta do Domri a ignorou, levando seus guerreiros morro abaixo até a praça, chamando: “Ei, ô dragão! Tem ajuda chegando! Vamos contigo demolir geral!”
A Kaya parecia brava o suficiente para puxá-lo de volta arrastado, e eu estava com raiva o suficiente pra cortar a língua dele fora.
Mas tinha outra safra de Eternos subindo o morro pelo outro lado. Então, todos suspiramos e nos preparamos para mais uma luta.
IV.
Eu não ouvi as palavras — elas eram para os planinautas e não para alguém como eu — mas eu senti o toque mental do Senhor Beleren como se fosse uma pedrinha pulando pelo lago da minha mente.
Mas para a Mestra Kaya foi obviamente mais intenso. Distraída — talvez até com dor — com o que o Senhor Beleren estava projetando, ela quase foi partida ao meio pelo machado de outro minotauro Eterno antes de eu puxá-la para longe.
“Você ouviu isso?” Perguntou o Teyo, confuso.
“Ouviu o quê?” Perguntei enquanto pulava nas costas do minotauro mas — sem conseguir passar pelos chifres curvos e esfaqueá-lo nos olhos — enfiei minhas duas adagas pequeninas na nuca dele.
A gente ainda estava no bando. Os Gruul tinham ido embora. Alguns tinham seguido o besta do Domri. Alguns tinham seguido o meu pai. Mas os Simic e os Izzet ainda estavam com a gente, assim como a Dona Samut, Dona Kiora, Dona Saheeli, e Dona Huatli.
Meu ataque no Eterno com chifres de carneiro causou pouco dano, mas tirou a atenção do esquisitão que parou de incomodar a Mestra Kaya. Com o objetivo concluído, eu pulei para longe e corri para trás de um dos escudos do Teyo.
O minotauro confuso olhou em volta, procurando por
De repente, outro planinauta — um viashino alto com pele verde-limão — materializou bem na nossa frente.
Ele só teve tempo de dizer “O que é issssssso?” Antes de uma Eterna o agarrar pelas costas. Ela não usou arma nenhuma no homem-lagarto, mas o que aconteceu depois foi um horror: a esquisitona parecia estar sugando a força vital das costas do viashino, como a ventilação Izzet suga a fumaça. Ela absorveu aquele brilho até que o corpo dela começou a brilhar, até criar — ou ressaltar — rachaduras no lazotep.
O viashino caiu como um folhelho sem vida enquanto a Eterna explodia de dentro para fora. Daí o brilho subiu como um cometa na direção da praça do Décimo Distrito, até o dragão. A Eterna que explodiu caiu por sobre o viashino morto, como se fossem namorados morrendo abraçados juntos.
A sorte é que a Dona Huatli já estava matando o último esquisitão dessa safra em particular, porque todo o resto só ficou olhando, completamente chocado.
Naquela hora eu senti o toque mental do Senhor Beleren de novo. Eu olhei para o Teyo, que mesmo de cara fechada entendeu o que eu perguntava com os olhos e disse: “Era o Beleren, das Sentinelas. Ele disse: ‘Bater em retirada. Precisamos de um plano. Falem com todo Líder de Guilda e planinauta que encontrarem. Nos encontramos no Senado Azorius. Agora.’”
Acho que ganhamos novas ordens
A Guerra da Centelha Arquivo das Histórias
Perfil do Planeswalker: Domri Rade
Perfil da Planeswalker: Huatli
Perfil do Planeswalker: Jace Beleren
Perfil da Planeswalker: Kaya
Perfil da Planeswalker: Kiora
Perfil da Planeswalker: Saheeli Rai
Perfil da Planeswalker: Samut