Cerca de 1300 anos atrás

Uma leve brisa soprava sobre uma estepe aberta, e um rebanho de bestas herbívoras entravam calmamente em uma enorme cidade de pedra e vidro. Em um estremecer do ar, um dragão cortou o céu, vindo de um mundo distante.

Seu nome era Ugin, e seu propósito era, como sempre, singular.

Multidões se aproximavam para vê-lo voar, e comemoravam a chegada do dragão. Eles o guiaram até o centro da cidade. Eles sorriam ao ver Ugin, pois o Árbitro da Lei lhes disse que o Dragão Espírito era confiável. Ugin foi levado cidade adentro com grande festa, e eventualmente encontrou seu parceiro no topo de uma escadaria que levava ao que os cidadãos lhe disseram que chamava Palácio da Justiça.

A esfinge era um hieromante que vivera por dez mil anos. Suas causas eram nobres, mesmo que suas motivações não fossem.

"Ugin, meu amigo," disse Azor com um floreio de asas e um cumprimento de cabeça, "boas-vindas ao meu lar mais recente."

A esfinge tremulava suas penas de voo, e um pequeno pulso de magia de lei fez com que a multidão em torno deles se virasse e fosse embora.

"O que traz você até este mundo?"

Indagou Azor.

O Dragão Espírito falou com Azor. "Quando nos vimos pela última vez, nós conversamos sobre nosso inimigo em comum."

"O que há com ele?" Perguntou Azor. Ele olhou em volta, nervoso. "Este mundo está em perigo?"

O destruidor apareceu repentinamente em um dos mundos apadrinhados por Azor, destruiu seu trabalho, e construiu um império novo para seus próprios propósitos enigmáticos.

Ugin conhecera a esfinge menos de uma década depois disso, e revelou o nome do flagelo, seus métodos e seu histórico de vilania.

"Todos os mundos estão em perigo enquanto nosso inimigo permanecer inteiro, e livre. É por isso que estou aqui. Eu criei um ardil para livrar o Multiverso de sua influência, mas não posso concluí-lo sem você."

A esfinge respondeu: "Eu estabeleci a lei em um número incontável de mundos. Eu criei estrutura onde não havia nenhuma. Eu ficaria honradíssimo em compartilhar a imensidade de meus dons com você, caro amigo."

Ugin ficou contente. "Juntos, nós vamos livrar o Multiverso de Nicol Bolas."

O ardil que desenvolveram precisava de dois sucessos: eles precisariam de um meio ou uma oportunidade para puxar o inimigo até a prisão deles, e uma tranca para contê-lo e neutralizá-lo lá dentro. Enquanto conversavam, Azor se empolgava em delinear a hieromancia necessária para criar um objeto que amplificaria sua habilidade o suficiente para invocar o dragão dourado de qualquer local no Multiverso. Ele precisaria que Azor sacrificasse sua própria centelha, mas com a assistência de Ugin ela poderia ser retomada após a destruição de Nicol Bolas. "Existe um plano que eu venho interessado em visitar e levar a ordem - um mundo chamado de Ixalan. Eu construirei o Sol Imortal lá, no continente de Torrezon."

Azor não seria mais planinauta, mas o Sol Imortal amplificaria sua hieromancia com todo o poder de sua centelha arrancada, permitindo que ele pudesse realizar magias que uma esfinge mortal nunca sonharia em criar. Sem ajuda, seu inimigo seria invocado até a jaula e não importaria em qual mundo ele estivesse. O objeto também serviria como tranca para a prisão, garantindo que o inimigo não tivesse meios de transplanar. Ugin garantiu a Azor que graças a séculos de planejamento ele havia secretamente desenvolvido um meio para remover Nicol Bolas da existência para sempre. Eles apenas precisavam capturar o dragão dourado, e então sua tarefa estaria terminada.

"Você terá que o atrair até algum local específico," disse Azor. "Eu precisarei saber onde mirar para invocá-lo até a prisão."

Ugin naturalmente já havia pensado em tudo, pois ele era tanto astuto quanto conspirador. "Eu irei atrai-lo até Tarkir."


