Conto anterior: A Hora da Eternidade

"O mundo desmoronou sob os pés do poderoso Faraó-Deus, e uma hora sem nome começou quando o sol carmesim banhou a terra em uma luz vermelho-sangue. E assim a Hora da Devastação reinou sobre a terra, e o Faraó-Deus completou seu grande plano, deixando ruína pelo caminho enquanto a escuridão consumia e desfazia a cidade por inteiro."


Samut corria.

Atrás dela, seguia o pequeno grupo de sobreviventes. Djeru mantinha o passo mais lento do grupo, cuidando da retaguarda.

Fujam da cidade. Fujam até o deserto.

A ordem de Hazoret queimava no fundo da mente de Samut enquanto eles se deslocavam. Ela e Djeru obedeceram a deusa, separando-se de Hazoret e seguindo para os limites da cidade. Enquanto viajavam, o grupo aumentara com outros sobreviventes que se uniram a eles na luta.

O grupo diminuíra enquanto a destruição que os deuses instigavam fazia a cidade desmoronar em torno deles.

Fujam até o deserto.

As dunas infinitas e as areias que afogam foram símbolos de perigo e de morte para o povo de Nactamon por muito tempo, e um lembrete pessoal de insensatez e perda para Samut. Mas agora o deserto era a última esperança para a sobrevivência de seu povo.

O grupo incongruente aproximou-se de um edifício que ficava próximo de onde a Hekma estivera há apenas algumas horas. Antes ele era um barracão para vizires de Kefnet que mantinham e reparavam a barreira, e agora parecia completamente abandonado a não ser por alguns grupos de gafanhotos que se agarravam em várias superfícies. Com um gesto, Samut indicou para os outros que se abrigassem atrás de uma parede. Ela escalou a pedra sem polimento e subiu até o topo para obter visão estratégica.

À sua frente, os desertos de Amonkhet se estendiam até o horizonte. Os ventos arrastavam ondas de areia pelo ar, e as dunas ondulantes criavam sombras estranhas. Samut não conseguia discernir se elas se mexiam por causa da luz, do vento, ou porque escondiam algum horror desconhecido. Ela sabia que havia ruínas enterradas fora da cidade - lugares onde eles poderiam se esconder temporariamente e conseguir algum abrigo - mas além disso, ela estava perdida.

Hazoret ainda acreditava que o Faraó-Deus poderia vir a salvá-los da escuridão. Alguns de seu grupo também pareciam acreditar nisso, ainda invocando o Faraó-Deus em seus gritos de guerra ou sussurrando preces por seu retorno, para consertar o que dera errado. Mas Samut sabia da verdade.

Uma série de gritos irrompeu logo abaixo. Samut viu todos os sobreviventes abaixo apontando de volta para a cidade. Um abismo sombrio se abriu no céu e de suas profundezas insondáveis, uma figura gigantesca e dourada apareceu. Confusa, Samut franziu o cenho por um momento. E então ela viu os chifres dourados daquele ser.

Samut empalideceu.

Ele chegara.

Nicol Bolas, the Deceiver
Nicol Bolas, o Enganador (Decks de Planeswalker) | Ilustração:Svetlin Velinov

Alguns em seu grupo comemoraram. Alguns começaram a correr de volta ao coração da cidade, na direção do Faraó-Deus que estava longe.

Foi neste momento que o dragão levantou sua mão e um fogo negro caiu dos céus.

Samut gritou mais alto do que o barulho, pedindo com urgência que voltassem e entrassem no barracão. Ela suprimiu uma onda de desespero quando viu uma bola de chamas aniquilar um jovem minotauro que corria de volta para o grupo. Ela deslizou pelo terreno para coletar uma menina aviana em seus braços, correndo de volta para o abrigo com a criança e empurrando-a para os outros. Ela os seguiu assim que todos os outros entraram. Djeru guiava o povo como um pastor faria, direcionando a todos para o centro do aposento, longe de entradas e de janelas. O som arrepiante de explosões em paredes e outros edifícios reverberava em seus ossos, pontuado somente pelos soluços baixinhos das crianças.

"Po-por que o Faraó-Deus faria—" um jovem naga que Samut supunha que mal tinha idade para ser discípulo gaguejava com olhos arregalados.

"O Faraó-Deus é uma mentira." Samut falou alto o suficiente para que todos no aposento a ouvissem. "Ele não é um grande redentor. Ele é um invasor vindo de outro mundo."

"Is-isso não pode ser verdade. Aquele . . . monstro não pode ser nosso Faraó-Deus prometido." Um homem alto e de tórax amplo empurrou alguém para chegar ao centro do grupo. Samut o reconheceu, era Masikah da safra Ahn.

"Vocês não têm olhos para ver, ou ouvidos para ouvir? Seus corações não sentem? A morte dos nossos deuses! A destruição da nossa cidade! Esta mágica de chama infernal, vinda das próprias garras do Faraó-Deus!” Samut falou com convicção gélida, encarando Masikah diretamente.

Uma voz gritou dentro da pequena multidão. "Nós fomos traídos! Nossos deuses foram traídos!" Gritos raivosos concordavam aos poucos em todo o grupo ali reunido.