"Me diga mais sobre esse legislador," falou Nicol Bolas devagar enquanto casualmente arrancava o braço direito de um funcionário menor que ele segurava em uma de suas garras. Um elfo, líder de onde-quer-que-este-mundo-fique e supervisor de quem-se-importa.

Enquanto Nicol Bolas usava o membro arrancado para estapear o homem repetidas vezes, ele refletia sobre não se deixar cair tão facilmente na tentação de ser selvagem em resposta à tolice dos mortais... especialmente não quando o uso mais superficial de sua habilidade telepática seria o suficiente para obter as informações de que precisava. Ainda assim, os tapas tiveram o efeito desejado, desfazendo o estado de choque do homem o suficiente para que produzisse uma resposta. Havia uma certa noção de júbilo que Nicol Bolas alcançava somente quando punia a estupidez.

Enquanto os outros colegas burocratas deste elfo - e todo mundo na cidade - teve o bom senso de correr por suas vidas, este tolo patético permanecera no pátio. Ele começara a berrar insultos. Para um dragão ancião. Ele jurara que logo o Legislador voltaria, e novamente acabaria com todo o mal. Que injúria cansada, pensou Nicol Bolas enquanto o elfo engasgava e contava tudo o que sabia enquanto implorava por sua vida.

A esfinge. Mais uma vez, a esfinge. Este era o terceiro plano de existência onde Nicol Bolas encontrara pessoas que reverenciavam uma esfinge que viera de uma terra distante. Ele agora sabia que não era coincidência. As histórias eram parecidas demais: era sempre uma esfinge vinda de um lugar distante e desconhecido, e ela sempre impunha um sistema de justiça sobre a população antes de desaparecer novamente, deixando códigos legais laboriosos para trás - e, no caso deste plano de existência, uma estátua pretensiosa. Um planinauta, pensou Nicol Bolas, ao que tudo indica um hieromante, e ao que parece, um inimigo.

A estátua, que era maior do que deveria, fora instalada (ostensivamente, na opinião do dragão) sobre o maior edifício da cidade - um salão marmorizado com cara de oficial que fazia sombra sobre o pátio. O dragão cuidadosamente colocou o burocrata ensanguentado de pé sobre a cabeça da estátua antes de soltá-lo, esperando um segundo até garantir que o elfo tivesse se equilibrado. "Não tema, mortal," zombou Nicol Bolas enquanto se preparava para partir. "Com base em tudo o que você me contou, tenho certeza que seu Legislador retornará para ajudá-lo antes que você sangre até morrer."

"Azor," o fracote dissera. A esfinge se chamava Azor. Decidido a saber o máximo que podia sobre este Azor, Nicol Bolas sorriu com desprezo para o elfo equilibrado sobre a estátua. E então ele estendeu suas asas gigantescas e tomou os céus.

Por muitos anos, e em vários planos de existência, Nicol Bolas buscou pistas para as intenções da esfinge. Por fim, em um plano destroçado pela guerra, Nicol Bolas encontrou uma maga de lei olhando desconsolada para uma estátua quebrada - outro lembrete espalhafatoso do Legislador lendário.

O Árbitro da Lei virou nosso mundo contra si mesmo, pensou a maga de lei, e uma inundação de imagens fluiu de sua mente enquanto Nicol Bolas desenleava a trama de sua existência. É de se admirar que eu o idolatrava como um salvador, quando suas soluções só quebraram um mundo que não precisava de conserto. Só de pensar que no dia em que eu me escondi no Palácio da Justiça, ouvindo a ele e ao Dragão Espírito formarem um plano contra o Mal Verdadeiro, que eu acreditei estar mais perto do divino do que qualquer outra mortal . . .

Nicol Bolas saboreou o desespero supremo da maga de lei enquanto ela morria. Um mal verdadeiro, pensou ele, que lisonja . . .


Azor estava nas praias de Torrezon, em meio a um redemoinho de sua própria magia.

A esfinge realizou um feito de hieromancia que nenhum ser tentara até então e ninguém nunca conseguiria imitar, arrancando sua centelha para criar o artefato que ele chamou de o Sol Imortal. A esfinge pisou sobre sua obra-prima, exausto, mas mais orgulhoso do que nunca.

Ele falou através de mundos - pois nesta época os planinautas possuíam a força de deuses. "Ugin, minha força aumentou dez vezes com minha criação. Estou pronto para receber nosso prisioneiro."

Ugin ouviu e respondeu. Sua voz viajava pelas Eternidades Cegas e ressoava claramente na mente de Azor. "O trabalho de nossas vidas será completo logo, meu amigo," disse Ugin, cobrindo a palavra "amigo" com uma afinidade atraente contra a qual Azor nunca conseguiria resistir. "Eu tenho apenas que criar a isca e esperar que o destruidor chegue."

Ugin planava sobre as montanhas escarpadas de Tarkir, tão absorto em seus preparativos que não conseguiu suprimir seu completo estado de choque quando seu arqui-inimigo apareceu à sua frente.

As asas de Nicol Bolas se estenderam no caminho de Ugin como uma capa ondulante, e suas escamas cintilavam na luz da tempestade em torno dele.

"Seu felino idiota gosta demais de deixar estátuas de si mesmo," devaneou Nicol Bolas. "Eu talvez nem estivesse ouvindo suas adoráveis conversinhas em longa distância se ele não tivesse deixado tantas pistas aqui e ali."

Ugin se eriçou. "O Sol Imortal selará sua prisão, planinauta."

Nicol Bolas gargalhou e lançou-se contra seu inimigo; sua risada foi aumentando até se tornar um rugido ensurdecedor.

Eles lutavam enfurecidos pelo ar como titãs em uma tempestade.

Mas Nicol Bolas ergueu uma garra, e centenas de pares de olhos dracônicos olharam para Ugin ao mesmo tempo. Eles curvaram seus corpanzis e mergulharam no ar para atacar. O Dragão Espírito tentou escapar, mas foi pego em uma tempestade de fogo e garras.

Ele caiu. Ele teria morrido, talvez, mas um homem deslocado do tempo interveio. Aquele homem preservou Ugin em um casulo de pedra e depois desapareceu.

E Nicol Bolas transplanara para longe, para nunca mais voltar - pois ele havia vencido.

Azor esperou por um ano.

Ele manteve a vigília, de pé sobre o Sol Imortal com sua atenção direcionada para os céus, aguardando um sinal de seu amigo.

Mas nenhum sinal veio, e pela hora em que Azor notou que algo devia ter acontecido com Ugin, não havia dragão algum para invocar. Não havia nenhum inimigo para selar em sua armadilha. Não havia nenhum grande sacrifício a ser feito na luta contra o mal.

Azor foi abandonado sem centelha, e sua prisão foi abandonada sem prisioneiro.

Ele esperou décadas até finalmente perceber que não havia mais nada a fazer além do que ele fazia melhor: construir mais um sistema de leis aqui, em Torrezon.

Ele presenteou o Sol Imortal a um mosteiro que depois veio a criar a Legião do Crepúsculo, mas eles não eram aptos; então, Azor tomou o Sol Imortal de volta antes que pudesse ser utilizado pelos ditos conquistadores de Torrezon.

Ele o presenteou ao Império do Sol, e por algum tempo seus reinos prosperaram - mas seus líderes ficaram paranoicos, organizando ataques preventivos contra seus vizinhos. E então Azor tomou sua obra-prima novamente, e desta vez se trancou com ela dentro das paredes de Orazca, deixando os Arautos do Rio - o único povo sábio que havia em Ixalan - responsáveis para garantir que ninguém o encontraria ou despertaria o poder da cidade.

Por anos incontáveis, Azor ficou cismado no trono em uma torre de uma cidade vazia, amaldiçoando o nome do amigo que o abandonara.

E enquanto isso, sem Azor saber, Ugin dormia.

VRASKA

Jace contou a Vraska tudo o que sabia sobre Nicol Bolas.

A tentativa de tomar a Ponte Planar, o exército de Eternos em Amonkhet.

Na sua vez, Vraska contou a Jace tudo o que ela sabia sobre Nicol Bolas. O Plano de Meditação e a mágica-chave que lhe dava acesso, e como ela temia que o dragão a matasse caso ela falhasse com ele. Quanto mais Vraska contava a Jace, mais ambos começavam a notar a enormidade do projeto de Nicol Bolas. Vraska sentia-se culpada e aterrorizada ao mesmo tempo, como se o peso de todos os mundos estivesse sobre seus ombros.