"Os deuses sombrios são os arautos dele, e não seus adversários." Samut pousou sua mão no ombro de Masikah. "Devemos encarar a verdade e lutar para sobreviver."

Samut virou-se e falou para a multidão, olhando nos olhos de cada um. "Eu descobri as histórias apagadas do nosso povo. Eu vi as ruínas e lugares escondidos nas areias." As palavras de Samut foram suavizando enquanto ela falava. "Eu esperava estar errada, estar louca, esperava que todas as heresias que eu encontrei não fossem verdade. Mas todos os meus piores medos se concretizaram."

Sobreviventes murmuravam entre si. Algumas faces se endureciam em raiva enquanto outras se viravam para Samut, esperando por suas próximas palavras. Ela abriu a boca para falar, mas uma dor lancinante atravessou seu peito. Samut dobrou-se e tentou tomar fôlego entre dentes cerrados. Quando ela olhou para a frente, viu todos os sobreviventes agarrando seus corações, com faces congeladas e atordoadas, em choque. Um dos sobreviventes mais jovens vomitou.

Qual delas caíra?

Samut determinou-se a escolher bem suas palavras.

"Agora, quatro de nossos deuses estão mortos. Sim, quatro" disse ela, gritando para ser ouvida acima dos lamentos e gemidos de pesar dos sobreviventes. Alguns balançavam a cabeça, negando a verdade que Samut acabara de anunciar. Outros apenas olhavam a ermo para algum canto, atordoados em seu silêncio. Samut manteve a pressão.

"Eu vivo pela glória dos meus deuses. Eu rejeito as mentiras do falso Faraó-Deus. Nós temos que resistir e proteger o que é nosso. Nós temos que sobreviver. Nós temos que desafiar o grande intruso."

"Eu estou com ela."

Surpresa, Samut se virou com o coração apertado e emocionado. Djeru levantou-se de onde estava consolando uma jovem sobrevivente e encarou a multidão. "Samut é minha amiga mais antiga. Eu, mais do que todos, pensei que suas palavras eram uma heresia vil quando ela levantou a voz contra o Faraó-Deus pela primeira vez. Mas eu vi mais do que precisava para perceber que ela diz a verdade."

Um silêncio desconfortável recaiu sobre o grupo, até ser quebrado pelo jovem menino naga.

"O que que a gente faz agora?" perguntou ele, olhando para quem estava mais próximo dele.

"O que a gente pode fazer?" lamentou uma voz na multidão. Murmúrios concordavam aos poucos entre sobreviventes.

Outra voz, clara e ousada, cortou os murmúrios. "É uma boa pergunta. O que podemos fazer contra deuses malignos que matam a divindade, ou contra um dragão que faz chover fogo dos céus?"

Alguns sobreviventes deram passagem para que Hapatra chegasse ao centro do grupo. Samut olhou para Djeru e depois para a vizir antes de responder. "Hazoret pediu que Djeru e eu protegêssemos quem fosse possível - que nos escondamos entre as areias do deserto. Que sobrevivamos. Nós desafiamos o intruso ao viver."

Algumas cabeças assentiam.

Samut desembainhou suas khopeshes gêmeas. "Mas eu vou voltar para dentro da cidade."

Ela caminhou até a porta e virou-se para falar com o povo que estava naquele aposento. "Eu não pediria que nenhum de vocês viesse comigo. Escapar e sobreviver seria uma honra ao desejo de nossa deusa, e seria um ato corajoso de desafio ao intruso." A voz de Samut embargou, mas ela continuou falando. "Mas eu não suportaria a morte de mais um deus. Hazoret pediu que nós fujamos, mas eu voltarei porque devo tentar proteger a quem me protegeu por toda a minha vida."

Djeru também desembainhou sua arma. "Eu vou contigo, irmã." Ele virou-se para a multidão. "Nós, filhos e filhas dos deuses, nunca tivemos medo da morte. Eu tive uma vida contente dedicado a um pós-vida de glória. Agora, me orgulho em dar minha vida em defesa do que é divino."

Mais guerreiros ficaram de pé e desembainharam suas lâminas e prepararam seus cajados, com faces firmes em uma determinação sóbria.

"Eu não irei com vocês."

Quando Hapatra falou todos se viraram para ouvi-la. "Apesar de meu coração desejar a mínima chance de vingar a morte de meu Rhonas, eu sei que meus venenos serviriam melhor para criar um caminho para os vivos." Ela desembainhou sua adaga e a segurou em frente ao seu tórax em uma saudação, e uma cobra pequenina se enroscava em seu braço, vinda de dentro da manga. "Eu sou a presa quebrada de Rhonas, e sei onde atacar para fazer com que os mortos-vivos e as monstruosidades parem em seu caminho. Eu vou abater tudo o que ameaçar nosso povo enquanto buscamos refúgio nas areias." Hapatra encarava Samut com uma intensidade que chegava a queimar. "Eu confio a segurança de nossa deusa em tuas mãos, Samut."

Samut devolveu a saudação com suas khopeshes. "Saber de nossos pontos fortes e sacrificar nossos desejos pelo bem de outrem não é fácil. Agradeço pela tua bravura."

Ela virou para os outros e elevou uma lâmina ao ar. "O resto, comigo! Vamos encontrar e proteger nossa última deusa!"


Samut cerrava os dentes. Eles são imbatíveis.

Mesmo quando Djeru empurrou dois deles, um terceiro veio com lança pronta para o ataque. Samut gritou quando Djeru parou o golpe da lança que o minotauro coberto de lazotep desferiu. Ela deslizou para perto e atingiu o guerreiro morto-vivo com suas khopeshes, deixando dois talhos profundos em seu tórax. O golpe não pareceu afetar nem um pouco o minotauro quando ele derrubou tanto Samut quanto Djeru com um chute giratório poderoso.

Quando cambaleou e ficou de pé, Samut notou que apenas mais quatro lutadores ainda estavam lá; o resto caíra para as ondas intermináveis de guerreiros eternizados. A piada cruel das Horas prometidas estava presa nos pensamentos de Samut. A Hora da Eternidade, quando os mortos dignos se levantariam para um pós-vida glorioso. A face de Samut se retorceu. Isso se o "glorioso pós-vida" significasse abater a tudo o que você já adorou neste mundo.

O minotauro conjurou uma chama raivosa que engoliu a ponta de sua lança. Djeru se aproximou. Eu . . . nunca vi os mortos-vivos conjurarem mágicas antes," disse ele.

"Eu nunca vi os cadáveres de nossos campeões mortos imbuídos com lazotep e lançados contra a cidade antes," disse Samut. "Tem uma primeira vez para tudo."

Djeru abriu um sorriso largo. "Que sorte a nossa."

"Se estes são nossos campeões do passado, então este deve ser ele," disse Samut. Enquanto o minotauro se aproximava, Samut e Djeru deram um passo para trás. Sua lança girava em uma das mãos atrás dele criando um padrão estonteante de luz. Djeru assentiu com a cabeça. O campeão brutal com a lança em chamas só podia ser Neheb, o Digno: um iniciado lendário que tinha tanta habilidade em magia quanto em combate. Ele passara nas Provas quando Samut e Djeru eram apenas crianças. Seus treinadores o chamavam de "o maior guerreiro de toda uma geração." Seus instrutores de combate corpo-a-corpo diziam: "lutem como Neheb."

Neheb, the Eternal
Neheb, o Eterno | Ilustração: Chris Rahn

”É tolice lutarmos contra ele," sussurrou Samut para Djeru, ajustando a pegada em suas lâminas.

Djeru mudou de posição, de olho em Neheb. "Nós conseguimos dar conta dele, irmã."

"E para quê? Não temos esperança de derrotar a todos os campeões eternizados de Amonkhet. Nós devíamos estar procurando pela última deusa que resta."

Neheb apontou sua lança para a frente, enviando uma onda de chamas na direção de Samut. Samut evadiu-se da chama, mas Neheb já partira para o ataque com sua lança apontada para o peito de Djeru. Djeru parou o golpe com sua arma e o minotauro manteve a pressão, aproximando-se o suficiente para dar um poderoso soco no rosto de Djeru, que caiu estatelado no chão. Samut deu um rugido e saltou contra ele, atacando de cima com suas khopeshes. Neheb contra-atacou com um chute veloz no estômago dela. O golpe a lançou para trás e a deixou sem fôlego. Em um piscar de olhos, Neheb aproveitou a guarda aberta e lançou-se contra Djeru com sua lança em riste para perfurar o guerreiro prostrado.

Um clarão de luz atordoou a todos os lutadores que lá estavam. Samut pulou para ficar de pé e encontrou o forasteiro Gideon entre Neheb e Djeru, e a luz dourada de sua invulnerabilidade impedindo que a lança flamejante do minotauro lhes atingisse. Em torno deles, os outros quatro forasteiros avançavam, lançando mágicas em um ataque contra os Eternos. Neheb atingia Gideon mais e mais, mas nada perfurava sua luz dourada.

Samut aproveitou a oportunidade. Ela correu até o minotauro Eterno e o esfaqueou pelas costas com ambas suas khopeshes, e ele caiu ao chão. As lâminas racharam o lazotep e deixaram ranhuras profundas. Ela retirou suas armas e o esfaqueou novamente - perfurando desta vez a base de sua nuca. Neheb — na verdade, a monstruosidade que um dia fora Neheb — tremeu e após um breve espasmo, finalmente ficou inerte.

Então eles podem ser destruídos, pensou Samut. Ela olhou em volta para ver os outros forasteiros despachando outros Eternos. Aquela com orelhas pontudas e olhos verdes alarmantes —Nissa— ajudava um dos guerreiros feridos, curando seus cortes e hematomas.

Djeru ficou de pé e deu um tapinha nas costas de Gideon. "É a segunda vez hoje que você me salva. Da primeira, fiquei furioso. Agora, estou grato."

Gideon começava uma resposta quando Jace cortou o momento. "Estamos perdendo tempo e energia aqui, Gideon. Nicol Bolas refez este lugar à própria imagem. Ele tem a vantagem aqui. Precisamos nos aproximar com cautela. Mas quanto mais demoramos, mais tempo Nicol Bolas tem para se preparar."

"Concordo," disse Liliana. "Tenho certeza de que ele já sabe que estamos aqui." Samut perguntou-se como as vestes da mulher ficaram encharcadas de sangue - e como ela ainda conseguia manter a pose e a elegância ainda assim.