Ela segurava a cabeça entre as mãos. "Eu devo contatar um dos sócios de Nicol Bolas, e a pessoa virá pegar o Sol Imortal—"

"—usando a Ponte Planar," terminou Jace, meneando sua cabeça gravemente. "É o Tezzeret. É ele quem você deve chamar."

Vraska meneou a cabeça brevemente. Ela não sabia quem era aquele. Jace contorceu a face. "O homem com aquele . . . braço. De quando eu era mais novo."

Vraska xingou revoltada.

Jace esfregou a face com as mãos. "Nicol Bolas enviou Tezzeret a Kaladesh para buscar um portal que pode transportar objetos. Ele enviou você atrás de algo que tranca planinautas em um plano—"

"E ele foi até Amonkhet para estourar sua fábrica de cadáveres. O que ele planeja fazer com zumbis presos em um só mundo?"

Jace empalideceu. Vraska podia ver seus olhos revirando. Ele fechou os olhos e grunhiu. "Eles não são apenas cadáveres. Eles foram tratados com lazotep; é esse mineral que foi fixo à matéria orgânica dos Eternos—"

"—Pra que se tornassem objetos que podem sobreviver a viagens interplanares." Vraska balançou a cabeça. "Ele fez um exército que pudesse transportar por todo o Multiverso. E o Sol Imortal vai garantir que ninguém mais saia depois que eles chegarem. Jace, tem alguma coisaque nos diga qual é o plano supremo dele?"

Jace pausou. "Preciso conferir. Um segundo."

Ele fechou os olhos e Vraska esperou.

A sala ficara abafada e pequenas partículas de poeira dançavam nos raios de sol que brilhavam pela entrada. Ela conseguia sentir seu próprio coração batendo em um ritmo preocupado, mas por dois minutos inteiros Jace permaneceu imóvel.

Enfim ele abriu seus olhos e olhou para ela com a expressão mais triste que ela já vira no rosto de alguém.

"Me mostra," ordenou Vraska.

E Jace o fez.

O ar tremulou com os sinais agora familiares de uma ilusão, e Vraska viu pelos olhos de Jace.

Escamas douradas. Arenito. Calor. Areia grossa na boca, nos olhos e na garganta. Amigos quebrados e perdidos. Ele tentava invadir a mente de Nicol Bolas. Sentir qual era o plano dele, impedi-lo de causar mais danos, e por um momento muito breve ele conseguira, ele viu o objetivo, e a resposta parou seu coração—

Ravnica estava escrita em letras garrafais sobre a ambição na mente de Nicol Bolas.

Não era algo propositadamente organizado, como as armadilhas da mente costumam ser, mas estava embrenhado nas intenções do dragão, estampado largo e brilhante pelo seu subconsciente.

Nicol Bolas notara a presença de Jace e retaliara, atingindo a mente do mago mental com sua força psíquica. Mas quando ele o fez, e enquanto o dragão varria seu interior, Vraska sentiu uma armadilha se ativando. Apesar de Nicol Bolas ter conseguido embaraçar as memórias de Jace, uma parte da mente dele o puxou de Amonkhet para Ixalan.

Ravnica era o objetivo de Nicol Bolas.

Tudo levava até lá.

Vraska abriu seus olhos e a projeção de Jace cessou.

Ela notou que suas mãos tremiam.

"Ele quer soltar um exército... Contra o nosso lar. Com a minha ajuda."

Os dois ficaram muito quietos. Era muito. Era grande demais e esmagador demais. O objeto pelo qual Vraska viajara por meses estava no teto acima deles.

Vraska ficou de pé rapidamente. Ela andava de um lado para o outro, xingando mais e mais e mais, pegando uma pedra e jogando-a no Sol Imortal acima dela.

"Se eu não entregar o Sol, eu fico presa aqui. Se eu o entregar, o Nicol Bolas vai destruir Ravnica. Ravnica é o nosso lar!"

Jace estava quieto.

"E você!" Continuou Vraska. "Ele vai olhar a minha mente e ver que eu te encontrei aqui! Que eu te conheço e que tudo isso aconteceu. Ele vai matar a gente!"