"Então, levamos a luta até lá." Gideon deu um passo à frente, mas Samut tomou sua mão.

"Eu irei com vocês," disse ela.

Gideon hesitou. Djeru aproximou-se. "Nós não vamos, Samut. Nós vamos deixá-los seguir."

O temperamento de Samut a tomou. "Djeru, como você diz uma coisa dessas? Se eles pretendem matar o intruso, o único responsável por isso tudo—"

"Nós daremos nosso apoio ao sair de seus caminhos."

Samut fumegava, mas Djeru levantou sua mão.

"Samut, você é uma lutadora mais forte do que eu." Djeru balançou a cabeça para interromper a objeção formada nos lábios de Samut. "Talvez outros falem de nós como iguais, mas nós dois sabemos da verdade. Só há uma coisa que eu faço melhor do que você: ver o potencial de quem está à minha volta."

Samut lembrou-se da liderança de Djeru sobre sua safra, sobre seu conhecimento intuitivo das habilidades e fraquezas de cada membro dela, e ficou em silêncio.

Djeru prosseguiu. "Uma guerreira sábia disse uma vez que ‘saber de nossos pontos fortes e sacrificar nossos desejos pelo bem de outrem não é fácil.’”

Samut revirou os olhos. "Elogios não vão me convencer, irmão, nem pense nisso."

"Os forasteiros devem abater ao Faraó-De--o intruso." Djeru olhou na direção dos grandes chifres ao longe, para o segundo sol plantado em seu zênite entre os chifres. "Devemos manter nosso percurso. Encontrar a última deusa de Amonkhet, protegê-la e proteger o povo de nossa cidade."

Samut olhou fixamente para Djeru, e depois suspirou. Ela agarrou um braço dele e o puxou em um abraço. "Estou grata em ter você comigo de novo, Djeru."

Ela olhou para os forasteiros - cinco estranhos com marcas estranhas e controlando poderes estrangeiros. Ela não sabia se acreditava neles ou em suas habilidades para subjugar o intruso. Quando ela falou, olhou nos olhos de cada um deles.

"Pelo que ele fez ao meu povo, aos meus deuses, ao meu mundo - matem-no. Matem o grande destruidor. Matem o dragão intruso. Matem Nicol Bolas."


Samut não estava acostumada com seguir alguém na furtividade.

Após deixar os forasteiros planejando sua batalha contra o dragão, Samut, Djeru e seu pequeno grupo coletaram mais alguns sobreviventes. Os grupos de Eternos que vagavam pareciam ir diminuindo - mas somente porque os cidadãos vivos da cidade já morreram, escaparam, ou em raras ocasiões se esconderam bem o suficiente para sobreviver. As ruas de Nactamon estavam estranhamente quietas, e o silêncio era quebrado ocasionalmente pelo zumbido de asas de gafanhotos, ou pelos cadáveres vagantes reanimados pela Maldição dos Andarilhos.

À frente de Samut, um jovem vizir de Hazoret os liderava. O vizir se apresentou como Haq, e contou para Samut e Djeru sobre a batalha que testemunhara contra Bontu e Hazoret, da traição de Bontu e da última crueldade do Faraó-Deus. Ele não podia ter mais de quatorze anos, com apenas um ano ou dois como vizir, mas ele falava com tal calma e eloquência que aparentava ter mais idade.

"Após a queda de Bontu, o deus escaravelho acordou os Eternos e eles atacaram a cidade," dissera Haq. "Eu tive tempo de escapar, pois estava no alto do templo de Hazoret, mas no caos que irrompeu eu não consegui acompanhá-la."

Apesar disso, como vizir de Hazoret seu coração batia junto com o de sua deusa, e ele conseguia sentir levemente sua presença. Ele estava tentando seguir seus movimentos e alcançá-la quando um grupo vagante de múmias o trancou em um depósito. Ele se escondera com os barris de peixe salgado até que o grupo de Samut o encontrou por acaso.

Agora, o menino liderava o grupo e Samut estava logo atrás dele. Samut rezava silenciosamente para encontrarem Hazoret a tempo, mas parou. Parecia estranho rezar para a divindade que estavam tentando salvar.

Haq levou o grupo de sobreviventes por um caminho ao pé de um monumento enorme e depois de dobrar uma esquina, ele congelou. Todos os demais perderam o fôlego quando dobraram a esquina para ver.

O corpo inerte de Rhonas estava lá no chão. Alguns dos sobreviventes caíram de joelhos. Outros se aproximaram lentamente com as mãos estendidas, desesperados para provar que a realidade à sua frente era miragem. Mas os dedos trêmulos encontraram escamas douradas e vestes divinas. A finalidade de sua morte banhou a todos que sobreviviam. Lágrimas, gritos de raiva e abraços silenciosos se seguiram. Djeru aproximou-se do deus, ajoelhando-se e pousando a mão na face de Rhonas.

Mais uma vez, a raiva borbulhava nas entranhas de Samut quando ela se aproximou do corpo caído do Deus da Força. Ela subiu no peito dele e ficou de pé, causando ondas de choque em alguns dos demais. "Irmãos. Irmãs. Nós sofremos a perda. Mas vamos perdurar. Se acredita que o Faraó-Deus está testando você, ataque comigo para provar seu valor. Se acredita que ele traiu todos nós, junte-se a mim para lutar pelo futuro! Nós vamos incorporar a dádiva da força que Rhonas nos ensinou por sua Prova!"

Life Goes On
A Vida Continua | Ilustração: Daarken

Com gritos de solidariedade, sobreviventes em torno dela gritaram e suas faces se endureciam, da perda à raiva.

De repente, Djeru ficou de pé, com os olhos colados no horizonte. "Samut. Acho que devemos procurar abrigo," disse ele.

Samut apertou os olhos para ver o que ele via. Uma tempestade de areia gigantesca vinha da direção do Portão para o Além. Antigamente uma tempestade dessas teria se chocado contra a Hekma e deslizando sem causar perigo à barreira — mas sem sua proteção as areias dançantes em ventos uivantes se aproximavam rapidamente em uma barreira sólida de poeira e escuridão.

Samut chamou os sobreviventes e virou-se para a retirada, por onde vieram. Mas de repente Haq agarrou a mão de Samut e apontou diretamente para dentro da tempestade. “Irmã. Hazoret está vindo. Ela não está sozinha."

Samut olhou para o menino e desembainhou suas khopeshes. "Guerreiros. Preparem-se. Estejam prontos!"

Sobreviventes desembainharam suas armas e puxaram panos para cobrir suas faces. Vários deles se agacharam atrás da parede do monumento para terem algum abrigo. Samut, Djeru e Haq ficaram parados onde estavam, inclinando-se para a frente quando a tempestade chegou até eles.

As areias pinicavam através de suas roupas e armaduras. Os três protegeram seus olhos com os braços, com pés travados no chão para aturar os ventos que rebatiam. A areia grossa bloqueava a maior parte da luz dos dois sóis, e tudo ficou fosco em meia-escuridão, com o rugido do vento bloqueando todos os outros sons.

Então Samut viu: uma sombra grande se aproximando nas trevas. A silhueta cresceu e sua forma ganhou nitidez, seguida logo do som de pés gigantescos que corriam. E então Hazoret emergiu das nuvens de areia e mais uma vez Samut sentiu seu coração surtar ao ver a deusa.

Sua empolgação foi abafada imediatamente quando pôde ver melhor. Hazoret não parecia estar bem. Ela agarrava sua lança com uma só mão, enquanto a outra balançava estranhamente ao longo do corpo. Ferimentos e cortes decoravam seu corpo dourado, e a respiração da deusa parecia trabalhosa e frequente.

"Hazoret! Viemos ajudar você!" Gritou Haq, tentando superar o rugido da tempestade. Samut viu Hazoret virar-se ao olhar para eles, e sua face mudando de determinação para surpresa em um piscar de olhos.

Fujam.

O comando ecoou na cabeça de Samut como uma ordem, e ela deu vários passos para trás antes de recuperar o controle sobre si mesma. A atenção de Hazoret já se virara para sua retaguarda, e Samut deu um pulo ao notar que a torre de trevas que ela julgava ser apenas o restante da tempestade era, na verdade, uma sombra ainda maior.

Uma cauda de escorpião perfurou a neblina e Hazoret parou o golpe, esquivando-se para o lado enquanto a forma gigantesca do deus escorpião irrompia da tempestade. Ela está lenta, notou Samut. Devagar. E está lutando com uma só mão.

E ainda que tão ferida, Hazoret se movia com poder e determinação. O deus escorpião se virou para observá-la, mas Hazoret desapareceu em uma explosão de chamas e areia. As mandíbulas do deus escorpião estalaram e Samut o viu mudar de direção e se lançar para dentro da treva, seguindo Hazoret por algum sentido desconhecido.

"Ela está conjurando uma mágica," disse Haq. Samut olhou para onde Haq apontava, e viu um pequeno anel de fogo dançar no chão, rebatendo no vento. Na escuridão, por toda a areia, Samut viu outros pontos de luz aparecerem brilhando enquanto o som de golpes titânicos continuavam.

"Guerreiros! Retirada!" Gritou Djeru, se afastando do círculo flamejante. Samut e Haq o seguiram, e os sobreviventes correram todos para se proteger atrás do monumento ali perto.

O ar craquelou com energia e um pilar de chamas gigantesco irrompeu na tempestade de areia, lambendo a areia com línguas de fogo sedentas alimentadas pelos ventos. O próprio ar pareceu queimar quando as chamas em espiral criaram uma coluna gigantesca de fogo, tão alta quanto os maiores monumentos de Nactamon. O calor da conflagração criou bolhas na pele exposta de sobreviventes e parecia queimar a tempestade de areia, já que o feitiço de chamas retorcia e consumia a tudo em seu raio.

Samut levantou a mão contra o calor e espiou na direção das chamas. A silhueta de Hazoret estava do outro lado do brilho vermelho-alaranjado. Ela segurava sua lança com sua mão boa, apontando para a pira em chamas e tremendo com sua concentração.

Após alguns momentos se arrastarem, Hazoret finalmente abaixou seu braço. O pilar de fogo permaneceu enquanto a deusa caiu de joelhos, se apoiando em sua lança para se manter de pé.