Ela sentou e tentou respirar fundo para acalmar seu estado de pânico. Não importa o que aconteça, o restante dos Golgari sofre. Não importa o que aconteça, ela morre.

"Isso tudo foi uma farsa tão grande," disse Jace com voz fraca. "Kaladesh, Amonkhet, aqui. As Sentinelas não protegeram nada. Não de verdade. Eu decepcionei todo mundo."

Vraska segurou novamente a cabeça com as mãos. Ela falava desconexa, tentando delinear verbalmente os planos do dragão. "Nicol Bolas pretende prender planinautas e o quê, eliminar o restante de Ravnica? Segurar o mundo para prender inimigos que o incomodam e destruir algum outro lugar? Ambos parecem inúteis - se ele quisesse matar planinautas, ele simplesmente mataria. Eu não entendo o que ele quer."

A sobrevivência era o cerne de cada escolha que Vraska fizera em sua vida. Mas agora ela não via saída. Ou ela ficaria presa em Ixalan enquanto Ravnica é consumida pelas chamas, ou ela retornaria e seria morta imediatamente pelo dragão, pois ela trabalhara com um inimigo dele. Não importa o que ela decidisse, como Nicol Bolas consegue espiar dentro da mente dela, seu lar seria destruído.

Mas... E se ele olhasse e não visse nada?

Uma ideia terrível se acendeu em sua mente. Uma ideia terrível e brilhante.

Vraska fechou os olhos e deu um suspiro longo e trêmulo. Era a ideia mais aterrorizante que ela já tivera na vida. Mas, se Nicol Bolas olhasse sua mente e não visse nada, continuando a confiar nela, permitindo que ela ganhasse o poder que ele prometera como pagamento por seu serviço . . . Ela poderia feri-lo ainda mais. Eles poderiam feri-lo ainda mais.

"Jace."

Jace olhou para ela, perturbado.

"Eu tive uma ideia, mas você não vai gostar."

Jace sacudiu a cabeça. O desamparo estava desenhado em cada linha de sua face contorcida. "Eu não sei o que eu poderia fazer para ajudar."

Vraska juntou toda a coragem que podia para fazer o pedido sair de sua boca. O que ela estava prestes a dizer era terrível, drástico em níveis alarmantes, e absolutamente necessário para a sobrevivência dos dois.

"Eu preciso que você tire temporariamente as minhas memórias de você."

Jace se retraiu, com nojo. "Eu não vou fazer isso."

"Jace, é temporário e é o único jeito de nos manter vivos." Vraska engoliu em seco. Ela sabia como a ideia parecia horrível, mas quanto mais ela marinava em sua cabeça, mais ela sabia que era a escolha certa. A única escolha.

Jace sacudiu a cabeça, incrédulo. "Eu não vou machucar você desse jeito—"

"Você não vai me machucar, você vai proteger a nós dois," disse ela, com empatia. "Você tira as minhas memórias de você da minha mente, e guarda. Guarda em algum lugar seguro longe da vista do dragão, e quando ele me vir ele vai pensar que a missão foi concluída sem tropeços. Daí, em Ravnica, na hora certa, você me devolve as memórias."

Jace ficou imóvel. Vraska praticamente via que ele pensava nos detalhes dessa ideia. Ele falou lenta e intencionalmente, em um tom encharcado de medo - mas com uma pitadinha de curiosidade perigosa. "Você quer trair Nicol Bolas."

Vraska assentiu. Ela se viu fazendo uma cara de raiva, e seus cabelos serpentinos ondulavam com determinação. "Se aquele bastardo pensa que eu vou ficar de lado e permitir que ele conquiste o meu plano de existência com a minha ajuda, ele vai ter uma surpresa. Eu o trairia mil vezes pra impedir que ele faça com Ravnica o que ele fez com Amonkhet."

A repulsa na face de Jace tinha sido substituída por um ar intrigado. Ele olhou para Vraska com uma curiosidade conspiratória. "De que tipo de sabotagem a gente tá falando?"

Algum talento criminoso permanecera com ele desde a época da lâmina de mana, afinal. Vraska olhou para Jace com aprovação e começou a conversar sobre preparativos deste ardil.

"Ele me prometeu o título de líder da guilda. A magia de lei é parte da trama de Ravnica, mesmo antes do Azor chegar. A metafísica do mundo é construída em hierarquias, e os líderes das guildas têm acesso a esse poder, especialmente quando trabalham juntos. Eu vou aceitar a posição e continuar a trabalhar como lacaia dele. Enquanto isso você faz o seu esquema de Pacto das Guildas e trabalha em algum tipo de ardil. O dragão não vai suspeitar de nada porque eu não vou estar do seu lado até que você me lembre disso. Quando estiver pronto, e quando pudermos ferir Nicol Bolas o máximo possível, você me devolve as minhas memórias e a gente coloca o plano que você bolar até lá em ação. Mesmo que ele descubra o que você estiver fazendo ele não vai achar que vai funcionar, porque ele vai pensar que eu sou leal a ele."

Em voz alta essa ideia parecia insana, mas Vraska sabia que daria certo. Jace era provavelmente o segundo melhor telepata do Multiverso antes de se lembrar das coisas que o mentor lhe ensinara. Mas agora? Ele estava inteiro. Não estava mais em pedaços. Se ele quebrou uma esfinge quando menino, o que ele conseguiria fazer como adulto?

Vraska percebeu que Jace começava a entender. Ele olhou para ela relutante. "Você confiaria as suas memórias a mim?"

"Eu confio em você completamente," respondeu ela com uma resolução de ferro.

Como não? Ele era igual a ela. Vraska notou pela primeira vez o que era uma parceria, e sua convicção se aprofundou ainda mais. Como era estranho, ter alguém em quem confiar, e receber confiança em troca.

O olhar no rosto de Jace dizia a ela que ele nunca ouvira isso de ninguém. Ele a olhou com admiração e tristeza, fechou os olhos, e os abriu novamente.

"Tem uma técnica que o Alhammarret me ensinou," disse Jace com voz trêmula. Ele se inclinava para a frente onde estava sentado, com os cotovelos apoiados nos joelhos. Sua linguagem corporal mudara de um terror reservado ao foco na solução de um problema. “A Manobra de Oubevir. É um jeito de esconder evidências de alteração mental. Eu posso fazer engenharia reversa na mágica que Ugin colocou em mim, e disfarçar a lacuna que vai ser deixada. Nicol Bolas não deve conseguir notar que algo fora removido."

"Tem certeza?"

"Nicol Bolas não vai notar a ausência de algo que ele não saberia como procurar. Ele é orgulhoso demais, e ele não sabe que eu estou aqui."

Vraska começou a sentir esperança. "Quem em Ravnica conseguiria me ajudar a sabotá-lo?"

Jace ficou pensando por um momento e então afirmou com a cabeça. "Niv-Mizzet. Ele pode ser um desafio tanto físico quanto mental ao Nicol Bolas - além disso, ele vai ficar furioso ao saber que existe um dragão mais inteligente do que ele."

"Então, agora sabemos o que precisamos fazer."

Vraska estendeu sua mão. Jace a tomou com as duas mãos, e apertou firme.

"Tem certeza que não temos mais tempo para planejar melhor?" Perguntou ele.

Vraska meneou a cabeça. "Ravnica está em perigo e você sumiu por meses."

Jace deu um suspiro longo e lento. "Então vamos fazer isso logo, antes que eu me convença a não fazer."

Ele olhou para Vraska, determinado e calmo. "Você tem a minha palavra como Pacto das Guildas Vivo que suas memórias vão ficar a salvo, e serão devolvidas intactas. Eu juro encontrar algum ardil que possamos usar contra Nicol Bolas, e eu juro sustentar minhas responsabilidades para proteger Ravnica, o meu lar."

Vraska falou confiante. "Você tem minha palavra como capitã d’A Truculentaque eu vou fazer de tudo para sabotar Nicol Bolas quando minhas memórias voltarem. Eu juro comprometer minha consciência completa para a destruição do dragão."

Vraska apertou a mão de Jace, e depois soltou. Eles fizeram um pacto.

Um sorriso repuxava um dos cantos da boca de Jace. "Vamos sabotar esse desgraçado."

Vraska deu um sorriso largo.

Ela se sentia empolgada, aterrorizada... Mas havia algum conforto também. Jace manteria uma parte dela em segurança, não importa o que aconteça. Eles salvariam Ravnica.