"Ela . . . o prendeu na armadilha de fogo," sussurrou Haq. E de fato, quando as chamas foram diminuindo, Samut conseguia ver a forma do deus escorpião de pé no centro da conflagração, com sua carapaça brilhando em um tom branco incandescente.

"Ele não pode estar vivo ainda," Djeru disse em um suspiro.

Mas o deus escorpião deu um passo à frente, com um braço esticado na direção de Hazoret. Ele parou, e deu mais um passo. E mais um.

E sua carapaça foi resfriando do branco incandescente ao laranja, e depois mais lentamente até um preto chamuscado. Ainda assim, ele se aproximava dela, recuperando sua determinação e potência em cada passo.

Hazoret o viu e tentou levantar-se, mas cambaleou e caiu de joelhos uma terceira vez.

E o deus escorpião correu até ela.

Uma cauda e um clarão. O som nauseante de um ferrão perfurando a carne.

A Reckoning Approaches
A Reckoning Approaches (Archenemy: Nicol Bolas)| Ilustração: Yeong-Hao Han

Samut olhava em choque. Hazoret girou seu corpo e bloqueou o golpe do deus escorpião com seu braço quebrado. O deus escorpião puxou seu ferrão e Hazoret gritou de dor. Ela rolou para trás e escapou do segundo golpe do deus escorpião. Horrorizada, Samut observou o ícore verde se arrastar brilhando pelo braço de Hazoret, subindo na direção do corpo e do coração da deusa.

A lança de Hazoret brilhou incandescente.

Um movimento de sua lâmina.

O som de carne queimando.

Uma pequena névoa de sangue evaporando no ar onde sua lâmina quente cauterizou o corte.

Hazoret agachou-se, respirando ofegante com sangue ainda saindo do ferimento que salvara sua vida. À sua frente, seu braço amputado enegreceu e o veneno consumiu toda a carne.

Mais uma vez, o deus escorpião se aproximou dela.

Samut soltou um grito primevo e correu na mesma direção, e o terror e a ira e a dor e seu coração partido derreteram-se e se transformaram em força. Atrás dela, ela tinha uma noção leve de que Haq e mais magos preparavam suas mágicas. À sua frente, estava a altura impossível do deus escorpião. Ela era tão pequenina. Ela não teria importância alguma.

E ela não se importava com isso.

O instinto tomou conta de Samut quando ela canalizou seu poder e sua magia para suas pernas. Ela pulou e se lançou por sobre Hazoret até o deus sombrio, com suas khopeshes prontas e apontadas para baixo. Ela se chocou contra o lado do deus escorpião, e suas lâminas perfuraram sua carapaça e lhe deram um segundo para firmar sua posição de escalada. Surpresa, ela teve a epifania de que o calor da mágica de Hazoret deve ter amaciado a carapaça impenetrável do deus.

Samut riu em uma mistura de ira da batalha e puro júbilo. Com uma sacudidela e um puxão em suas lâminas, ela deslizou pelo corpo do deus, utilizando a gravidade para acelerar sua descida. Com um balanço de seus pés, ela mudou de direção e talhou as costelas do deus até alcançar seu abdome, e suas lâminas fatiavam a carapaça aquecida como uma íbis corta um céu azul.

O deus escorpião rugiu e tentou bater nela - um deus insetiforme tentando esmagar uma humana que perto dele parecia um inseto. Mas Samut puxou suas lâminas e lançou-se novamente, tomando impulso do tórax do deus até suas khopeshes prenderem no braço dele. Ela cortou uma linha fina por sua carapaça antes do deus lançá-la para longe ao sacudir seu braço.

Um monte de areia amaciou a queda pouco graciosa de Samut. Quando ficou de pé, ainda atordoada, um mago minotauro se aproximou com mãos brilhando e cheias de poder, manipulando as areias para formar uma massa densa que socava as pernas do deus escorpião. Ao lado dele, outros magos lançavam raios e chamas contra o deus.

"Samut! Empurra ele no rio!" O grito de Djeru atravessou uma boa distância, e Samut o viu correndo com mais dois guerreiros na direção de um aglomerado de obeliscos.

Um sorriso amplo passou pela face de Samut quando ela entendeu o plano de Djeru. "Comigo!" ela chamou, e os sobreviventes restantes do bando avançaram, seguindo-a.

Os mortais batalhavam contra o deus enfraquecido, atingindo-o com golpes e mágicas repetidamente. Um aviano guinchou quando foi arrancado do ar e esmagado dentro da mão do deus. Um guerreiro com machados gêmeos desapareceu abaixo de seu pé, e a pisada do deus o obliterou onde estava. Um esguicho de veneno da cauda do deus atingiu vários magos de surpresa, e eles caíram em colapso nas poças ácridas.

Mas os mortais talhavam o deus pouco a pouco, com seus golpes estragando sua carapaça derretida. E eles conseguiram empurrá-lo um pouco mais para perto do campo de obeliscos. O deus escorpião irado se debatia com os combatentes que o bombardeavam com mágicas, flechas e lanças. Atrás dele, Djeru estava pronto com os outros, escondidos parcialmente atrás de um obelisco derrubado. Tão perto, pensou Samut, analisando a batalha. Mas o deus escorpião conseguiu segurar sua posição levemente à frente da armadilha de Djeru, que o aguardava.