"Aonde você vai depois que ele for tirado daqui?" Perguntou ela, apontando para o Sol Imortal com o queixo.

Jace ficou de pé. "Eu preciso encontrar meus amigos em Dominária."

"Pra recrutá-los?"

"Principalmente, pra pedir desculpas por esse atraso absurdo."

"Pelo menos você tem um bom motivo." Vraska deu de ombros.

"Mas eu não vou ficar em Dominária depois que encontrá-los." Ele ficou estranhamente quieto. Uma pequena ruga se firmava entre suas sobrancelhas. "O Pacto das Guildas deve estar em Ravnica. Eu não quero ser como o Azor."

Vraska compreendeu por que ele teria esse temor, com o título que possuía. Ela assentiu e sua mente devaneou enquanto Jace calou-se novamente.

Depois de um momento, ela deu uma risada curta. "Eu acabei de notar que ainda vou reconhecer você quanto te vir de novo . . . Mas com certeza vou tentar te matar."

"Eu sei," disse ele com doçura.

Vraska não conseguiu conter um sorriso. Que segredo incomum ele teria que guardar...

Ela se perguntou como seria se lembrar de Ixalan depois que tudo acabasse. Ela se lembraria d’A Truculenta? Ela se lembraria de seus amigos? "Você pode sentir onde minha tripulação está?" Ela perguntou em voz alta.

Jace pausou por um momento, como se tentasse ouvir algo que ela não conseguiria. Ele assentiu com a cabeça. "Sim. Estão no cômodo de cima. Eu posso enviar uma mensagem pelo Malcolm ou pelo Calçola, se você quiser."

Vraska suspirou, sentindo-se culpada. "Diga aos dois que fomos capturados. Diga para voltarem ao navio, que a Amélia está no comando, e que esta tripulação é a melhor coisa que já me aconteceu. É verdade."

Os olhos de Jace brilharam brevemente com o tom azuleno de sua magia. "Feito," disse ele, triste. "Também vou sentir falta deles."

"Vamos vê-los de novo," disse Vraska, determinada. "Eu não quero esquecer deles."

"Não vai," Jace a reconfortou. "Eu vou garantir isso."

Vraska endireitou a postura. Preparou-se. É hora de acabar com isso. "Como vai funcionar? Eu chamo o Tezzeret primeiro?"

"Eu preciso identificar cada memória que você tem de mim primeiro," explicou Jace. "Você vai chamar o Tezzeret depois que eu terminar. Suponho que ele tenha consertado a Ponte Planar, então ele vai puxar o Sol Imortal por ela. E aí poderemos transplanar."

"Espera." As sobrancelhas de Vraska franziam com preocupação. "Como eu vou saber que as minhas memórias são reais quando elas voltarem?"

Jace se moveu, ficando de frente para ela. "Eu vou te chamar pelo seu título quando te vir de novo, antes de devolver suas memórias."

"Vai me chamar de Líder de Guilda?"

O olhar dele enterneceu. "Vou te chamar de Capitã."

A felicidade repuxou os cantos dos olhos dela. "Isso vai servir."

Ele estendeu as mãos na direção dela. "Posso?" Pediu ele. Vraska assentiu, e ele colocou seus dedos nos dois lados da cabeça dela.

Vraska sorriu. "Depois que isso tudo acabar . . . Posso te mostrar o mercado da Rua do Estanho lá em Ravnica?"

Jace devolveu com um sorriso miúdo e triste. "Eu lembro onde o mercado da Rua do Estanho fica."

"Sim, mas . . ." Eu quero te mostrar o lugar. Tomar um café. Eu conheço uma livraria ótima lá."

"Você gosta de livros?" Perguntou Jace, com um olhar esperançoso e feliz.

Vraska assentiu. "Eu vou comprar um de história e você compra esquemas ou outra coisa que você deve gostar de ler," provocou ela.

Ele riu. "Eu gosto de livros de memórias."

"Sério? Você gosta de memórias?"

"Eu gosto de gente interessante," disse ele com um sorriso terno e tímido.

Vraska sorriu. “Encontro marcado."

Ela assentiu e fechou os olhos. "Falar com o Niv-Mizzet. Encontrar algum jeito de fazer algo que precise dos líderes de guilda pra funcionar, e me deixar por último. Não deixar o outro dragão notar. E então . . ."

"Sabotagem," terminou Jace, empolgado.

Ele abriu uma ligação entre suas mentes. De repente, Vraska sentiu como se estivesse em um palco, atrás de uma cortina que era gentilmente erguida. A presença dele era educada, mas ela conseguia senti-lo andando na ponta dos pés por sua mente.

Se eu me aproximar de algo que você não quer que eu veja, é só dizer que eu me afasto.

Vraska assentiu.

Eu também vou deixar algumas memórias pro Nicol Bolas encontrar, e assim ele não notar nenhuma lacuna. Tudo bem se eu fizer isso?

Sim, respondeu Vraska. Ela se sentia culpada de ter visto tanto do passado de Jace.

Não foi culpa sua, disse Jace, puxando a memória da beira do rio para que os dois a vissem. Ela sentiu como ele assistiu pelos olhos dela, como as coisas estavam feias na lama, como ele estava perdido na inundação de seu próprio passado. Ter Jace em sua mente era estranhamente confortável, como assistir a uma peça com companhia. Os dois perpassaram pelas memórias dos momentos que tiveram juntos, separando-as. Jace assobiou longamente quando viu como ele estava naquela ilha coberta por excremento de pássaro. Os dois sorriram ao se verem lutando juntos na incursão. Vraska sentiu-se lacrimejar quando os viu conversando nas galés.

A sua história merece ser contada, disse Jace.

Ele pausou quando chegaram ao fim da memória na beira do rio, quando ele estava perdido em pesar nos braços de Vraska. Vraska sabia que, devido à ligação entre suas mentes, Jace compreendia como aquela era a primeira vez que ela tocara alguém por vontade própria em muitos anos.

E então Vraska sentiu como se estivesse descendo. A beira do rio desapareceu e tudo ficou escuro e nebuloso. Ela viu algo que não conhecia - um poço construído de ardósia antiga, e as paredes deste poço estavam cobertas com incontáveis texturas de memória. Ela viu suas memórias de Jace amarradas em uma trouxa, colocadas em uma caixa e selada com uma proteção inquebrável. Ela sentiu Jace esconder a caixa no poço, disfarçando sua presença com uma mágica.

Bem seguro, prometeu Jace.

Te vejo em breve, disse Vraska.

O mercado da Rua do Estanho, né? Café e livros? Perguntou ele, esperançoso.

Café e livros, respondeu ela, feliz. Suas faces pareciam quentes, e Vraska sorria.

Ela podia jurar ter ouvido o som de chuva.

Seus pensamentos eram calmos e frescos, e seu corpo não estava tenso.

Ela sentiu como se estivesse tomando um banho de chuva na primavera.

Agradavelmente renovada.

Ela abriu os olhos.

Ela piscou e olhou em volta; o cômodo estava vazio.

Como eu cheguei aqui?

Estava abafado lá, e um estranho trono estava do outro lado do cômodo. Ela tinha a sensação de que este cômodo não era para ser acessado pelo público geral. Ela podia ouvir sons de luta no cômodo acima. No teto havia um grande disco embutido. Ela puxou a bússola taumática e lá estava a agulha, apontando diretamente para cima.

Encontrei!

Vraska estendeu as mãos e realizou o feitiço que seu mecenas a ensinara há meses atrás.

Era complicado, precisava de foco intenso e de mais energia que ela esperava. A mágica irrompeu dela como se fosse um raio.

Vraska esperou um minuto inteiro. Ela se perguntou se tinha funcionado, e sobressaltou-se quando um círculo violeta se abriu imediatamente abaixo do Sol Imortal.

Ela sentiu algo mudar estranhamente dentro de si quando o Sol foi puxado para outro plano de existência. Quando o portal se fechou, Vraska transplanou.


Rivais de Ixalan Arquivo das Histórias
Perfil do Planeswalker: Nicol Bolas
Perfil do Planeswalker: Ugin, o Dragão Espírito
Perfil do Planeswalker: Jace Beleren
Perfil da Planeswalker: Vraska
Perfil do Plano: Ixalan