"Precisamos empurrá-lo! Só mais um pouquinho!" Gritou Samut.

Atrás dela, Samut ouviu uma voz muito clara ressoando.

"Deus das trevas! Por Rhonas, vou te derrubar."

Samut se virou e o que ela viu a fez perder o fôlego.

Uma khenra estava sozinha, de pé, levantando o cajado de Rhonas no ar - e sua arma estava reforjada de volta, magicamente. As mãos dela brilhavam com poder dourado - algum último vestígio da força do deus que corria por suas veias - e ela correu à frente com o cajado acima de sua cabeça. Samut e outros sobreviventes saíram do caminho quando a khenra passou por eles. Com um rugido poderoso, a khenra girou o cajado e atingiu o deus escorpião.

O deus levantou seus braços para bloquear o golpe, mas a força fez com que ele perdesse o controle e cambaleasse para trás. Fragmentos de sua carapaça se espatifaram e caíram de seus braços.

Neste momento, Djeru e seu grupo correram para a frente segurando uma corda firmemente para que o deus escorpião tropeçasse e caísse de costas nos obeliscos, e suas pontas agirem como um tapete de adagas para o enorme deus.

Mas Samut viu o arco da queda do deus e que o ângulo dos obeliscos não se alinharia.

Sem dizer uma palavra, mais uma vez ela se arremessou à frente em um salto propelido por força mágica para se chocar contra o deus que caía para que ele fosse mais um pouquinho para a direita, somente o necessário, e um barulho triturante que tremeu a terra ecoou pelo campo de batalha inteiro quando o obelisco perfurouo tórax do deus escorpião.

Os sobreviventes que ali estavam comemoravam com selvageria, mas Samut apenas observava o deus com suspeita e sobriedade. Em espasmos, o deus arranhava o obelisco em seu peito inutilmente, mas não parava de se mexer. Qualquer poder que o fazia perseguir e matar ainda repuxava seu corpo quebrado, ainda comandava sua cauda a chicotear fracamente a esmo.

"Obrigada, minhas crianças."

Hazoret mancava na direção do deus escorpião, apoiada em sua lança como a um cajado, e com o jovem Haq caminhando a seu lado. Os sobreviventes fizeram menção de caminhar até ela, mas Hazoret balançou a cabeça.

"Vocês fizeram mais do que eu poderia pedir. Mais do que qualquer mortal já fez. Mas esta tarefa deve ser terminada pessoalmente por mim."

Samut, Djeru e os demais se afastaram quando Hazoret se aproximou do deus escorpião ainda com alguma dificuldade e fraqueza. Hazoret olhava para o monstro gigantesco e lágrimas cintilavam em sua face.

"Mataste meus irmãos e irmãs. Mas sei que não foi por teu desígnio ou teu desejo. Descansa agora, irmão. Que minhas chamas te libertem desta forma e destas amarras de sombra."

Hazoret perfurou o deus escorpião com sua lança de duas pontas no lugar onde o obelisco estava alojado em sua carapaça. O calor que emanava dela fazia o ar à sua volta dançar, e uma fumaça preta começou a ondular de dentro do deus escorpião até que sua carapaça implodiu e o deus foi reduzido a brasas e cinzas.

Ao terminar, Hazoret puxou sua lança e fincou-a no chão. A deusa olhou em volta até encontrar Samut, e então se ajoelhou perante a mortal. Samut estava de pé, chocada. Hazoret estendeu sua grande mão, e Samut levantou as suas, abraçando um dos dedos da deusa e sentindo o brilho caloroso e recuperador de Hazoret à sua frente.

Na arena, Samut, me disseste que acreditavas que eu não fosse o que estava sendo forçada a fazer - que eu protegeria a meus filhos e filhas quando mais precisassem de mim.

Samut olhou nos olhos de sua deusa e sorriu. "Foi o que você fez, Hazoret. E por isso eu lhe sou grata."

Hazoret meneou a cabeça. Eu não teria conseguido sem vocês. Vocês, amadas crianças, me protegeram quando eu mais precisei de vocês.

Meu coração é seu. Agradeço a ti Samut, Que Foi Testada. Viste através das Provas e foste vitoriosa contra a escuridão além dela.

Sem se segurar, lágrimas de alegria rolaram pelo rosto de Samut. O orgulho, a força e o amor sem limites por sua deusa inundaram seu corpo. Ela sabia que este momento era apenas um pequeno triunfo frente à escuridão que os sobrepujava, mas aquela chama de esperança crepitava ainda viva, salva da destruição e protegida dos ventos do grande intruso.

A euforia afogou tudo o mais que havia.

E dentro de sua alma uma força poderosa craquelou e se acendeu.

Um surto de energia banhou o corpo de Samut e ela sentiu seus músculos contraírem enquanto sua mente expandia — ela estava caindo, caindo pelo espaço, por ondas brilhantes de éter, movendo-se em velocidade infinita e nenhuma ao mesmo tempo, tombando para dentro de uma fenda na própria realidade. De repente, o ar desértico em seu entorno foi substituído por uma brisa fresca, e Samut se viu de pé sobre gramas estranhas, e plantas ondulavam a seus pés.

Samut olhou para cima e seus olhos não compreendiam muito bem o que ela via. O céu não tinha sóis - na verdade, o mundo parecia coberto de uma escuridão estranha, pontilhada com luzinhas peculiares que dançavam e piscavam como pedras preciosas muito distantes. Padrões estranhos de cores dançavam pelo céu, e alguns dos pontos brilhantes pareciam cintilar mais do que outros. Samut esfregou os olhos. Se ela olhasse por tempo suficiente, eles pareciam formar um tipo estranho de padrão, uma luminescência interligada que parecia tomar uma forma quase familiar, como um pensamento que fica nos limites da memória ou nos fragmentos sussurrados de um sonho esquecido . . .

Art by Kieran Yanner
Ilustração: Kieran Yanner

Samut tirou os olhos do estranho céu e olhou à sua volta. Ela conseguia discernir a silhueta escura de alguns edifícios a alguma distância, de arquitetura reta e rígida. O vento continuava a dançar pela grama a seus pés, e seu assobio era quase musical quando ele acarinhava sua pele enquanto cheiros que ela não conhecia faziam cócegas no nariz.

Uma onda de pânico profundo emergiu dentro dela. Isso aqui não é Nactamon. Aqui não é Amonkhet. É . . . algum outro mundo.

Ela pensou nos forasteiros, em suas mágicas estranhas, vestimentas esquisitas e marcas incomuns.

Eu . . . sou um deles. Eu caminho entre mundos.

Ela sacudiu a cabeça e gritou, frustrada. Ela precisava voltar para casa. Precisava ajudar Hazoret, que ainda estava muito ferida, e ajudar seu povo a escapar—

Samut virou-se para correr, evocando instinto e memória para conjurar magias ainda novas e finas. Quando suas pernas murcharam, ela sentiu a mesma sensação estranha e indescritível tomar seu ser. De repente, uma força a arrancou da realidade, com sua magia entrelaçada nas fibras de seus músculos e seu corpo servindo como meio para uma mágica que ela mal sabia que conseguia conjurar. Ela tombou novamente para dentro do azul das cores que giravam e piscavam, e enquanto ela caía ela pôde sentir vagamente que outros mundos — planos — passavam por ela até que com outro puxão ela caiu de joelhos na areia tão cálida e familiar, banhando-se mais uma vez no brilho da presença de Hazoret.

À sua volta, outros sobreviventes olhavam chocados após terem visto sua campeã desaparecer em um borrão no ar e reaparecer antes que alguém pudesse reagir.

Minha filha.

A voz cálida de Hazoret ecoava na mente de Samut, e ela fez menção de ficar de pé para responder - mas seu corpo caiu exausto, sem energia alguma.

Hazoret tomou Samut em sua mão, e a segurou gentilmente até que dois outros sobreviventes apressaram-se em tomá-la nos braços e deitá-la no chão. Djeru ajoelhou-se ao lado de Samut com o cenho talhado de preocupação.

Um ruído de trovão e uma onda de poder chamou a atenção de todos para o alto.

O dragão dourado sobrevoou a cidade com relâmpagos craquelando entre suas garras. Seu olhar desceu logo abaixo, e sua gargalhada trovejou.

"Imagino que os forasteiros estejam desafiando o grande intruso." Djeru embainhou sua khopesh e ficou de pé.

Uma guerreira khenra falou. "Devíamos dar assistência a eles!"

Djeru meneou a cabeça. "Aquele é um conflito que não podemos vencer. Não estamos com todas as nossas forças."

A khenra franziu o cenho. "Então não faremos nada?"

"Nós perduramos."

Sobreviventes viraram-se para Hazoret. A deusa puxou sua lança do chão e olhou na direção de Nicol Bolas.

"Quando os deuses eram oito, nós enfrentamos o dragão e caímos. Não sei se estes forasteiros podem derrotá-lo. Rezo pelo sucesso deles."

Ela se virou para os sobreviventes que ali estavam.

"Mas agora, minhas crianças, devemos apenas perdurar, persistir, sobreviver. Marcharemos deserto adentro para buscar abrigo em suas areias e miragens. E enquanto eu respirar como deusa de Amonkhet, protegerei a vós."

"E nós a ti." Djeru ajoelhou-se perante Hazoret e bateu no peito com seu punho. Os demais sobreviventes o seguiram, um a um.

Hazoret deu um sorriso triste e olhou para Samut. A campeã inesperada, a filha que viu a verdade, que ousou desafiar os deuses porque os amava tanto.

E ela marchou para dentro das areias distantes, com seu povo a seguindo, enquanto o dragão intruso descia sobre seus inimigos entre as ruínas de Nactamon.

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Deixar | Ilustração: Dan Scott

". . . mas ao mesmo tempo que o grande intruso fazia chover destruição sobre as ruínas de Nactamon, Hazoret, a Deusa-Sobrevivente, mãe e protetora de mortais de Amonkhet, guiava seus filhos e filhas da ruína certeira. E assim foi, e assim deve ser - divindade e mortais marchando rumo a um futuro desconhecido."

— Haqikah, sobrevivente de Amonkhet


Hora da Devastação - Índice das Histórias
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